Erros recorrentes assombram pacote verde de Lula
O Globo
Subsídios a transição energética e redução
de emissões trazem o risco de criar mais um setor pouco competitivo
Está anunciado para breve o lançamento,
pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de um “pacote verde”,
primeiro passo na política de “reindustrialização” brasileira dentro de uma
visão estratégica que tenta reduzir as emissões de carbono. Nos corredores do
governo, o projeto é comparado aos investimentos trilionários obtidos no
Congresso pelo presidente americano, Joe Biden,
para geração de emprego baseada em energia limpa.
No caso brasileiro, é evidente que a comparação não para de pé, já que mais de 80% da nossa matriz energética — baseada em hidrelétricas, parques eólicos ou painéis solares — já é limpa. As emissões de gases brasileiras são resultado sobretudo do desmatamento e, em menor grau, da criação de ruminantes (que emitem metano). Mesmo assim, não se pode descartar a priori nenhuma iniciativa voltada para descarbonizar a economia.
O pacote do governo, segundo reportagem do
jornal O Estado de S. Paulo, estará assentado sobre seis eixos, identificados
por nomes genéricos capazes de abranger projetos de toda sorte: 1) incentivos
econômicos; 2) adensamento tecnológico do setor produtivo; 3) bioeconomia; 4)
transição energética; 5) tratamento de resíduos; 6) mudança do clima e nova
infraestrutura. O maior temor despertado por esse tipo de plano mirabolante é a
repetição de erros cometidos noutros governos petistas, quando a ideia de usar
o Estado como agente “indutor” da economia resultou em fracasso retumbante.
Algumas medidas elencadas no pacote — como
a regulamentação do mercado de créditos de carbono — são mesmo urgentes e mais
que necessárias. Mas a concessão de incentivos e subsídios para que a indústria
nacional promova sua transição para uma economia de baixo carbono deve ser
encarada com cautela. O mesmo alerta vale para o estímulo à captura e estocagem
de carbono, à exportação do excedente do “hidrogênio verde”, como também para a
produção no país de painéis solares e eletrolisadores (para gerar hidrogênio a
partir da água). Todas essas indústrias precisam provar viabilidade econômica —
e depender de subsídios do governo, a História mostra, é a pior forma de fazer
isso. Basta ver o que acontece hoje com o incentivo aos painéis solares,
renovado apesar de não haver mais justificativa econômica.
O mundo está numa fase crucial da virada
tecnológica para evitar que o aquecimento global ao final do século ultrapasse
1,5 °C além do nível observado antes da Revolução Industrial. Mas não é porque
as mudanças climáticas exigem ação urgente que as boas normas e princípios de
gestão econômica estão revogados. Será trágico se o “pacote verde” ressuscitar
incentivos e subsídios sem preocupação com a capacidade de as empresas
beneficiárias serem globalmente competitivas.
Na primeira passagem do PT pelo
Planalto, alegou-se todo tipo de pretexto para subsidiar vários setores: de
máquinas e insumos químicos às plataformas de petróleo — sem esquecer a
indústria automobilística (que levou, por meio do programa Inovar-Auto, R$ 1,3
bilhão por ano entre 2012 e 2017, sem nenhum salto em produtividade). As
políticas dirigistas resultaram tão somente em desperdício de dinheiro público
e empresas pouco eficientes, incapazes de sobreviver sem a proteção das
barreiras tarifárias. O mínimo a esperar do novo “pacote verde” é que o PT
tenha aprendido a lição.
Decisão da Justiça francesa sobre queda do
voo 447 foi decepcionante
O Globo
Juízes absolveram Airbus e Air France ao
atribuir à fatalidade a tragédia de avião que caiu em 2009 no Atlântico
Foi frustrante a decisão
anunciada pela Justiça francesa no julgamento das
responsabilidades pela queda do voo 447 que ia do Rio a Paris em 1º de junho de
2009. Para os juízes, não houve culpados, tudo se deveu à fatalidade. É mais
que justificada a revolta entre os familiares dos 216 passageiros e 12
tripulantes, de 33 países, mortos na tragédia.
