segunda-feira, 10 de abril de 2023

Alex Ribeiro - BC prepara liberação de compulsório em 2024

Valor Econômico

Linhas de liquidez permitirão reduzir exigência dos bancos

O Banco Central deu início à última etapa da implantação das suas novas linhas de assistência de liquidez que, se tudo caminhar como o previsto, permitirá uma liberação dos depósitos compulsórios dos bancos no próximo ano. Numa eventual emergência disseminada no mercado de crédito - o que hoje não é o caso - o mecanismo poderia ser acionado mais cedo.

Trata-se de um projeto de redução estrutural dos compulsórios, que vinha sendo tocado pelo ex-diretor de política monetária do Banco Central, Bruno Serra Fernandes, cujo mandato terminou em 28 de fevereiro. Ele estendeu a sua permanência no cargo por algumas semanas, à espera da indicação de seu substituto pelo governo Lula, o que até agora ainda não aconteceu.

O projeto, que vinha sendo tocado desde antes da pandemia pelo corpo técnico do Banco Central, ilustra como será importante encontrar um quadro qualificado para assumir a cadeira, que tem papel fundamental para garantir o bom funcionamento do mercado financeiro, sobretudo nas crises.

Em 3 de março, o Banco Central deu mais um passo na implantação das Linhas Financeiras de Liquidez (LFL), com o aceite de Cédulas de Crédito Bancário (CCB) como garantia. Na prática, os bancos vão empacotar operações de crédito, fazendo o registro numa depositária, como a B3. E elas servirão de garantia para, num momento de aperto, acessarem as linhas de assistência de liquidez de prazo mais longo no Banco Central - a chamada Linha de Liquidez a Termo (LLT), com até 365 dias.

Toda a lógica do sistema é resgatar de forma completa o sistema de redesconto do Banco Central, que ficou inoperante por muito tempo, desde a crise bancária do Plano Real. Nele, bancos saudáveis, com boa situação patrimonial, podem usar as suas operações de crédito como garantia para levantar recursos no Banco Central em períodos que sofrerem aperto de liquidez.

Como o Brasil ainda não tem um sistema completo de assistência financeira de liquidez em operação, o Banco Central, na prática, mantém exigências de altos depósitos compulsórios para o sistema bancário, como uma espécie de colchão de segurança para ser usado em períodos de estresse.

Foi o que aconteceu em 2008, quando a crise desencadeada pela quebra do Lehman Brothers provocou um aperto de liquidez nos bancos pequenos e médios no Brasil. Como solução emergencial, o Banco Central liberou depósitos compulsórios dos grandes bancos para a compra de carteiras de crédito dos bancos menores. Durante a pandemia, o Banco Central utilizou-se mais uma vez da liberação de compulsórios, desta vez para os grandes bancos comprarem debêntures no mercado de capitais.

O arranjo, meio improvisado, ajudou a superar crises, mas impõe um custo alto para o sistema bancário. O Brasil é um caso raro de país com compulsórios sobre depósito a prazo, com uma alíquota de 20% (na prática, o sistema opera com 17%, porque há a faculdade de os bancos depositarem até 3% de seus depósitos sob a forma de debêntures). Pelo dado mais recente, de março, os bancos tinham recolhidos no Banco Central R$ 306 bilhões em compulsórios sobre depósitos a prazo, além de R$ 76 bilhões sobre depósitos à vista.

A nova etapa da LFL 2.0 fica pronta no primeiro trimestre de 2024, e é quando o Banco Central poderá tomar a decisão sobre a pretendida redução estrutural dos depósitos compulsórios. Nada impediria, porém, numa crise mais aguda no mercado de crédito, que isso seja feito antes. Mas, pelo que disse o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em evento do Bradesco na semana passada, não haveria no momento problemas de liquidez no mercado. Campos Neto relatou que manteve conversas com os grandes bancos para saber se uma eventual liberação de liquidez poderia levá-los a comprar mais debêntures - apoiando um mercado que ficou virtualmente paralisado nas semanas seguintes ao escândalo da Americanas. Os bancos, porém, teriam respondido que mais liquidez não levaria, necessariamente, à compra de mais debêntures, e que esta decisão envolveria a “oportunidade” da aquisição.

Se fosse o caso de incentivar emergencialmente a compra de debêntures, o instrumento a ser usado seria, provavelmente, as LFL, e não a liberação de compulsórios. Esse instrumentos teria um foco maior nesse mercado. Os principais compradores de debêntures, entre os bancos, são as grandes instituições privadas. Os bancos públicos, que têm uma grande base de compulsórios, não tem tradição de atuar no segmento. O uso de um instrumento mais cirúrgico permite ao BC separar as atividades de estabilidade financeira e monetária.

A aceitação das CCBs como garantia nas linhas de assistência de liquidez do Banco Central atenderia principalmente os bancos pequenos e médios. Como os grandes carregam debêntures nos seus balanços, já têm instrumentos para oferecer em garantia nessas linhas. Já bancos menores não costumam operar no segmento porque os seus custos de captação são muitos altos para valer a pena comprar debêntures.

Com a permissão de garantias que atendam as instituições financeiras menores, que costuma ser o elo mais fraco nas crises financeiras, o Banco Central não precisará mais mobilizar os depósitos compulsórios dos grandes para fazer esse serviço.

Mesmo antes de a LFL 2.0 entrar plenamente em vigor, o Banco Central poderia prover liquidez, numa emergência mais aguda, por uma linha de assistência criada na pandemia, a Linha Temporária Especial de Liquidez - Letras Financeiras Garantidas (LTEL - LFG), que segue em vigor. Esse é um instrumento mais abrangente, em que o BC pode aceitar como garantia as operações de crédito, mesmo sem a CCB.

Com a redução estrutural dos depósitos compulsórios, junto com outras medidas, o Banco Central espera que o crédito bancário, que hoje está em cerca de 50% do Produto Interno Bruto (PIB), siga trajetória de expansão, para percentuais mais próximos de 70% do PIB vigentes em outras economias emergentes.

 

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