segunda-feira, 10 de abril de 2023

Miguel de Almeida - Lula abraça Bolsonaro

O Globo

A velha esquerda e a extrema direita se mostram embevecidas pelo sanguinário Vladimir Putin

Papagaios de pirata comentam à boca pequena que Lula da Silva gostaria de ganhar o Prêmio Nobel da Paz. Daí seus palpites mal dados sobre o conflito Irã-Estados Unidos, na sua primeira edição, e agora na invasão da Rússia à Ucrânia.

No momento em que escrevo, Celso Amorim, chanceler informal do governo, acaba de distribuir suas platitudes arcaicas, de embocadura analógica, olhos nos olhos de Putin. É uma coisa linda, tocante quase. Não condenou a Ucrânia por ser invadida pela Rússia apenas para não aguçar o clima que já rolava dentro do Kremlin.

Dias atrás, por certo guiado pelo experiente Amorim, Lula saiu em defesa da Nicarágua. Acho que até a Gleisi sabe que o ditador Ortega persegue e mata seus opositores. De lambuja, Lula ainda exaltou as liberdades na Venezuela.

Há por certo alguma disfunção entre mirar o Nobel da Paz e apoiar diferentes regimes autoritários. A Ucrânia de agora poderia lembrar a Guerra Civil espanhola, em 1936, quando Franco derrubou o governo eleito, mas foi combatido por legiões de voluntários da esquerda e da centro-esquerda. Até que Stálin colocou seus militantes para matar os simpatizantes trotskistas, dando vitória a Franco e a uma ditadura que se prolongou por décadas. A história toda está em “Homenagem à Catalunha”, de George Orwell, que presenciou a traição a partir das barricadas.

O ombro amigo de Amorim a Putin reencena a operação criminosa de Stálin. Até com vantagem numérica. O governo petista chegou a Moscou depois de um ano de conflito e milhares de ucranianos mortos — não apenas militares, mas também a população civil, com mulheres estupradas pelos soldados russos. Crime de guerra, como já alertou a ONU. Franco demorou alguns anos para entregar a Stálin semelhante performance. Desconheço se Amorim apreciou com Putin as fotos dos massacres. Até o momento em que escrevo, o chanceler informal não passou pela Ucrânia ou demonstrou solidariedade ao país invadido.

O raciocínio parece simples, mas com aquele primarismo binário da velha esquerda sul-americana: se os Estados Unidos apoiam, sou contra. Bolsonaro ao menos é mais transparente — mas não menos inofensivo — em seu atraso. Gosta de presentes árabes e fast-food da Flórida.

Amorim e Lula, veja só, amam Putin, também amado por Bolsonaro e Trump (os dois últimos bem enrolados com a polícia, mas isso não conta, afinal). Bolsonaro se recusou a criticar a invasão russa, assim como o agora enfeitiçado Amorim. São os pontos de convergência entre o bolsonarismo e o petismo.

Para a tranquilidade de Valdemar da Costa Neto, existem outras importantes afinidades. Os partidos de esquerda da base governista desejam que o Supremo suspenda os pagamentos das multas aplicadas às empresas pela Lava-Jato. As penalidades não ocorreram por excesso de produtividade ou inovação. Mas por pura e simples corrupção de agentes públicos. Com envolvimento de petistas e agregados do sempre onipresente e onisciente Centrão. Os primeiros em nome da causa; os demais em causa própria também.

Ocupado como sempre, Bolsonaro não fez semelhante pleito durante seu governo por estar preocupado em recuperar pérolas no aeroporto de Guarulhos. Mas se cansou de dar provas de estar com os petistas no mesmo lado do balcão.

Assim como Lula se mostrou um desastre para a esquerda — o antipetismo não é uma flor que nasce sem adubo —, Bolsonaro congelou a direita democrática. Ambos fizeram seus lados ideológicos voltar várias casinhas. Parte da população acredita estar o Brasil à beira do comunismo e outra parcela acredita que ser de direita seria algo como… dividir butim com Wal do Açaí. A prática bolsonarista de amor à coisa alheia — rachadinhas, dinheiro vivo — maculou o discurso da luta contra a corrupção (Moro também ganha prêmio na categoria).

A política externa da dupla Lula-Amorim não é uma prática da esquerda moderna. Reproduz o raciocínio bananeiro e sul-americano de baixo crescimento e produtividade negativa, com todos nós condenados ao atraso. Como o amor de Bolsonaro por Putin também não é da direita civilizada. Trata-se apenas de paixão freudiana pelo sequestrador.

A ex-chanceler alemã Angela Merkel, de centro-direita, jamais apoiou a invasão russa na Ucrânia. O atual primeiro-ministro, Olaf Scholz, de centro-esquerda, se opõe até com armamentos ao avanço de Putin. O governo francês, de centro-direita, também condena o ditador do Kremlin. A ditadura comunista chinesa o apoia.

No Brasil, a velha esquerda (bom dia, Amorim) e a extrema direita (Dudu Bananinha!) se mostram embevecidas pelo sanguinário Vladimir Putin.

 

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