segunda-feira, 10 de abril de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Risco para Lula na China é desagradar aos americanos

O Globo

Presidente deve moderar as palavras e evitar ser enredado pelo eixo sino-russo na questão ucraniana

Diagnosticado com uma pneumonia leve, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi obrigado a adiar para esta semana a visita de Estado à China, onde a agenda prevê encontros com o líder Xi Jinping. Quando desembarcar no país na quarta-feira, Lula terá pela frente um grande desafio: equilibrar-se entre os gigantes globais, Estados Unidos e China, declaradamente em rota de colisão. Ao Brasil, não interessa desagradar a nenhum dos dois. Esquecer isso é o principal risco para Lula.

O mero anúncio da viagem foi um acerto. O governo anterior se esmerou em hostilidades gratuitas contra a China, nosso principal parceiro comercial, país com que registramos significativo saldo positivo. Ao assumir em janeiro e escolher Argentina, Estados Unidos e China como destinos das primeiras viagens internacionais, Lula resgatou os três principais pilares da política externa brasileira. Nas primeiras duas viagens, começou a recuperar o estrago da errática diplomacia bolsonarista.

Agora, são esperados anúncios de investimentos em fábrica de automóveis no Brasil e a compra de aviões da Embraer. A ampliação das exportações de produtos primários, a ativação de um fundo de financiamento chinês de R$ 20 bilhões e o incentivo para que turistas asiáticos visitem mais o Brasil também estão na agenda. Num gesto de boa vontade, a China suspendeu o veto à importação de carne brasileira.

Mesmo antes da posse, Lula deixou claro que a política climática teria papel de destaque no governo. Na visita a Joe Biden na Casa Branca em fevereiro, esse foi um dos pontos mais importantes. A expectativa é que o assunto faça parte das conversas com Xi. Não estão descartados o envolvimento da China num fundo de preservação da Amazônia e a assinatura de uma declaração conjunta para facilitar a articulação dos dois países em fóruns internacionais sobre o clima.

É esperada a assinatura do acordo para a sexta geração de satélites da cooperação entre os dois países, iniciada no governo Sarney. O novo modelo poderá ter um verniz ambiental, com a implementação da capacidade de monitoramento de florestas mesmo em dias nublados. Outro acordo de cooperação prevê intercâmbio na área de tecnologia, de olho em semicondutores e nas futuras redes 6G.

Mesmo com uma visita mais curta do que a preparada antes do adiamento, Lula passará a quinta-feira em Xangai, onde encontrará Dilma Rousseff, recentemente empossada como presidente do New Development Bank, também conhecido como banco do Brics, cuja sede fica na cidade.

Em Pequim, o assunto em que o Brasil tem menos a ganhar e mais a perder é a guerra na Ucrânia. Xi reforçou recentemente sua parceria estratégica com Vladimir Putin. O plano de paz sugerido pelos chineses não passa de uma cortina de fumaça para favorecer os russos. Lula precisa tomar cuidado para não ser enredado numa trama distante do interesse do Brasil e, com isso, indispor-se com os Estados Unidos. Deve, acima de tudo, evitar gafes verbais ao falar demais sobre o conflito na Ucrânia.

Os americanos aceitariam qualquer tipo de acordo comercial ou de intercâmbio tecnológico e turístico entre Brasil e China. Mas uma posição favorável ao eixo sino-russo na questão ucraniana seria interpretada como desafio. O norte de Lula ao longo da viagem precisa ser o equilíbrio.

Decisão do STF foi sensata, mas não extinguiu a prisão especial

O Globo

Ela acabou para quem tem diploma. Faltam parlamentares, ministros, militares, juízes, procuradores...

Foi sensata a decisão do STF, ao julgar uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) da Procuradoria-Geral da República (PGR), de derrubar a prisão especial para cidadãos com curso superior. O benefício, que vigorou por mais de oito décadas, era apenas mais um entre tantos privilégios descabidos no país dos tratamentos diferenciados e do “você sabe com quem está falando?”.

O argumento da PGR era que a cela especial para presos com diploma universitário, instituída no Código de Processo Penal durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, surgiu num contexto antidemocrático, “durante período de supressão de garantias fundamentais e manutenção de privilégios sem respaldo na igualdade substancial entre cidadãos”. Por unanimidade, a Corte entendeu que a prisão especial nesses casos é incompatível com a Constituição, ao ferir o preceito da isonomia.