Quase todo acidente
aéreo é resultado de uma imbricada sucessão de falhas técnicas
e erros humanos. Ambos os fatores contribuíram para derrubar o avião no Oceano
Atlântico. Congelados, sensores de velocidade que informam os sistemas de bordo
da aeronave pararam de funcionar, e a tripulação, sem treinamento adequado, não
soube entender a sucessão de alarmes emitidos. Persistentemente, os pilotos
reagiram de modo incorreto e acabaram provocando o desastre.
Foi uma situação em que, de modo
claríssimo, se misturam as responsabilidades da Airbus, fabricante do A330, e
da Air France,
operadora da rota aérea. Para a Justiça francesa, porém, os fatos fartamente
documentados são irrelevantes. “Não há nexo seguro de causalidade entre as
imprudências/negligências e o acidente”, escreveu a juíza Sylvie Daunis ao
mandar arquivar o processo sem julgamento. Foi preciso recorrer à Corte de
Apelação para obter um veredito — que nada mudou.
O que não falta na história do acidente são
nexos de causalidade. Os sensores congelaram quando o avião entrou numa zona de
turbulência sobre o Atlântico, afetando as informações exibidas aos pilotos.
Sem saber ao certo posição, velocidade e altitude, a tripulação reagiu
acionando motores em potência máxima e elevando o bico do avião, que depois
estolou por falta de sustentação. O alarme de estol soou por 54 segundos, e os
pilotos insistiam em tentar fazer com que o avião subisse — até que ele caiu.
Depois do acidente, houve diversas mudanças
no treinamento dos pilotos para reagir corretamente ao alarme de estol — sinal
de que havia algo de errado na rotina anterior. Casos semelhantes de
congelamento já haviam sido notificados 17 vezes entre 2003 e 2008, e estava
prevista a troca dos sensores da aeronave assim que ela pousasse em Paris. O
problema era, portanto, de conhecimento da Airbus e das companhias aéreas.
A Associação dos Familiares do Voo 447 e associações congêneres da França e da Alemanha recorreram para que seja mantida contra a empresa e o fabricante do avião a acusação de homicídio culposo (sem intenção de matar). O principal sindicato de pilotos da França, SNPL, protestou. “Nove semanas de audiências destacaram as deficiências de informação e treinamento enfrentadas pelos pilotos, apesar de o fabricante ter identificado o perigo”, informou em comunicado. “Airbus e Air France não podem mais, depois dessa decisão, continuar negando as faltas cometidas e sua parte de responsabilidade na catástrofe.” Só empresas responsáveis podem garantir que a aviação comercial continue a ser um meio de transporte confiável e seguro.
É o que deve ser
Folha de S. Paulo
Busca da objetividade distingue jornalismo
de militância e fortalece democracia
A onda de direita populista, que teve em
Donald Trump seu expoente mundial e em Jair Bolsonaro (PL) o similar nacional,
fustigou os pontos basilares da democracia.
A soberania do voto popular, a
independência entre os Poderes, o respeito às minorias, o pacto iluminista, eis
alguns dos alvos preferenciais. Todos passaram por seu principal teste de
estresse em décadas —e sobreviveram, fortalecendo-se durante o processo.
Menos atenção se prestou a outra
instituição igualmente fundamental e sob ataque: o jornalismo profissional,
aquele que segue regras técnicas e padrões de conduta que, se aplicados, levam
ao mais próximo possível do que se convencionou chamar de objetividade.
Nesse caso os ataques vieram dos
extremistas, certamente, mas também de moderados e de parte dos próprios
jornalistas. Em tempos de exceção, argumentaram alguns, a imprensa deveria
tomar lado, abrindo mão da objetividade.
Não é o que pensa Martin Baron,
ex-editor-executivo do diário Washington Post, em artigo cuja tradução em
português foi publicada
por esta Folha. Se esperamos juízes e médicos objetivos,
devemos desejar o mesmo dos jornalistas, provoca o autor do texto.
