Folha de S. Paulo
A prioridade é preservar a democracia, mas
tem muita coisa para a chapa Lula com Chuchu fazer
O discurso
de Lula no evento de lançamento da chapa Lula/Alckmin explorou
o principal ponto fraco de Bolsonaro: em 2018, os brasileiros não queriam um
político, mas queriam um governo. Isso, Bolsonaro não lhes deu. Quem deu foi
Lula.
E essa é a vantagem de Lula. Mesmo que os
brasileiros tenham críticas a Lula como político, ele já lhes entregou um bom
governo. Lula não achava que seu local de trabalho era o Twitter.
Quando a crise do subprime atingiu o Brasil
em 2008, Lula não escolheu a estratégia de combate à crise que lhe permitisse
trabalhar menos, como Bolsonaro fez com a "imunidade de rebanho"
durante a pandemia.
Lula criou o Bolsa Família. Bolsonaro mudou
o nome
do Bolsa Família. Não há uma única política pública digna de nota
introduzida pelo governo Bolsonaro.
Durante a campanha de 2018, era difícil achar um colunista menos otimista com a perspectiva de um governo Bolsonaro do que eu. Mas se você tivesse me dito que, depois de quatro anos, Jair não teria implementado nenhuma política pública nova, eu não teria acreditado.
Eu achava que pelo menos alguma coisa para
combater a criminalidade, alguma coisa de ciência e tecnologia com os
militares, Bolsonaro teria feito. Foi o contrário: mandou os militares ignorarem
a ciência e escolheu a política de segurança que lhe daria menos
trabalho: a
liberação de armas.
Enquanto a Covid-19 matava, Bolsonaro
planejava o golpe de 7 de Setembro. Enquanto os preços disparavam, Bolsonaro
soltava Daniel Silveira. Se não for para dar golpe, o Jair não sai da cama.
O golpe é para livrar Bolsonaro de gente lhe mandando trabalhar, lhe mandando
governar.
Nesse sentido, Lula
e Alckmin são o oposto de Bolsonaro. Ambos foram governantes muito bem
avaliados. Quando ganharam eleições, governaram. Entregaram resultados. Se
qualquer um dos dois tivesse sido eleito em 2018, hoje haveria um mínimo de 100
mil brasileiros a mais.
O pessoal mais ligado ao mercado reclamou
que os discursos
de sábado não incluíram sinalizações de ortodoxia econômica. Os incentivos
eleitorais não jogam muito a favor disso: Bolsonaro não venceu por seu discurso
econômico, como FHC tinha vencido. Não é claro que o eleitor que Lula quer
retomar de Bolsonaro se impressione com, digamos, a indicação de um economista
ortodoxo para a Fazenda.
Minha sugestão para o mercado é a seguinte:
mobilizem seus quadros intelectuais e entreguem para Lula (ou para Alckmin) uma
lista de medidas que melhorem a vida da classe C, D e E sem desorganizar as
contas públicas. Isso, sim, impressionaria Lula.
Os petistas gostaram do
discurso de Alckmin, que foi muito bom. Aos poucos, os petistas vão
conhecendo Alckmin sem a névoa da guerra política na frente. O ex-governador de
São Paulo fez suas próprias críticas a Bolsonaro e ressaltou a importância de
deixar as diferenças de lado pela democracia.
A prioridade é mesmo preservar a
democracia, mas repito o que disse na minha primeira coluna sobre a chapa: não
precisa ser só isso. Tem muita coisa para a chapa Lula com Chuchu fazer na
política educacional, na reforma tributária, na área ambiental. E talvez surjam
novas soluções. Estamos há quase 50 anos sem um projeto de desenvolvimento de
longo prazo. Essa é uma boa hora para descobrir se foi por falta de diálogo.
*Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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