Para o relator, ministro Alexandre de Moraes, a norma “não protege uma categoria de pessoas fragilizadas e merecedoras de tutela”. Ao contrário, “favorece aqueles que já são favorecidos por sua posição socioeconômica”. Ainda segundo Moraes, não há razão jurídica “para que a pessoa graduada em ensino superior receba um tratamento ‘especial’ pelo Estado, em detrimento do preso comum, quando ambos são presos provisórios”. Não há justificativa plausível para que dois presos que tenham cometido o mesmo delito recebam tratamento diferente do Estado.

A decisão do STF não significa, porém, o fim das prisões especiais. Com base no próprio Código de Processo Penal ou em legislações específicas, ministros de Estado, do Tribunal de Contas, governadores, prefeitos, parlamentares, oficiais das Forças Armadas, delegados, magistrados, integrantes do Ministério Público, advogados, entre outras categorias, ainda poderão ocupar cela especial em prisões provisórias. Com a devida vênia, a lei não deveria ser igual para todos?

Acabar com a prisão especial para quem tem curso superior é justo, mas o debate deveria ir além disso. Até porque eles representam parcela ínfima dos presos. As condições que o Estado dá ao detento, independentemente do grau de instrução, são lastimáveis. Presídios estão com lotação muito acima da capacidade e as instalações são quase sempre degradantes.

As cadeias são controladas por facções criminosas, que se aproveitam de regras frouxas e da vista grossa das autoridades para tocar negócios ilícitos e ordenar atos de terrorismo de dentro das celas. As penitenciárias se transformaram em escolas eficientes para formar mão de obra para as organizações criminosas. Como depois da condenação todos os presos estão sujeitos a celas comuns, é esse o cenário que encontrarão na cadeia. Recuperar o domínio do Estado sobre as prisões é mais relevante que o grau de instrução dos presos nelas mantidos.

Privatizar não é tabu

Folha de S. Paulo

Datafolha mostra apoio à desestatização, enquanto governo retrocede no debate

A privatização de empresas e serviços públicos parece, enfim, ter deixado de ser um espantalho político-eleitoral no Brasil, mesmo que seja ainda um tema divisivo.

Segundo a mais recente pesquisa do Datafolha, 45% dos brasileiros aptos a votar se declaram contrários à desestatização, enquanto 38% são favoráveis e 17% não têm opinião formada ou se dizem indiferentes. Vê-se mudança contundente da opinião pública desde novembro de 2017, quando o placar era de 70% a 20% para os opositores.

Não se podem apresentar mais do que hipóteses para explicar tal evolução —como o enfraquecimento de teses esquerdistas no período, a percepção de que o Estado se encontra em crise orçamentária e outras possibilidades não excludentes entre si.

Fato é que a maioria do eleitorado avalia que a privatização melhorou a qualidade de produtos e serviços, como afirmam 54% dos entrevistados, e do atendimento aos clientes, segundo 61%.

O apoio à desestatização supera a recusa quando se trata de saneamento, energia, rodovias e aeroportos —e cumpre observar que esses são setores em que a participação privada, em graus variados, já é uma realidade.

As negativas são maiores, previsivelmente, quando se questiona a respeito da Petrobras e dos bancos estatais, cujas vendas nunca chegaram a ser encaminhadas.

O programa de privatizações teve início nos anos 1990 e, desde então, avança mais por necessidade inescapável do que por convicção do mundo político. Mesmo os governos petistas, que demonizaram as alienações de empresas, promoveram não poucas concessões de serviços na área de infraestrutura.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contempla suas bases ideológicas e corporativistas ao retirar os Correios do programa —bem como a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e outras inutilidades mantidas com dinheiro do contribuinte. A promessa bravateira de reestatizar a Eletrobras, felizmente, não será cumprida.

Perde-se a oportunidade de um debate mais maduro e plural, capaz de beneficiar governo, economia e sociedade. O poder público não tem como fazer todos os investimentos necessários em áreas vitais, e a expansão da renda e do emprego depende do avanço da produtividade, interrompido no país.

Não há perda de patrimônio quando uma estatal é vendida, dado que os recursos obtidos em leilão reduzirão o endividamento do Estado, ou seja, de todos os brasileiros. Há que buscar, isso sim, a regulação adequada para garantir concorrência, serviços de qualidade e preços razoáveis.

Na opinião pública, ao menos, os tabus deram lugar ao aprendizado.

Votar as MPs

Folha de S. Paulo

Debate sobre mudança de regra é legítimo, mas cumpre retomar a normalidade

A disputa entre Câmara dos Deputados e Senado em torno da tramitação de medidas provisórias não despertaria interesse fora dos salões de Brasília se não estivessem em jogo providências importantes para a agenda do país.