Isso não quer dizer neutralidade, falsa
equivalência ou uma camisa de força, escreve ele, mas investigação dos fatos,
que são sempre complexos, disposição para ouvir e ânsia de aprender —o que se
harmoniza com os compromissos aqui firmados de jornalismo crítico, apartidário
e pluralista.
Baron ganhou fama ao conduzir a equipe de
jornalistas que revelou décadas de abuso sexual contra menores e acobertamento
da cúpula da Igreja Católica nos Estados Unidos; depois, sob o bilionário Jeff
Bezos, conduziu o Washington Post ao mundo digital e de volta à relevância. Ele
tem razão. Mil adjetivos não substituem uma informação exclusiva de qualidade.
É bastante provável que a revelação
pela Folha, entre o primeiro e segundo turnos, de que a equipe de Paulo
Guedes planejava mexer nas regras de reajuste de aposentadoria e salário mínimo
tenha abalado mais a candidatura de Bolsonaro que milhares de posts publicados
nas redes sociais naquele período.
Um exemplo entre tantos que foram e têm
sido veiculados por títulos como UOL, O Estado de S. Paulo, O Globo, G1 e Valor
Econômico. Ao abrir mão da busca pela objetividade, o jornalismo passa a ser
militância e perde a eficácia. Ao praticá-la, fortalece a democracia.
É o que este jornal defende e, com erros e
acertos, procura fazer diariamente.
Força primária
Folha de S. Paulo
Bem gerido, vigor do agro e do setor
extrativo pode favorecer PIB e arrecadação
Mesmo em meio à estagnação da economia e à
dificuldade para superar limites estreitos de crescimento, o país continua a se
destacar na produção e comércio de matérias-primas, o que proporciona
fundamental colchão de divisas e vigor em amplas regiões do país.
A base da expansão se dá no agronegócio,
que continua a ampliar a rentabilidade por área plantada e os saldos comerciais
com o exterior. No caso dos grãos, a safra 2022-23 terá aumento de 15% ante o
ano anterior —equivalente a 40 milhões de toneladas, segundo estimativas da
Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Com plantio e clima favoráveis, é o maior
salto quantitativo em anos, e num contexto de preços internacionais ainda
altos.
Em março, a balança comercial do
agronegócio registrou saldo positivo de US$ 8,56 bilhões, superando com folga o
déficit de US$ 2,83 bilhões registrado pelo restante da pauta em termos
agregados. Além da soja, contam para isso produtos como milho, celulose, sucos
e toda a cadeia de proteína animal.
Mais impressionante é o resultado de US$
142,66 bilhões acumulado nos 12 meses encerrados em janeiro deste ano, valor
29,6% maior que no período anterior, quando o restante da economia registrou
déficit externo de US$ 78,6 bilhões.
Acompanhando o dinamismo da agricultura e
da pecuária, deve crescer a importância da área extrativa, com foco na produção
de óleo e gás. Pesquisadores da Fundação Getulio Vargas estimam que a atividade
dos campos do pré-sal possa levar o país à marca de 6 milhões de barris diários
até 2030.
No ano passado, o saldo comercial do setor
foi positivo em US$ 20,5 bilhões. Cumpre que o governo federal não estrague tal
desemprenho com o retorno de práticas intervencionistas como controle de preços
e medidas nefastas como impostos de exportação.
Além da receita em moeda forte, o impacto
do campo extrativo no pagamento de impostos, royalties e contribuições também
será fundamental, inclusive para controlar o endividamento público.
O mesmo estudo da FGV aponta para receitas
de cerca 1,9% do Produto Interno Bruto entre 2023 e 2031, ante uma média de
0,68% do PIB no período 2001-2020.
No geral, trata-se de desempenho notável. Em vez de sancionar críticas ligeiras à primarização, deve-se reconhecer a contribuição desses setores. Salvaguardar um bom uso das receitas fiscais para políticas públicas que ampliem o crescimento potencial da economia é necessário para que o país não volte a desperdiçar oportunidades.
Qual Brasil voltou?
