Valor Econômico
Linhas de liquidez permitirão reduzir
exigência dos bancos
O Banco Central deu início à última etapa
da implantação das suas novas linhas de assistência de liquidez que, se tudo
caminhar como o previsto, permitirá uma liberação dos depósitos compulsórios
dos bancos no próximo ano. Numa eventual emergência disseminada no mercado de
crédito - o que hoje não é o caso - o mecanismo poderia ser acionado mais cedo.
Trata-se de um projeto de redução
estrutural dos compulsórios, que vinha sendo tocado pelo ex-diretor de política
monetária do Banco Central, Bruno Serra Fernandes, cujo mandato terminou em 28
de fevereiro. Ele estendeu a sua permanência no cargo por algumas semanas, à
espera da indicação de seu substituto pelo governo Lula, o que até agora ainda
não aconteceu.
O projeto, que vinha sendo tocado desde antes da pandemia pelo corpo técnico do Banco Central, ilustra como será importante encontrar um quadro qualificado para assumir a cadeira, que tem papel fundamental para garantir o bom funcionamento do mercado financeiro, sobretudo nas crises.
Em 3 de março, o Banco Central deu mais um
passo na implantação das Linhas Financeiras de Liquidez (LFL), com o aceite de
Cédulas de Crédito Bancário (CCB) como garantia. Na prática, os bancos vão
empacotar operações de crédito, fazendo o registro numa depositária, como a B3.
E elas servirão de garantia para, num momento de aperto, acessarem as linhas de
assistência de liquidez de prazo mais longo no Banco Central - a chamada Linha
de Liquidez a Termo (LLT), com até 365 dias.
Toda a lógica do sistema é resgatar de
forma completa o sistema de redesconto do Banco Central, que ficou inoperante
por muito tempo, desde a crise bancária do Plano Real. Nele, bancos saudáveis,
com boa situação patrimonial, podem usar as suas operações de crédito como
garantia para levantar recursos no Banco Central em períodos que sofrerem
aperto de liquidez.
Como o Brasil ainda não tem um sistema
completo de assistência financeira de liquidez em operação, o Banco Central, na
prática, mantém exigências de altos depósitos compulsórios para o sistema
bancário, como uma espécie de colchão de segurança para ser usado em períodos
de estresse.
Foi o que aconteceu em 2008, quando a crise
desencadeada pela quebra do Lehman Brothers provocou um aperto de liquidez nos
bancos pequenos e médios no Brasil. Como solução emergencial, o Banco Central
liberou depósitos compulsórios dos grandes bancos para a compra de carteiras de
crédito dos bancos menores. Durante a pandemia, o Banco Central utilizou-se
mais uma vez da liberação de compulsórios, desta vez para os grandes bancos
comprarem debêntures no mercado de capitais.
O arranjo, meio improvisado, ajudou a
superar crises, mas impõe um custo alto para o sistema bancário. O Brasil é um
caso raro de país com compulsórios sobre depósito a prazo, com uma alíquota de
20% (na prática, o sistema opera com 17%, porque há a faculdade de os bancos
depositarem até 3% de seus depósitos sob a forma de debêntures). Pelo dado mais
recente, de março, os bancos tinham recolhidos no Banco Central R$ 306 bilhões
em compulsórios sobre depósitos a prazo, além de R$ 76 bilhões sobre depósitos
à vista.
A nova etapa da LFL 2.0 fica pronta no
primeiro trimestre de 2024, e é quando o Banco Central poderá tomar a decisão
sobre a pretendida redução estrutural dos depósitos compulsórios. Nada
impediria, porém, numa crise mais aguda no mercado de crédito, que isso seja
feito antes. Mas, pelo que disse o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto,
em evento do Bradesco na semana passada, não haveria no momento problemas de
liquidez no mercado. Campos Neto relatou que manteve conversas com os grandes
bancos para saber se uma eventual liberação de liquidez poderia levá-los a
comprar mais debêntures - apoiando um mercado que ficou virtualmente paralisado
nas semanas seguintes ao escândalo da Americanas. Os bancos, porém, teriam
respondido que mais liquidez não levaria, necessariamente, à compra de mais
debêntures, e que esta decisão envolveria a “oportunidade” da aquisição.
Se fosse o caso de incentivar
emergencialmente a compra de debêntures, o instrumento a ser usado seria,
provavelmente, as LFL, e não a liberação de compulsórios. Esse instrumentos
teria um foco maior nesse mercado. Os principais compradores de debêntures,
entre os bancos, são as grandes instituições privadas. Os bancos públicos, que
têm uma grande base de compulsórios, não tem tradição de atuar no segmento. O
uso de um instrumento mais cirúrgico permite ao BC separar as atividades de
estabilidade financeira e monetária.
A aceitação das CCBs como garantia nas
linhas de assistência de liquidez do Banco Central atenderia principalmente os
bancos pequenos e médios. Como os grandes carregam debêntures nos seus
balanços, já têm instrumentos para oferecer em garantia nessas linhas. Já
bancos menores não costumam operar no segmento porque os seus custos de
captação são muitos altos para valer a pena comprar debêntures.
Com a permissão de garantias que atendam as
instituições financeiras menores, que costuma ser o elo mais fraco nas crises
financeiras, o Banco Central não precisará mais mobilizar os depósitos
compulsórios dos grandes para fazer esse serviço.
Mesmo antes de a LFL 2.0 entrar plenamente
em vigor, o Banco Central poderia prover liquidez, numa emergência mais aguda,
por uma linha de assistência criada na pandemia, a Linha Temporária Especial de
Liquidez - Letras Financeiras Garantidas (LTEL - LFG), que segue em vigor. Esse
é um instrumento mais abrangente, em que o BC pode aceitar como garantia as
operações de crédito, mesmo sem a CCB.
Com a redução estrutural dos depósitos
compulsórios, junto com outras medidas, o Banco Central espera que o crédito
bancário, que hoje está em cerca de 50% do Produto Interno Bruto (PIB), siga
trajetória de expansão, para percentuais mais próximos de 70% do PIB vigentes
em outras economias emergentes.
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