segunda-feira, 10 de abril de 2023

César Felício - Em 2003, austeridade marcou início de Lula I

Valor Econômico

Situação econômica do Brasil era mais complexa

Nos seus cem dias do primeiro mandato, em 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva administrou uma alta na taxa básica de juros logo na terceira semana do governo. O Banco Central, presidido então por Henrique Meirelles, aumentou a Selic de 25% para 25,5% ao ano, no dia 22 de janeiro. Na véspera, a meta de inflação havia sido revista e o teta da variação de preços fora fixado em 8,5%.

Assim como agora, o cenário em 2003 era de baixo crescimento econômico e a inflação preocupava. A crise há 20 anos era mais complexa pela diferença no nível de reservas de que o país dispunha.

Lula assumiu em janeiro daquele ano com cerca de US$ 38 bilhões de reservas cambiais. Esse nível baixo foi um dos motivos que havia levado o Brasil a recorrer ao FMI em 6 de agosto de 2002, durante o período eleitoral. Todos os candidatos a presidente, Lula inclusive, se comprometeram com o então presidente Fernando Henrique Cardoso de honrar os compromissos internacionais do Brasil. O petista voltou a assumir em janeiro deste ano com US$ 324 bilhões. Quem deu o tom do início do governo de 20 anos atrás foi o Ministério da Fazenda, tocado então por Antônio Palocci.

Uma outra grande diferença estava na retórica do presidente. O presidente não se destacou por criticar o Banco Central pela taxa Selic alta, como acontece agora.

Em 2003, ao contrário do que ocorre atualmente, o Banco Central era tecnicamente subordinado ao Ministério da Fazenda, sem independência funcional e mandato para a sua diretoria. Mas Meirelles, que no ano anterior havia sido eleito deputado federal pelo PSDB, tinha liberdade política para agir.

Em um ambiente de tranquilidade institucional, Lula tomou posse pedindo o controle “das muitas e legítimas ansiedades sociais”, que seriam atendidas, em suas palavras, “no momento justo”. Lula lançou o programa “Fome Zero”, um dos carros-chefes de sua campanha, logo no dia 30 de janeiro, mas o momento de sair de vez da austeridade ainda demoraria.

 

No segundo mês do governo, o BC promoveu mais um aumento da Selic, de 25,5% para 26,5% e apertou o crédito, elevando a alíquota do depósito compulsório de 45% para 60%.

O ajuste era a palavra de ordem do começo de 2003, como ficou claro na reunião de Lula com os 27 governadores em 22 de fevereiro, quando se comprometeu a enviar a reforma da Previdência e a Tributária ainda no primeiro semestre.

No primeiro mês do governo, o superávit primário do setor público alcançou 7,01% do PIB, melhor resultado em 12 anos. Estes primeiros movimentos tiveram resposta no mercado financeiro, com queda no risco-país. Em 4 de março, o FMI liberaria a segunda parcela do desembolso previsto para o Brasil, de US$ 4,6 bilhões (valores da época). A inflação também cedeu: o IGP-M em março foi de 1,53%, menor variação desde maio de 2002.

O aperto do governo federal também se refletia na relação com os Estados. Em 10 de março, Minas Gerais sofreu um bloqueio de contas pelo não cumprimento do acordo de reestruturação da dívida da União, celebrado em 2001.

Próximo ao cumprimento do prazo de 100 dias, Lula começou a soltar as amarras com mais vigor. No dia 31 de março anunciou o aumento do salário mínimo de R$ 200 para R$ 240, o que em termos reais significava um aumento de 1,85% em relação a abril de 2002.

Este ano, a negociação de um salário mínimo de R$ 1.320 a partir de maio, com aumento real de 3,1%, ficou definida com a votação da PEC da Transição pelo Congresso no fim do ano passado, quando Lula conseguiu do Legislativo uma margem para gastar acima do teto de gastos e garantir políticas sociais logo no começo de sua gestão.

Gordura para queimar em termos de popularidade não era problema para Lula: pesquisa do Ibope divulgada em 2 de abril mostrava o presidente com 51% de bom e ótimo e apenas 7% de ruim e péssimo, realidade muito diferente da atual.

Mas a relação de Lula com suas bases já começava a estressar. Um protesto de servidores federais reuniu milhares de pessoas em 8 de abril, contra a política de austeridade do governo.

O contraste com a atualidade é significativo. Segundo a última pesquisa Datafolha divulgada, a soma de bom e ótimo de Lula está em 38%, enquanto a de ruim e péssimo alcança 29%.

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