O Estado de S. Paulo
Lula diz e repete que ‘o Brasil voltou’. De
fato: voltou o Brasil do toma lá dá cá, das invasões de terra, do atraso
econômico e da megalomania internacional, marcas do lulopetismo
O presidente Lula da Silva tem bradado que,
com ele, “o Brasil voltou”. Pois bem. Imodéstia à parte, é o caso de perguntar:
afinal, de que Brasil se está falando? Que país é esse que estaria de volta?
É seguro afirmar que não é o Brasil pelo
qual ansiavam milhões de eleitores moderados que, mesmo conhecendo bem o
passado de malfeitos dos governos petistas, entenderam que a eventual reeleição
de Jair Bolsonaro, um dos mais desqualificados, indecorosos e patrimonialistas
presidentes em toda a história republicana, representava uma tragédia a ser
evitada a qualquer custo.
Esses brasileiros fundamentais para a
apertada vitória do petista em 2022 foram descartados por Lula cedo demais – e
sem o menor constrangimento, haja vista o discurso arrogante e as atitudes do
presidente. Não que as expectativas fossem altas. A rigor, são pessoas que não
esperavam muito mais do atual governo, além do resgate da decência no exercício
da Presidência da República e alguns sinais de moderação e responsabilidade na
condução do País.
Lula, porém, tem conduzido o Brasil por um
caminho perigoso. O governo tem tomado um rumo que, se não chega a configurar
estelionato eleitoral – pois só o mais lhano dos cidadãos haveria de acreditar
que Lula, de volta ao poder, faria algo muito diferente do que está fazendo –,
tampouco sinaliza que, se não os esqueceu, ao menos Lula teria aprendido alguma
coisa com os erros cometidos em um passado não muito distante.
Esse Brasil que Lula diz que “voltou”
parece ser um país que só existe na cabeça do presidente; um país forjado por
seus dogmas, sua recalcitrância, seu voluntarismo na implementação de políticas
públicas e quiçá por uma gama de sentimentos que possam ter moldado suas visões
de mundo após o período de 580 dias na cadeia.
O Brasil dos fatos, da realidade implacável
que está diante dos olhos de qualquer observador que não se deixa enviesar pela
vaidade ou pelo fervor ideológico, é o Brasil do retrocesso em mais áreas do
que Lula, alguns de seus ministros e apoiadores teriam coragem de admitir em
público.
Por óbvio, é indisputável a verdade de que
houve guinadas republicanas em áreas fundamentais para o País, como saúde,
educação e meio ambiente, três dos setores que foram obliterados pela sanha
destruidora de Bolsonaro. A derrota de Bolsonaro, por si só, já foi suficiente
para melhorar a qualidade do ar que os brasileiros respiram. Literalmente, pois
são perceptíveis os esforços da nova administração federal para reconstruir o
aparato de proteção ambiental que conferiu ao Brasil um soft power nessa seara
que, há décadas, alçou o País à condição de interlocutor indesviável em fóruns
internacionais sobre as mudanças climáticas.
No governo de Lula, vacinas, ora vejam,
também voltaram a ser tidas como indispensáveis para evitar mortes, e a cultura
deixou de estar sob ataque permanente para voltar a ser tratada como traço de
distinção e união de um povo, ou seja, um bem a ser preservado.
Mas, como já dissemos nesta página, não é
vantagem alguma Lula posar como um presidente melhor do que seu antecessor
porque é virtualmente impossível que haja um governo pior do que o de
Bolsonaro. De Lula, esperava-se muito mais do que isso, não só por suas
promessas, mas, sobretudo, pelo arco de apoios que o petista construiu – para
além da esquerda e centroesquerda – a fim de pôr fim à barbárie bolsonarista.
O que se viu até agora, no entanto, é
igualmente uma política de destruição de marcos republicanos, tais como a lei
das estatais, o marco legal do saneamento, a reforma do ensino médio, entre
outros. É o voluntarismo megalomaníaco e o improviso de Lula pautando as
relações internacionais do País. É o fisiologismo desbragado na relação entre
Executivo e Legislativo. É a tolerância à invasão de terras pelos companheiros
do MST.