No presidencialismo brasileiro, as MPs são instrumentos essenciais para que o principal mandatário possa governar. Por meio delas, o Executivo toma decisões urgentes e relevantes com força de lei, sob condição de que o Congresso as aprove em até 120 dias.

As normas para tal procedimento têm sido revistas desde a redemocratização, de modo a equilibrar as prerrogativas da Presidência e o respeito à autonomia do Congresso. Hoje, vive-se um impasse potencialmente prejudicial à sociedade.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), gostaria de manter uma regra excepcional instituída durante a pandemia segundo a qual as MPs são examinadas primeiro pelos deputados e depois pelos senadores —eliminando a etapa em que comissões formadas por representantes das duas Casas legislativas fazem a votação inicial.

Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ampara-se na Constituição ao reivindicar a volta das comissões, de modo a restabelecer a influência de seus pares na análise das medidas.

Na semana passada, o governo anunciou um acordo com o Legislativo para a volta da votação de MPs —há nada menos que 12 delas à espera de análise, considerando apenas as emitidas pela atual administração. Espera-se que nesta terça-feira (11) novas comissões mistas sejam instaladas.

Em atitude republicana, Lira e Pacheco expuseram suas razões em artigos publicados pela Folha. O primeiro argumenta que o procedimento anterior à pandemia, além de disfuncional, atentava contra a representação popular ao fixar o mesmo número de deputados e senadores nas comissões.

O segundo, como se pode imaginar, defende o respeito à lógica bicameral do Legislativo, pelo qual as duas Casas devem ter papel equivalente na confecção das leis.

A divergência é legítima e nada impede que o rito de tramitação seja aprimorado, por difícil que seja obter um consenso entre Câmara e Senado em torno do tema. O que não se pode é paralisar trabalhos parlamentares em razão de disputas circunstanciais por poder.

A excepcionalidade da pandemia não tem mais razão de ser. Que a normalidade seja retomada.

 Governo envelhecido aos 100 dias

O Estado de S. Paulo.

Lula age como se estivesse na reta final de seu mandato, em busca de trunfos eleitoreiros, e não no início, momento em que decisões difíceis e impopulares costumam ser tomadas

O governo de Lula da Silva chega hoje ao seu centésimo dia como se estivesse em sua reta final. Os sinais de decrepitude precoce estão em toda parte, mas sobretudo na aparente incapacidade do presidente de dar um rumo – imprimir uma marca, como dizem os marqueteiros – à sua incipiente administração.

O governo dá ares de envelhecimento acelerado quando parece mais preocupado em criar fatos que lhe garantam vantagens eleitorais, como se estivéssemos às portas da eleição presidencial de 2026, e não em tomar as decisões duras e impopulares que qualquer governo responsável toma quando ainda está embalado pela legitimidade das urnas – ainda mais diante da perspectiva de enfrentar um Congresso crescentemente hostil, em que a base governista aparenta ser frágil e pouco confiável.

Alguns otimistas dirão que Lula da Silva, por mais perdido que esteja, ainda faz um governo melhor do que o de Jair Bolsonaro. Mas aí não há vantagem nenhuma: é virtualmente impossível ser pior do que Bolsonaro, responsável pela putrefação moral da política, pela desmoralização da República e pela ruína de áreas cruciais para o País, como saúde e educação.

Mas era possível ser efetivamente melhor, se a disposição de construir fosse tão grande quanto a de desmontar o que foi feito no passado recente. Os petistas, a começar por Lula da Silva, parecem convictos de que tudo o que foi realizado depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff deve ser desfeito por ser fruto de um tal “golpe”.

Nem se discute que era necessário, por exemplo, reverter as medidas bolsonaristas que levaram ao armamento desenfreado da população. Tampouco pode ser ignorado o esforço de resgatar os povos indígenas da Amazônia, em especial o povo Yanomami, submetidos ao abandono, à fome e à morte pela leniência do governo anterior no combate aos crimes na região. Ademais, o novo governo melhorou a imagem do País no exterior, resgatando o Brasil da condição de pária em que Bolsonaro o colocou e recobrando seu tradicional papel de interlocutor relevante em uma miríade de questões globais, em especial na seara ambiental e no comércio internacional.

