O Globo
Começo a escrever sobre a campanha de 2022
abordando um tema sobre o qual não tenho verdades. Se for esperar clareza
cristalina, entretanto, corro o risco de ver a campanha acabar sem tocar nele,
na adequação ao tempo de hegemonia digital nas eleições.
Começo pelo que me pareceu o episódio mais
importante da campanha na semana passada. Foi o movimento vitorioso de atração
de jovens para o primeiro voto, realizado por artistas brasileiros com o apoio
de Leonardo DiCaprio. Bolsonaro sentiu o golpe e foi às suas redes sociais
pedir que DiCaprio se calasse. Ordens do capitão.
Por coincidência, na preparação para o trabalho do ano, estou lendo o fascinante livro de Hunter S. Thompson sobre a campanha americana de 1972 (“Fear and loathing: on the campaign trail ’72”). Hunter escrevia para a Rolling Stone, e o alvo de sua cobertura eram 25 milhões de jovens, entre 18 e 25 anos. Era um número considerável, esperança para derrotar Richard Nixon. Nixon venceu, Hunter ficou arrasado, mas seu livro tornou-se um best-seller. Foi escrito em quartos de hotéis e precisava mesmo vender porque cobertura de campanha é cara: hotéis, transporte, comida.
A linguagem de Hunter era mais próxima da
juventude, pela sinceridade. Fazia um jornalismo que dissolvia as fronteiras do
subjetivo e do objetivo, da literatura e da reportagem. Os amigos diziam que
não levava segredo da campanha para contar em casa. Publicava-os antes.
Aquela experiência jornalística foi
memorável, mas aconteceu há 50 anos, em plena era analógica, quando a Rolling
Stone era uma espécie de vanguarda. No mundo digital, um grupo de artistas
conseguiu produzir um fato sem mediações. Bolsonaro percebeu isso e quis
participar, ainda que no papel de vilão. Não é certo que todos os votos jovens
sejam contra ele, mas a intuição bolsonarista acerta ao supor que a maioria dos
novos eleitores o rejeita.
A última coisa que pretendo é dar
conselhos. Também estou um pouco confuso. Trabalho como comentarista de TV. Na
verdade, sou repórter de campo, mas, com a pandemia, cumpri essa função. Agora,
faço as duas coisas e comento depois de um dia de cinema andarilho e um
tempinho de atualização.
Meus colegas de Brasília trabalham
intensamente e bem. Mas às vezes tenho a impressão de que comento cenas do
deserto: uma caravana ao longe, esparsos camelos. A vida está distante, nas
ruas, nas redes. E a lógica deste novo mundo é inquietante. Na campanha do
Brexit, a empresa Cambridge Analytica trabalhou pela saída do Reino Unido da
União Europeia com mensagens contraditórias para as bolhas na internet. Aos
caçadores, dizia que a caça seria mais fácil; aos defensores nacionais,
anunciava que as regras seriam mais rígidas. Como os grupos não falam entre si
e, quando falam, não creem uns nos outros, a tática deu certo.
Quando um candidato diz certas coisas sobre
guerra para um segmento, em encontro presencial, não percebe que, apesar dos
aplausos, o que voa para as redes, via smartphone, se transforma numa arma para
os adversários. Infelizmente, quando se trata da Ucrânia, direita e esquerda
transigem com os crimes de Putin em todas as mídias.
Em tão curto espaço para tão amplo tema,
concluo provisoriamente assim: Bolsonaro, apesar de sua ignorância, sabe se
mover no mundo digital.
Para combatê-lo, a esperança não é apenas o
voto jovem, mas sobretudo a juventude que se move nas redes sociais, os
humoristas que falam a linguagem mais franca, assim como a solitária Rolling
Stone fazia há 50 anos.
Não seria nada exagerado se nos
sentássemos, antes da cobertura da campanha, discutindo que mundo é este, qual
a sua lógica, caminhos e armadilhas?
Afinal, estão quase todos em busca da
eterna juventude do voto, válida para todas as idades.
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