O Brasil que tantos anseiam por ver de
volta é o país que, unido, soube superar a ditadura militar, consolidar a
democracia e derrotar a inflação e a instabilidade econômica. Com Lula, ao que
parece, esse Brasil não voltará tão cedo.
Burocracia como proteção da democracia
O Estado de S. Paulo
Estudo revela as táticas de opressão do
governo Bolsonaro sobre a burocracia estatal, que ofereceu importante e eficaz
resistência. O poder deve estar sempre sujeito aos limites da lei
Movimentos políticos de vocação
autoritária, com suas ameaças e a difusão de desinformação, não tensionam
apenas as relações com o Judiciário, o Legislativo e a própria sociedade. No
exercício do poder não republicano, ocorre um tensionamento com a própria
administração pública. O fenômeno foi visto, por exemplo, nos Estados Unidos no
governo de Donald Trump. Várias tentativas de Trump para desvirtuar o
funcionamento do aparato estatal não foram adiante porque, em vários momentos,
funcionários públicos não se dispuseram a atuar fora dos limites da lei.
O artigo A resposta da burocracia ao
contexto de retrocesso democrático, publicado recentemente na Revista
Brasileira de Ciência Política, analisa o caso do Brasil sob o governo de Jair
Bolsonaro. De autoria da professora Gabriela Lotta (FGV-SP) e de mais cinco
pesquisadores, o estudo baseia-se em 165 entrevistas feitas com funcionários
públicos de médio escalão, entre dezembro de 2020 e julho de 2021, em 15 órgãos
diferentes das áreas social, econômica, ambiental e de planejamento do governo
federal. Os autores descrevem a ocorrência de estratégias de opressão, por
parte do poder político, e de resistência, por parte da burocracia, com um
“processo de aprendizagem” mútua ao longo do tempo.
A respeito da “relação contenciosa” do
governo Bolsonaro com a burocracia pública, o estudo relata três modalidades de
enfrentamento. Houve tentativas de (i) ameaçar os princípios constitucionais,
(ii) reduzir a transparência e mecanismos de controle e (iii) enfraquecer a
legalidade das ações realizadas pelo poder público. Segundo o estudo, o
funcionalismo articulou-se, com ações individuais e coletivas, formais e
informais, para resistir a essas investidas, evitando, assim, um desvirtuamento
ainda maior da máquina pública. No entanto, essa resistência suscitou novas
táticas de opressão.
“Ao longo do tempo, o governo aprendeu a
operar os procedimentos, a usá-los e a mudar as formas de atacar a burocracia”,
diz o estudo. Em concreto, entenderam que “os instrumentos formais são mais
danosos e custosos para os burocratas”. Com o objetivo de perseguir, houve, por
exemplo, abertura de processo administrativo disciplinar contra funcionário sob
acusações infundadas, o que acarreta custos emocionais e financeiros. Ainda que
esteja dirigido a uma pessoa em concreto, esse tipo de opressão tem
"efeito multiplicador em termos de criação de um ambiente de medo
coletivo, no qual os demais servidores ficam receosos de serem os próximos”.
O artigo destaca que, “com o passar do
tempo, os custos de reação aumentaram para os burocratas, e alguns deles
perderam parte de sua capacidade de reagir, sendo silenciados, abandonando a
resistência ou mesmo a organização à qual pertenciam”. Isso ajuda a explicar a
maior capacidade de desmonte institucional do governo ao longo do tempo. A
resistência da burocracia é importante e eficaz, mas tem seus limites.
Uma forma de burlar a resistência da
burocracia utilizada pelo governo Bolsonaro foi a militarização da máquina
pública, com a substituição de cargos comissionados por membros das Forças
Armadas e da Polícia Militar. Uma concepção de obediência militar desalinhada
com os requisitos legais, indiferente aos aspectos técnicos e fundada
estritamente na submissão hierárquica pode ser imensamente destrutiva no poder
civil.
