Folha de S. Paulo
A hiperfragmentação e baixíssimo
partidarismo político no Brasil mascaram a escalada da polarização
A polarização se intensificou nos últimos
anos no Brasil e fora dele. Para os EUA, por exemplo, há evidências que a
polarização aumentou tanto no âmbito do eleitorado quanto no Legislativo. Ela
também mudou de chave: é "afetiva", tendo por base a rejeição do
rival, e não "programática", com base em políticas.
No Congresso americano, evidências de série histórica de mais de um século
(1879 a 2011) sugerem que, a partir dos anos 1980, os democratas e republicanos
votam de forma cada vez mais divergente na Câmara dos Representantes.
Uma forma de mensurar a polarização afetiva no eleitorado é através do
termômetro do sentimento do eleitor (a): a diferença nos escores atribuídos ao
partido com o qual se identifica e a seu rival. O primeiro tem se mantido
inalterado, mas o segundo tem crescido monotonicamente: os (a)eleitores (as)
rejeitam crescentemente o partido adversário.
Outra métrica possível é "a distância social": o sentimento dos
indivíduos na interação social com membros ou simpatizantes do partido
adversário. Elas cada vez mais não se sentem confortáveis em ter membros do
partido rival como vizinho, cônjuge, membro da família estendida, colega de
trabalho, ou prestador de serviço.
A comparação entre regimes bipartidários e multipartidários requer a ponderação
do indicador de rejeição pelo tamanho dos partidos. A polarização é mais clara
—e se intensifica— sob os primeiros; enquanto regimes multipartidários tendem a
dissipá-la.
Em
"American affective polarization in comparative
perspective", 2020, (A polarização afetiva em perspectiva comparada),
Gurion et al examina 20 democracias e conclui que os EUA é menos polarizado que
Grécia, Portugal e Espanha; tão polarizado quanto França, Grã-Bretanha,
Austrália, Itália e Nova Zelândia e menos polarizado que a Escandinávia e
Holanda. Mas argumentam que o recrudescimento recente é "singularmente
americano". É provavelmente também brasileiro, eu diria.
O Brasil aparece apenas em
estudos comparativos realizadas por Reiljan (2020)
e João Victor Guedes Neto (2020). No primeiro destes estudos, que utiliza dados
para o período 2001-2016, o Brasil e EUA tem escores similares, e estão na
mediana da distribuição. A região mais polarizada do planeta é a Europa do
Leste seguida da Europa meridional: Estônia, Hungria, Croácia, Bulgária,
Sérvia, Eslováquia, Lituânia e Eslovênia estão dentre os 15 mais polarizados
dos 40 países.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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