Valor Econômico
Evento indica apostas e dificuldades
petistas
O lançamento da pré-candidatura da chapa
Lula-Alckmin no sábado (07/05) começou com uma releitura do “Lula lá” da
campanha de 1989 e terminou com uma chuva de papel prateado sobre os convidados
no palco, tendo ao fundo uma enorme bandeira do Brasil - a mesma forma
apoteótica criada por Duda Mendonça para celebrar o início da campanha de 2002.
1989 e 2002 representam as duas jornadas
heroicas do PT na sua trajetória para se consolidar como o partido mais popular
da história brasileira recente.
A primeira eleição da redemocratização foi
marcada pela força da militância, que vendia botons e camisetas com a
estrelinha vermelha para custear a campanha, dos comitês populares formados
para a distribuição de santinhos e panfletos nas ruas e portas de fábricas.
Em 2002, porém, o partido atinge o apogeu da sua máquina eleitoral. Depois de três derrotas seguidas, o PT se apresentou mais maduro, com o discurso calibrado para agradar a classe média e o mercado. É o início de uma era de campanhas bem-sucedidas, conduzidas por marqueteiros contratados a peso de ouro e financiadas com doações milionárias. A aliança com o PL de Valdemar da Costa Neto, que indicou o empresário e ex-senador José Alencar para vice, mostrava o pragmatismo de quem compreendeu que precisava do centro (e do Centrão) para se eleger e governar.
A cinco meses do primeiro turno, Lula está
oficialmente de volta ao jogo tendo 1989 e 2002 como inspiração. E o peso dado
a cada uma das mutações históricas do PT se revela nos detalhes do evento do
último sábado.
Na nominata das autoridades chamadas ao
palco, mas sobretudo entre o público que compareceu ao encontro, a militância
que desde 1989 caminha ao lado do partido se fez presente em peso: centrais sindicais,
coletivos populares, movimentos de luta pelos direitos de negros, indígenas,
mulheres e LGBTQIA+, associações de trabalhadores da agricultura familiar,
catadores de material reciclável e estudantes, sem-tetos e sem-terras, artistas
e acadêmicos, deram cor e vida ao anúncio da nova candidatura.
Quanto à participação partidária, o evento
de sábado também teve mais a cara de 1989. Hoje Lula reúne em torno de si seus
antigos parceiros da esquerda - ao PT, PCdoB e PSB (presentes na Frente Brasil
Popular que perdeu a eleição para Collor) juntaram-se Psol, Rede, PV e
Solidariedade.
Apesar do slogan “Vamos Juntos pelo
Brasil”, nenhum partido e poucos políticos de centro apareceram para endossar a
candidatura. Os senadores Otto Alencar (PSD-BA) e Veneziano Vital do Rêgo
(MDB-PB) foram honrosas exceções, evidenciando as resistências da classe
política tradicional em aderir a uma “frente ampla antibolsonarista” liderada
por Lula.
A esperança, porém, reside em Geraldo
Alckmin. Assim como aconteceu com a escolha de José Alencar em 2002, Lula
venceu as resistências internas e impôs ao partido um companheiro de chapa que
pretende sinalizar ao eleitorado fora da esquerda a possibilidade de criação de
um governo mais moderado, principalmente na gestão econômica.
A receita de “lula com chuchu” busca
repetir em 2022 a parceria do torneiro mecânico com o mega-empresário de vinte
anos atrás. Num discurso moderado, Alckmin anunciou a intenção de “provar que
não há incompatibilidade entre prosperidade individual e sociedade solidária,
igualdade e liberdade, eficiência econômica e justiça social”. Não chega a ser
uma Carta ao Povo Brasileiro, mas é uma indicação de que uma reedição do
manifesto de garantias pode estar a caminho.
Mas Alckmin, apesar de respeitado na Faria
Lima e na Fiesp, não é um José Alencar. Aliás, entre as várias categorias
sociais representadas no palco do Expo Center Norte, no sábado, não se viu
nenhuma liderança empresarial. Reconquistar o PIB, portanto, é outra tarefa
árdua a se cumprir.
Entre os eventos de lançamento de campanha
de 2002 e 2022, outras mudanças se fizeram notar. Figuras históricas do partido
não apareceram desta vez, como José Dirceu e Guido Mantega. O passado foi
homenageado por meio de Luíza Erundina, que mesmo estando no Psol, foi uma das
mais aplaudidas no sábado - uma figura com passado respeitável, livre de
escândalos.
No vídeo transmitido para celebrar os 42
anos do PT, Gleisi Hoffmann e Dilma Rousseff (também aclamada de pé) ganharam
destaque ao lado de Lula. Pela empolgação do público após o anúncio de seus
nomes, Fernando Haddad e Guilherme Boulos parecem ser as apostas da militância
para o futuro da esquerda brasileira.
Outra diferença marcante em relação aos
eventos anteriores foi a ausência de emoção no discurso de Lula. Numa tentativa
de eliminar os riscos de declarações polêmicas como as emitidas nas últimas
semanas, o líder petista limitou-se a ler um texto duro para com o governo
Bolsonaro, mas burocrático e desprovido de sentimentos. Os aplausos foram raros
e pouco vibrantes, muito diferente da fala inflamada de 1989 ou da mensagem de
otimismo e mudança que levou muitos às lágrimas em 2002.
Isso não quer dizer que a campanha de Lula
não esteja atenta a técnicas psicológicas para se evitar que o eleitor de
centro retorne aos braços de Bolsonaro. Nos vídeos divulgados na internet
durante as três horas de transmissão, várias inserções produzidas pelos novos
marqueteiros do PT tinham mensagens telegrafadas para conquistar, por meio do
coração, as mulheres, os jovens e os mais pobres - três segmentos que são os
pontos fracos de Bolsonaro até aqui.
E se faltou emoção na fala de Lula, o vídeo
comparando as perspectivas de Lula e Bolsonaro para os problemas da população
brasileira, tendo ao fundo a Oração de São Francisco de Assis, rapidamente
viralizou nas redes sociais.
A campanha de Lula e Alckmin se inspira no
passado para iniciar a luta para tirar Bolsonaro no poder. As decisões tomadas
a partir de agora determinarão se o futuro lhes reserva uma dolorosa derrota,
como aconteceu em 1989, ou a consagração da vitória, sentida pela primeira vez
em 2002.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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