Mas os retrocessos são igualmente notáveis, frutos sobretudo do empenho dos petistas de fazer terra arrasada dos avanços obtidos na gestão de Michel Temer, chamado de “golpista” por Lula. Movido por esse espírito de vingança, Lula avalizou o desmonte do Marco do Saneamento, para favorecer estatais falidas e incompetentes em detrimento do bem-estar dos pobres; avançou sobre a Lei das Estatais, criada justamente para estancar a corrupção das estatais, grande marca dos governos petistas; mandou parar a reforma do ensino médio, para satisfazer sindicatos em prejuízo dos estudantes, aflitos com um futuro incerto; ameaçou rever a reforma trabalhista, um formidável avanço em relação à legislação caduca da era varguista; fustigou a Petrobras a abandonar as políticas e práticas administrativas adotadas justamente para salvar a companhia depois da destruição promovida pelos petistas; e detonou o teto de gastos, criado no governo Temer para conter a sangria das contas públicas após a passagem irresponsável de Dilma pelo poder.

Menos mal que, entre uma pirraça e outra, o governo Lula foi capaz de elaborar uma proposta de regime fiscal que, malgrado seus problemas, ao menos sinaliza alguma intenção de manter a solvência das contas públicas. Mas, bem ao estilo petista, a maior oposição ao projeto do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não parte da oposição, e sim do próprio PT, incapaz de aceitar que dinheiro público não brota da terra nem dá em árvore. Quando um Lindbergh Faria (PT-RJ) diz que o novo regime fiscal é nada menos que um “pacto com o diabo”, algo que nem o mais empedernido dos bolsonaristas ousou fazer, este jornal tem razões de sobra para suspeitar que o ministro da Fazenda talvez não tenha forças para lutar contra “opositores” cujo grande poder decorre justamente da pequena distância que os separa dos ouvidos de Lula.

O retorno do carro popular

O Estado de S. Paulo.

Com veículos caros, estoques elevados e vendas estagnadas, parece evidente que o setor automotivo tem um problema, o que não necessariamente quer dizer que caiba ao governo resolvê-lo

A indústria automobilística tem procurado o governo para sugerir propostas que auxiliem no resgate do vigor que o setor já teve no passado. Uma das possibilidades mencionadas é estimular a renovação da frota, indenizando proprietários de automóveis antigos e poluentes para retirálos de circulação. Outra ideia é retomar a produção de veículos menores, mais simples e menos equipados, conhecidos como “carros populares”. A ideia é inserir essas medidas no contexto dos planos que visam à reindustrialização do País.

Ao longo do século 20, as montadoras foram fundamentais na conversão de uma economia eminentemente rural para a de um país industrializado. A primeira fábrica foi inaugurada em 1919, mas foi na década de 1950 que a consolidação da indústria automotiva tornou-se parte de um plano de governo. Além dos empregos que geraram, as fábricas trouxeram consigo fornecedores de autopeças e uma rede de fornecedores de serviços. De forma indireta, as montadoras estimularam a construção de rodovias e a atividade das empreiteiras. Para ficar em um único exemplo, elas mudaram a realidade do ABC Paulista, berço político do presidente Lula da Silva.

Na década de 1990, outras fabricantes aproveitaram a abertura do mercado para também se instalarem no País. Como suas antecessoras, elas souberam fazer bom uso de seus atributos. A despeito da baixa produtividade, foi assim que a indústria automobilística brasileira se manteve por anos: valendo-se de apoio estatal, proteção contra a concorrência externa e ferrenha guerra fiscal entre os Estados.

A tentativa mais recente de manter essa pujança foi o Rota 2030. O programa trouxe algumas evoluções no que diz respeito à legislação de emissões, reduzindo a tributação de motores mais econômicos e menos poluentes para estimular carros elétricos e híbridos. O programa ampliou também os critérios mínimos de segurança veicular e o rol de itens obrigatórios a serem incorporados.

Como era de esperar, essa legislação provocou profundas mudanças na dinâmica do setor. O conjunto de novas exigências inviabilizou a produção de carros populares e elevou o preço mínimo dos veículos de entrada a quase R$ 70 mil, excluindo os consumidores de menor poder aquisitivo desse mercado. É muito improvável que essa tenha sido a intenção do governo e do Congresso ao propor e aprovar o Rota 2030. Isso não invalida o programa, mas certamente reforça a importância de elaborar políticas públicas com muito cuidado, avaliar seus resultados de forma periódica e, inclusive, propor revisões.

Nas últimas semanas, diversas montadoras anunciaram férias coletivas para reduzir estoques superiores a 40 dias. Mas o fato é que essa situação não é pontual. Desconsiderando os efeitos da pandemia de covid-19, as vendas de veículos novos estão praticamente estagnadas desde 2020, em torno de 2 milhões de unidades por ano.