O estudo foca na dinâmica de opressão e
resistência entre políticos e burocratas, sem a pretensão de analisar suas
consequências sobre o Estado e a sociedade – o que é um vasto e necessário
campo de estudo. De toda forma, o artigo joga luzes sobre a importância de
fortalecer os mecanismos internos da administração pública, na proteção da
legalidade da ação estatal e dos direitos dos servidores.
A empreitada de resistência é tarefa
própria da República. O exercício do poder deve sempre estar submetido aos
limites e à finalidade da lei. Fundamental para o desenho e a implantação de
políticas públicas efetivas, a burocracia é também essencial na defesa do
Estado Democrático de Direito.
São Paulo travada
O prefeito só cumpriu 16% das metas. É
preciso otimismo para crer que fará o resto até o fim do mandato
O Estado de S. Paulo.
Acidade de São Paulo, como qualquer um pode
constatar, está malcuidada. Não é questão de ideologia nem de opinião. É um
fato. Em algumas regiões da capital paulista, como a central, chega-se a ponto
do abandono; se não oficial, ao menos percebido por quem lá vive, trabalha ou
apenas circula.
Calçadas estropiadas, ruas com asfaltamento
precário, buracos sinalizados com cones – quando muito – por dias a fio, falhas
de iluminação em vias públicas, ciclovias danificadas, fiscalização
insuficiente no trânsito e ocupação irregular do espaço urbano são algumas das
chagas a céu aberto em vários pontos da mais rica cidade do País.
É triste constatar que esse desmazelo não
decorre da incapacidade econômica da metrópole para lidar com seus desafios.
Não é por falta de dinheiro que todos os problemas apontados seguem sem solução
duradoura. A Prefeitura de São Paulo tem cerca de R$ 35 bilhões em caixa para
cumprir suas metas de qualidade fixadas para o quadriênio 2021-2024 em
mobilidade urbana, infraestrutura e zeladoria. O que explica, então, a
recorrência dos percalços pelos quais os paulistanos passam todos os dias ao
saírem de casa e ganharem as ruas da cidade?
No dia 18 passado, a Prefeitura divulgou o
balanço anual do Programa de Metas. Apenas 13 dos 77 objetivos estipulados pelo
governo foram cumpridos até agora. É de justiça reconhecer que é bastante
razoável haver algum descompasso entre a evolução dos projetos e o decorrer do
mandato, mas não nessa proporção.
Ricardo Nunes assumiu a Prefeitura no
início de maio de 2021. Logo, em dois anos, o prefeito concluiu somente 16% dos
objetivos determinados para o quadriênio que se encerra no fim do ano que vem.
E alguns desses objetivos são bastante tímidos, como a promessa de manutenção
de 1,5 milhão de metros quadrados dos cerca de 65 milhões de metros quadrados
de calçadas que há na cidade de São Paulo.
Diante desse quadro, como os munícipes
podem ter confiança de que ao longo dos 20 meses que ainda lhe restam à frente
da Prefeitura, Nunes conseguirá cumprir os 84% restantes de seu Programa de
Metas e entregar uma cidade melhor do que a que recebeu para um eventual
sucessor?
Ao Estadão, a Prefeitura justificou o
atraso na consecução da maioria das metas que já deveriam ter sido atingidas
por dificuldades relativas “ao processo de mapeamento, planejamento e
licitação” dos projetos, além de alguns “entraves identificados ao longo das
intervenções públicas”. Ora, saber lidar bem com essas intercorrências é
justamente o que caracteriza uma boa administração.
Também não se pode descartar nessa demora
uma estratégia da Prefeitura em represar o andamento de alguns projetos para
acelerá-lo nos dois últimos anos de governo. O objetivo seria manter a imagem
do prefeito mais viva na memória da população às vésperas da eleição municipal.
“Historicamente, isso é muito recorrente”, disse ao Estadão o coordenador do
Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper, André Marques.
Espera-se que não seja o caso. Uma cidade
como São Paulo, cujas demandas são diárias e permanentes, não pode depender do
calendário eleitoral.
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