segunda-feira, 10 de abril de 2023

Bruno Carazza* - Os dois ciclos de cem dias do Lula III

Valor Econômico

Melhores momentos foram antes da posse e depois do 8 de janeiro

Esta terceira passagem de Lula pela Presidência tem limites fluidos: por ter começado bem antes da posse e tomado um rumo inesperado uma semana depois, fica difícil estabelecer quando deveria ser comemorada esta data mítica de 100 dias. E, a depender do recorte temporal, temos dois inícios de mandato completamente diferentes.

Embora tenha sido empossado em 1° de janeiro, Lula começou a governar no dia seguinte à eleição. Seja porque Bolsonaro resolveu sair de cena logo depois do anúncio do resultado das urnas, seja porque em política vale o ditado “rei morto, rei posto”, o retorno do líder petista mexeu com as estruturas do poder.

Assim, Lula se posicionou como presidente de fato a partir de 31 de outubro de 2022 e, sob essa métrica, os 100 dias de governo deveriam ser comemorados no dia 8 de fevereiro. E foi um início excepcional.

Ainda no final de 2022, Lula conseguiu dois substantivos acenos de boa vontade vindos dos outros Poderes. No Congresso, aprovou a PEC da Transição, que garantiu um extra de R$ 165 bilhões para o atendimento de todas as suas promessas imediatas de campanha já no seu primeiro ano de governo: Bolsa Família de R$ 600, reajuste real do salário-mínimo, correção da tabela de isenção do Imposto de Renda, e retomada de programas como Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos e Farmácia Popular.

Lula também conseguiu no Supremo Tribunal Federal a declaração de inconstitucionalidade do orçamento secreto, medida que aumentaria seu poder de manobra frente ao Centrão no Legislativo. Tudo isso antes de subir a rampa.

Por falar em rampa, sem Bolsonaro para lhe passar a faixa, a equipe de Lula teve a brilhante ideia de realizar a transmissão do poder pelas mãos de representantes do povo: uma criança negra, um ancião indígena, uma catadora de lixo, um metalúrgico do ABC, um professor, uma cozinheira, um deficiente físico e um artesão. Não havia melhor cartão de visita para anunciar os novos rumos que se pretendia dar ao país.

Na montagem de seu ministério, Lula acertou ao convidar figuras de peso como Geraldo Alckmin, Simone Tebet e Marina Silva, representantes da frente ampla decisiva para a vitória. Também abriu espaço para partidos da centro-direita, como MDB, PSD e União Brasil, no movimento correto de ampliar a base de sustentação no Congresso.

Uma semana depois, porém, vieram os atentados antidemocráticos de 8 de janeiro. A resposta ao quebra-quebra promovido por radicais bolsonaristas nas sedes dos Três Poderes da República foi forte e imediata: ao lado dos presidentes da Câmara, do Senado e do STF, e acompanhado dos 27 governadores, Lula liderou o repúdio ao movimento golpista, numa ação que envolveu também o enquadramento das Forças Armadas. Ao evitar o caos, fez do limão uma limonada.

No plano externo, Lula priorizou a estratégia de recuperar a imagem do Brasil - e a própria - diante da comunidade internacional. Para isso, fez da agenda ambiental uma bandeira na COP-27, no Egito, ainda como presidente eleito, e depois de assumir priorizou laços com os principais parceiros comerciais: Argentina e Estados Unidos logo no princípio e, na sequência, o convite para visitar a China.

Houve ainda a crise dos yanomamis, deflagrada no fim de janeiro, que deixou bem clara a linha divisória de seu jeito de governar em relação ao passado bolsonarista, em termos civilizatórios.

Esse primeiro ciclo de 100 dias encerrou-se com a eleição para a presidência da Câmara e do Senado, em que mais uma vez Lula tomou a decisão correta, ficando do lado vencedor ao apoiar Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. Se até aí é difícil identificar erros na sua estratégia, quando começamos a avaliar a administração deste ponto em diante, as coisas mudam de figura.

Para usar uma metáfora futebolística, se a pré-temporada foi quase perfeita (os 100 dias pós-eleição), os resultados depois que a bola começou a rolar (os 100 dias depois da posse) deixam muito a desejar.

Estamos em meados de abril e até hoje não houve uma votação relevante no Congresso Nacional. A culpa no início foi a eleição para as Mesas Diretoras, depois se esperou semanas para a constituição das comissões; finalmente tivemos uma crise sobre a tramitação das medidas provisórias. Alguns dirão que se trata de problema interno do Congresso, mas fica nítido que há dificuldades na articulação política do governo, assunto de Alexandre Padilha.

Também foram diversos os episódios de ministros sendo desautorizados depois de anunciarem medidas de suas áreas, o que demonstra que a coordenação de políticas, sob o comando do ministro da Casa Civil Rui Costa, precisa ser melhor azeitada.

Fernando Haddad, na Fazenda, tem se esforçado para conquistar credibilidade para sua política econômica, mas precisa driblar o fogo amigo disparado pela ala política do governo e do PT e o discurso contraproducente do próprio Lula.

Embora a Equipe de Transição tenha passado semanas concebendo um amplo diagnóstico das condições do país herdadas de Bolsonaro e construindo propostas para o novo governo, o governo até agora não anunciou nada além do que o relançamento de políticas antigas.

Há boas perspectivas vindo das áreas de Meio Ambiente e da Saúde, mas de onde se esperava muito, como na Educação, a confusão relativa ao novo ensino médio incomoda. Alterar o marco legal do saneamento por decreto, sem discussão com o setor e a sociedade, também é mau sinal.

Tebet e Alckmin, que surgiram como esperança de um governo mais plural, ainda não disseram a que vieram.

Em pouco mais de três meses não é possível entregar quase nada do que normalmente se utiliza como métrica para se aferir um bom ou um mau governo. Indicadores como crescimento econômico, redução da desigualdade, controle de inflação, diminuição dos índices de criminalidade ou mesmo de desmatamento não se movem de modo significativo no curso espaço de 100 dias.

Mas depois de um início promissor, os sinais do dia a dia do governo Lula, passado o 8 de janeiro e depois da posse do Congresso, começam a preocupar.

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”. 

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