Ao defender a volta do carro popular, o presidente da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), José Maurício Andreta Júnior, disse que o mercado precisa de escala para girar e gerar rentabilidade, o que é impossível em um mercado dominado por carros mais caros. Assim, conhecendo o histórico das administrações petistas, a indústria rapidamente começou a se mobilizar junto ao governo para encontrar formas de baratear os automóveis e propor ações para reduzir os impostos, os itens de segurança essenciais e o custo de crédito.

Independentemente do resultado dessas reuniões, não se pode perder de vista que são medidas defendidas pela própria cadeia da indústria automobilística e que nada têm a ver com uma agenda ambiental ou com a reindustrialização do País. Parece evidente que o setor tem um problema, o que não necessariamente quer dizer que caiba ao Estado resolvê-lo. Em vez de mais uma vez privilegiar segmentos viciados em subsídios e apoiar tecnologias ultrapassadas a um custo elevadíssimo para o contribuinte, criar uma política industrial consistente e indiscriminada, com vistas a promover um crescimento sustentável e uma economia verde, deveria ser o verdadeiro foco do governo.

Decisão sensata em SP

O Estado de S. Paulo.

Conselho Estadual de Educação paulista acerta ao ignorar MEC na reforma do ensino médio

Fez bem o Conselho Estadual de Educação (CEE) de São Paulo em deixar claro que a implementação do Novo Ensino Médio nas escolas públicas e particulares paulistas manterá seu cronograma − independentemente da suspensão anunciada pelo Ministério da Educação (MEC). A rigor, nem poderia ser outra a decisão do CEE. A confusão criada pelo governo federal ao interromper temporariamente os passos necessários para a efetivação da reforma, prejudicando até mesmo a adaptação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para a edição do ano que vem, só serviu para gerar instabilidade e incertezas nas salas de aula do País. Por óbvio, algo que não interessa às escolas paulistas.

Vale notar que a atitude do CEE tem amparo legal e constitucional. Afinal, os Estados não apenas são responsáveis pela oferta do ensino médio, como têm autonomia para isso. Eis o que estabelece o princípio federativo, que confere plena liberdade a São Paulo para seguir adiante na implementação da reforma. O mesmo se aplica às demais unidades da Federação − e farão bem os sistemas de ensino que seguirem o exemplo paulista, tranquilizando estudantes, professores e diretores de escolas.

A despeito de ajustes que obviamente precisam ser feitos na reforma, ninguém ignora que o verdadeiro combustível da mobilização contra o Novo Ensino Médio − um movimento que arrebata sindicalistas, lideranças do movimento estudantil e parte da academia − talvez seja o fato de que a proposta foi elaborada pelo governo Michel Temer, considerado “golpista” pelo lulopetismo. Não é sensato falar em revogála, sobretudo quando o novo arranjo mal começou a ser implementado e não teve tempo sequer de mostrar a que veio. Repita-se: ajustes podem e devem ser feitos, como ocorre com qualquer política pública quando é confrontada com o teste da realidade. Mas não parece ser isso o que anima os grupos mais estridentes que ora pressionam o MEC e o Palácio do Planalto a desfigurar a reforma.

O desenho do Novo Ensino Médio foi lançado em 2016, por medida provisória convertida em lei pelo Congresso no ano seguinte. É essa a lei que hoje vigora no País, e é em decorrência dela que as escolas começaram a implementação da reforma, cujo cronograma vai até 2024. Causa enorme estranheza que o governo, a pretexto de agradar às bases eleitorais do lulopetismo, se sinta autorizado a interferir em um processo previsto em lei − valendo-se, para tanto, de portarias e prazos como quem come pelas beiradas. Há iniciativas que envolvem diretamente o MEC, caso da adaptação do Enem e das provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Adiamentos podem causar atrasos e prejudicar milhares de estudantes.

Acertadamente, o documento que o CEE divulgou na última quarta-feira faz referência aos problemas enfrentados pelo ensino médio brasileiro − a verdadeira razão que ensejou a formulação da proposta de reforma. O texto destaca que a reforma “abre a possibilidade de ofertar aos alunos um currículo dinâmico, sintonizado com anseios e projeto de vida”. É isso o que se espera das escolas, e esse deve ser compromisso do sistema de ensino paulista.

