Folha de S. Paulo
Mudanças no Estado são travadas ou levam um
quarto de século para serem resolvidas
Entre 2016 a 2022, a conversa dominante de
quem tinha o poder de direito era a limitação do gasto do governo. Em tese, era
o objetivo principal da política econômica. De 2023 em diante, o assunto
central deve ser o aumento de impostos.
A economia e o país dependem de muitas
outras mudanças, decerto. Mas o pilar do projeto de estabilização de Lula 3 é um
aumento de arrecadação em ritmo muito maior do que o do crescimento da
economia. A base desse projeto é o "novo
arcabouço fiscal".
A fim de que o plano de estabilização funcione, é preciso ainda que o crescimento da economia seja, no mínimo, maior do que o da média dos últimos 30 anos e quase o dobro do que se viu nos anos menos anormais depois da Grande Recessão.
Essa conversa parece banal até que se pense
em como tem se desenrolado aquilo que, para resumir, se chama de "conflito
distributivo" (na verdade, redistributivo, pois na maior parte relativo à
disputa a respeito de impostos e pagamentos via Estado).
A reforma da Previdência foi aprovada quase
um quarto de século depois de proposta. Vingou em uma situação de colapso da
oposição e da esquerda. A reforma tributária, quase tão idosa, é mera
possibilidade.
O controle de gastos foi feito de modo
insustentável por um governo que imaginava não ter muito a perder. Isto é, a
meta final do bolsonarismo era o golpe e seu modus operandi era a
desconsideração geral de direitos e de acordos reformistas democráticos. O
salário de servidores foi apenas congelado, assim como o reajuste real do
salário mínimo. Despesas essenciais foram apenas cortadas como se não houvesse
amanhã.
A despesa pública é uma desordem exagerada
e ineficiente, assim como a distribuição da carga tributária é motivo de
ineficiência econômica e privilégio. Mas o que os governos "liberais"
(2016-2022) fizeram, em especial o das trevas, foi sufocar parte dos envolvidos
no conflito redistributivo e congelar despesas de modo insustentável. Não houve
remanejamento e revisão de gasto, menos ainda acordo social.
As reformas de mercado eram
"acessórios" tratados com maior ou menor atenção, a depender dos
interesses dos amigos do poder. A mudança no trabalho e na Previdência passaram;
em impostos e proteções contra a concorrência emperraram.
Essa é uma descrição sumária de como são
difíceis a reforma do Estado, a estabilização econômica e mudanças necessárias
para a criação de uma economia funcional de mercado. Nem se mencione que
estamos longe da criação de um sistema amplo e eficaz de proteção social.
Esses problemas não vão desaparecer. Apenas
serão virados de avesso por Lula 3: em vez de contenção de gasto, um grande
aumento de imposto, em parte de fato necessário desde 2015.
Não se trata de um problema de técnica de
tributação. É um conflito social profundo. Para dificultar a tarefa, Lula 3
ainda não tem um plano de aceleração de crescimento que vá além das receitas
anacrônicas e tristemente ignorantes de uma esquerda atolada na idealização de
um passado de fracassos estruturais ou que provocou grande iniquidade
(variantes de desenvolvimentismo pós-1950).
O combate mais ferrenho vai acontecer em
2023 e 2024. É o prazo para Lula atingir algumas de suas metas de política
macroeconômica (no caso, dívida e déficits). Em 2025, o jogo estará jogado,
para o bem ou para o mal.
Dificilmente o resultado será brilhante,
pois o mundo vai mal e o plano fiscal de Lula não permite antecipar o controle
da dívida —a prova desse pudim será comê-lo. Logo, será difícil haver
antecipação de queda grande de taxas de juros e algum crescimento adicional por
esse motivo.
Um conflito social profundo não vai ser
resolvido com truques tributários. Lula precisa de uma conversa muito mais
ampla
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