O Estado de S. Paulo
Com muito falatório e pouco governo, Lula
se afunda em bobagens, iguala agressor e agredido e assusta os parceiros
ocidentais
O mundo, mundo, vasto mundo de Carlos
Drummond de Andrade é certamente maior que o universo petista, insuficiente até
para eleger o candidato Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. Aparentemente
esquecido da ampla diversidade política de seus eleitores, o presidente Lula
insiste em agir como se o Brasil e o sistema internacional fossem extensões de
Vila Euclides, berço sindical de sua carreira pública. Rebaixado à condição de
pária pelo presidente Jair Bolsonaro, o País começou, com a mudança de governo,
a retomar sua posição no sistema regional e na ordem global. Esse retorno seria
mais fácil e mais seguro se o principal porta-voz brasileiro parasse de falar
bobagens, levasse em conta o Direito Internacional, deixasse de afrontar sem
razão Estados Unidos e Europa e considerasse mais seriamente os interesses
nacionais.
O presidente brasileiro poderia, talvez, pensar no exemplo de seus gentis anfitriões na China, maior parceira comercial do Brasil. Sem descuidar de seus interesses, os chineses continuaram, nos últimos três anos, tomando espaço dos exportadores brasileiros nos maiores mercados sulamericanos. Em 2022, ocuparam o primeiro lugar nas vendas à Argentina.
O presidente Lula conseguiu impedir, por
enquanto, acordos comerciais entre a China e outros países do Mercosul. Mas só
impedirá a desorganização do bloco se coordenar uma negociação conjunta com os
chineses. Isso dependerá muito mais de ação diplomática e de bons argumentos
práticos do que de retórica. Paraguaios e uruguaios têm respeitáveis motivos,
há muito tempo, para abandonar a fidelidade a um bloco estagnado e distante dos
objetivos originais de cooperação produtiva e de inserção global.
Mas o presidente Lula tem mostrado mais
inclinação para a retórica, para as picuinhas e para o falatório de palanque do
que para a administração e para as políticas mais ambiciosas. Demorou cerca de
três meses e meio para apresentar suas metas fiscais e formalizar o
compromisso, ainda discutível, com o equilíbrio das contas públicas. Esse
objetivo dependerá, como já indicaram analistas, de maior arrecadação, embora o
ministro da Fazenda negue a intenção de impor maior peso aos contribuintes.
Além disso, nenhum plano ou roteiro de governo foi apresentado até agora. Mas o
presidente encontrou tempo para tolices administrativas, como a transferência
da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), importante instrumento da política
agrícola, para o insignificante Ministério do Desenvolvimento Agrário – uma
decisão tecnicamente injustificada e obviamente ideológica.
Na política externa, as manifestações mais
ostensivas têm sido grotescas ou desastrosas. A viagem à China foi encerrada
com uma declaração infantil sobre a predominância do dólar em negócios
internacionais. Sem se envolver no episódio ridículo, o presidente Xi Jinping
até pode ter gostado da canelada nos Estados Unidos, mas certamente conservará
o enorme volume de reservas cambiais em moeda americana, cerca de US$ 3,1
trilhões.
Se a segunda maior economia do mundo
conserva esse dinheiro, deve haver uma razão ponderável, assim como deve haver
uma boa razão para o uso do euro no dia a dia da União Europeia. Ninguém está
proibido de negociar com outras moedas, especialmente em blocos econômicos, mas
quem quer acumular reservas em reais, liras turcas ou pesos argentinos? Lula
terá, em algum momento, considerado essas questões?
Nem todas as falas de Lula têm sido, no
entanto, inconsequentes e engraçadas. Ao tratar como equivalentes um Estado
agressor, a Rússia, e um Estado agredido, a Ucrânia, o presidente brasileiro
atropelou uma das noções mais importantes do Direito Internacional, enunciada
no artigo 51 da Carta das Nações Unidas e amadurecida em séculos de negociações
e de elaborações teóricas.
Pelas normas internacionais, a violência só
é admissível como resposta a um ataque. Também é inaceitável a chamada agressão
preventiva – quando se fala, por exemplo, no perigo potencial gerado pela
expansão da Otan ou quando se denuncia, com ou sem razão, a existência de armas
de destruição em massa num país qualquer. O ataque à Ucrânia é tão contrário à
regra internacional quanto foi a invasão do Iraque no começo deste século.
Pode-se até desculpar, em Lula, a
ignorância da lei internacional, mas, neste caso, ele ignorou também uma norma
simples do Código Penal e, é claro, uma regra básica da ética e da civilidade.
Ao cometer esse erro, alinhou o Brasil à política criminosa de um autocrata.
Diante da reação internacional, e certamente aconselhado por auxiliares mais
informados e mais sensatos, o presidente mudou suas palavras e condenou, na
terça-feira, a violação territorial da Ucrânia. Mas a tentativa de correção
soou fraca e foi insuficiente para anular o enorme equívoco das declarações
anteriores. Com tantos desastres, Lula talvez entenda, finalmente, a
conveniência de falar menos, de consultar mais os assessores mais prudentes e
de – afinal – dar mais atenção ao trabalho e começar, de fato, a governar o
País.
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