Cem dias de avanços sociais e sinais de regressão na economia

Valor Econômico

Governo pode arruinar seu legado social com má condução da economia

Nos primeiros 100 dias de seu terceiro governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva andou rápido para reerguer políticas sociais destruídas por seu antecessor, marcou passo nas relações com um Congresso onde a esquerda é minoria e acenou com a volta a um passado frustrante na economia. Eleito por pequena diferença de votos (1,6%), Lula obteve 38% de aprovação no início de gestão, sua pior marca no período. A dedicação a polêmicas improdutivas afastou parcela dos eleitores que o sufragaram esperando pacificação, e não a radicalização do governo anterior.

As dificuldades que o governo encontrou são muito maiores do que a “herança maldita” que Lula e o PT afirmaram ter recebido de Fernando Henrique. Bolsonaro destruiu as instituições que zelavam pelo ambiente, arrasou a Saúde, depois de 700 mil mortes na pandemia, promoveu retrocessos em série na Educação com a sucessão de ministros insuperáveis pela parvoíce e despreparo. Aboliu a cultura e deu livre trânsito ao garimpo para levar doenças, morte e fome a terras yanomamis. Mais: com 8 dias no governo, Lula assistiu a uma depredação inédita na Praça dos Três Poderes, promovida por bolsonaristas radicais.

A reconstrução é demorada e está sendo feita. A maior parte dos programas sociais e ambientais está em andamento, assim como o socorro emergencial aos indígenas. A política externa foi resgatada da estupidez em que se metera e o Brasil retomou seu papel de um dos líderes globais da luta contra o aquecimento global. Há atenção efetiva às minorias, relegadas à abjeção pelo governo anterior, e maior participação delas em ministérios. As distorções do Bolsa Família começam a ser corrigidas e estão sendo criadas portas de saída para o programa, com permissão de renda extra se cadastrados arrumarem emprego e oferta de qualificação profissional.

A volta da atenção social ao primeiro plano dos objetivos de governo foi recebida com aprovação e alívio pela maior parte dos brasileiros. A marca registrada dos governos petistas foi mantida. A preocupação latente nos cem dias é o que mais esperar de Lula no trato da economia e nas relações com o Congresso, que podem colocar seu governo nas cordas.

 

Na véspera dos 100 dias, Lula retirou 7 estatais do programa de privatização e 3 do de parcerias de investimento, sepultando, como prometera, a venda de ativos do Estado. Mudou para pior o marco do saneamento, em favor de estatais incompetentes que perpetuam o atraso na área. O Planalto e o PT continuam assediando o Banco Central, e Lula insinuou que as metas de inflação podem ser mudadas. Ele disse que sua obsessão agora é o crescimento, sugerindo que insistirá em usar os gastos do Estado para empurrar a economia para frente, enquanto que a inflação não deixa o BC reduzir os altos juros. O resultado da disputa costuma ser juros e inflação mais altos.

Há inquietação com os novos rumos do BNDES e sua promessa de flexibilizar a taxa de juros (TLP). O mote de “reindustrialização” é vago e pode sinalizar a volta dos subsídios a indústrias nacionais. O vice-presidente Geraldo Alckmin mencionou sobre esse tema a exploração do potássio na Amazônia e o Rota 2030 - um, uma aventura devastadora do ambiente, e outro, a continuidade de mais um programa de apoio às montadoras.

A Petrobras está no centro do ativismo estatal petista. Lula disse que vai abrasileirar os preços, diminuindo a rentabilidade da companhia enquanto se ampliarão investimentos, entre eles mais incentivos à indústria naval, depois de três que já fracassaram e deixaram o país a ver navios.

Os gastos públicos terão um novo regime fiscal, que lhes coloca restrições para aumentos sem controle, mas os mantém em rota de crescimento real. A meta de superávit, porém, se cumprida, pode ser um dique para a expansão sem fim da dívida pública.

Nada será feito sem apoio do Congresso, onde o governo tem base minoritária e os líderes das duas Casas foram empoderados por emendas, dispersão das legendas e delegação de obrigações do Executivo para o Legislativo por Bolsonaro. Disputa por poder do presidente da Câmara, Arthur Lira, fez com que pouca coisa de relevante fosse votada até agora. A formação de um novo bloco, com 142 parlamentares, juntando PSD, MDB, Republicanos, Podemos e PSC, pode colocar em xeque a força de Lira e trazer mais votos muito necessários para o Planalto.

O governo vai bem no social, pode arruinar esse legado com má condução da economia, e o Congresso pode contribuir tanto para a soma dos erros como para moderar eventuais aventuras petistas. O jogo está só no começo.

 

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