Folha de S. Paulo
O sistema só funciona com instituições de
controle fortes, mas elas estão sob ataque
As relações Executivo-Legislativo sob Lula
3 ainda estão se plasmando, mas há forte continuidade com o padrão anterior.
Ela se manifesta das lideranças das duas Casas —que permanecem as mesmas,
Pacheco e Lira— ao padrão de barganha estabelecido. Falar de continuidades
renitentes é falar de trasformismo (no
sentido original, não gramsciano, da expressão): a estabilidade alicerçada em
conluio pouco republicano de rivais.
Esse trasformismo lampedusiano manifesta-se sobretudo nas práticas legislativas e orçamentárias e é contraintuitivo, considerando-se a enorme polarização eleitoral e o trauma do assalto à praça dos Três Poderes. Ele precedeu inclusive a investidura do governo, com a aprovação da PEC fura-teto na legislatura anterior.
A caixa de ferramentas do Executivo é a
mesma: inclui pastas ministeriais, emendas e cargos no segundo escalão, nesta
ordem de importância. Segundo um especialista no assunto —o ex-presidente da
Câmara Eduardo Cunha—,
"cargos não têm a mesma relevância que emendas. Elas entram direto nas
bases dos deputados. Consolidam o prestígio e obtêm dividendos
eleitorais".
Os ministérios funcionam como
superagregadores de emendas e transferências a estados e municípios: é uma via
de mão dupla. Elas garantem que os interesses locais da coalizão governativa
sejam mobilizados de forma direta, como mostrou Fernando Meireles.
A distribuição partidária do portfólio ministerial expressa uma espécie de
fusão Executivo-Legislativo. O grau de envolvimento do presidente no processo,
por meio da Casa Civil ou ministérios de coordenação politica, é que tem
variado.
O "orçamento secreto do novo
governo" envolve recursos anabolizados das emendas de relator, que
cresceram vertiginosamente e foram repartidas de forma igual para os deputados
na forma de emendas impositivas individuais (que estão fora da barganha) e de
emendas de livre alocação dos ministérios, sujeitas à barganha com deputados e
partidos. Ele agora está centralizado na Secretaria
de Relações Institucionais, e é marcado pela opacidade.
Se Bolsonaro abdicou do gerenciamento das
emendas, Lula esboçou reação centralizadora, mas, na prática, o
quadro é também de forte delegação. Em ambos os casos, a motivação é
deslocar os custos de desvios e ineficiência sistêmica para os próprios
parlamentares. Não funciona. Veja-se o affair Juscelino.
O presidencialismo de coalizão só funciona
com instituições de controle forte, como mostramos no livro "Making Brazil Work: Checking the President in a Multiparty System"
(Para o Brasil funcionar: controlando o presidente em um sistema
multipartidário, Nova York, Palgrave). O quadro atual é de enfraquecimento delas.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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