Valor Econômico
Melhores momentos foram antes da posse e
depois do 8 de janeiro
Esta terceira passagem de Lula pela
Presidência tem limites fluidos: por ter começado bem antes da posse e tomado
um rumo inesperado uma semana depois, fica difícil estabelecer quando deveria
ser comemorada esta data mítica de 100 dias. E, a depender do recorte temporal,
temos dois inícios de mandato completamente diferentes.
Embora tenha sido empossado em 1° de
janeiro, Lula começou a governar no dia seguinte à eleição. Seja porque
Bolsonaro resolveu sair de cena logo depois do anúncio do resultado das urnas,
seja porque em política vale o ditado “rei morto, rei posto”, o retorno do
líder petista mexeu com as estruturas do poder.
Assim, Lula se posicionou como presidente
de fato a partir de 31 de outubro de 2022 e, sob essa métrica, os 100 dias de
governo deveriam ser comemorados no dia 8 de fevereiro. E foi um início
excepcional.
Ainda no final de 2022, Lula conseguiu dois substantivos acenos de boa vontade vindos dos outros Poderes. No Congresso, aprovou a PEC da Transição, que garantiu um extra de R$ 165 bilhões para o atendimento de todas as suas promessas imediatas de campanha já no seu primeiro ano de governo: Bolsa Família de R$ 600, reajuste real do salário-mínimo, correção da tabela de isenção do Imposto de Renda, e retomada de programas como Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos e Farmácia Popular.
Lula também conseguiu no Supremo Tribunal
Federal a declaração de inconstitucionalidade do orçamento secreto, medida que
aumentaria seu poder de manobra frente ao Centrão no Legislativo. Tudo isso
antes de subir a rampa.
Por falar em rampa, sem Bolsonaro para lhe
passar a faixa, a equipe de Lula teve a brilhante ideia de realizar a
transmissão do poder pelas mãos de representantes do povo: uma criança negra,
um ancião indígena, uma catadora de lixo, um metalúrgico do ABC, um professor,
uma cozinheira, um deficiente físico e um artesão. Não havia melhor cartão de
visita para anunciar os novos rumos que se pretendia dar ao país.
Na montagem de seu ministério, Lula acertou
ao convidar figuras de peso como Geraldo Alckmin, Simone Tebet e Marina Silva,
representantes da frente ampla decisiva para a vitória. Também abriu espaço
para partidos da centro-direita, como MDB, PSD e União Brasil, no movimento
correto de ampliar a base de sustentação no Congresso.
Uma semana depois, porém, vieram os
atentados antidemocráticos de 8 de janeiro. A resposta ao quebra-quebra
promovido por radicais bolsonaristas nas sedes dos Três Poderes da República
foi forte e imediata: ao lado dos presidentes da Câmara, do Senado e do STF, e
acompanhado dos 27 governadores, Lula liderou o repúdio ao movimento golpista,
numa ação que envolveu também o enquadramento das Forças Armadas. Ao evitar o
caos, fez do limão uma limonada.
No plano externo, Lula priorizou a
estratégia de recuperar a imagem do Brasil - e a própria - diante da comunidade
internacional. Para isso, fez da agenda ambiental uma bandeira na COP-27, no
Egito, ainda como presidente eleito, e depois de assumir priorizou laços com os
principais parceiros comerciais: Argentina e Estados Unidos logo no princípio
e, na sequência, o convite para visitar a China.
Houve ainda a crise dos yanomamis,
deflagrada no fim de janeiro, que deixou bem clara a linha divisória de seu
jeito de governar em relação ao passado bolsonarista, em termos civilizatórios.
Esse primeiro ciclo de 100 dias encerrou-se
com a eleição para a presidência da Câmara e do Senado, em que mais uma vez
Lula tomou a decisão correta, ficando do lado vencedor ao apoiar Arthur Lira e
Rodrigo Pacheco. Se até aí é difícil identificar erros na sua estratégia,
quando começamos a avaliar a administração deste ponto em diante, as coisas
mudam de figura.
Para usar uma metáfora futebolística, se a
pré-temporada foi quase perfeita (os 100 dias pós-eleição), os resultados
depois que a bola começou a rolar (os 100 dias depois da posse) deixam muito a
desejar.
Estamos em meados de abril e até hoje não
houve uma votação relevante no Congresso Nacional. A culpa no início foi a
eleição para as Mesas Diretoras, depois se esperou semanas para a constituição
das comissões; finalmente tivemos uma crise sobre a tramitação das medidas
provisórias. Alguns dirão que se trata de problema interno do Congresso, mas
fica nítido que há dificuldades na articulação política do governo, assunto de
Alexandre Padilha.
Também foram diversos os episódios de
ministros sendo desautorizados depois de anunciarem medidas de suas áreas, o
que demonstra que a coordenação de políticas, sob o comando do ministro da Casa
Civil Rui Costa, precisa ser melhor azeitada.
Fernando Haddad, na Fazenda, tem se
esforçado para conquistar credibilidade para sua política econômica, mas
precisa driblar o fogo amigo disparado pela ala política do governo e do PT e o
discurso contraproducente do próprio Lula.
Embora a Equipe de Transição tenha passado
semanas concebendo um amplo diagnóstico das condições do país herdadas de
Bolsonaro e construindo propostas para o novo governo, o governo até agora não
anunciou nada além do que o relançamento de políticas antigas.
Há boas perspectivas vindo das áreas de
Meio Ambiente e da Saúde, mas de onde se esperava muito, como na Educação, a
confusão relativa ao novo ensino médio incomoda. Alterar o marco legal do
saneamento por decreto, sem discussão com o setor e a sociedade, também é mau
sinal.
Tebet e Alckmin, que surgiram como
esperança de um governo mais plural, ainda não disseram a que vieram.
Em pouco mais de três meses não é possível
entregar quase nada do que normalmente se utiliza como métrica para se aferir
um bom ou um mau governo. Indicadores como crescimento econômico, redução da
desigualdade, controle de inflação, diminuição dos índices de criminalidade ou
mesmo de desmatamento não se movem de modo significativo no curso espaço de 100
dias.
Mas depois de um início promissor, os
sinais do dia a dia do governo Lula, passado o 8 de janeiro e depois da posse
do Congresso, começam a preocupar.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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