O Globo
Os acertos do governo Lula na reação aos
ataques contra a democracia evitaram o pior. Mas seus erros o colocaram na
defensiva
O Brasil, a democracia, e o governo Lula
foram vítimas no episódio de 8 de janeiro. Essa é a única verdade factual,
histórica mas, por incrível que pareça, o governo está se deixando ficar na
defensiva, pela série de erros estratégicos que cometeu. Não deveria ter
colocado as imagens em sigilo, deveria ter analisado todas essas cenas com
rapidez, para entender o comportamento de cada um dos servidores e não ser
surpreendido, como foi na semana passada. Deveria ter feito uma imediata e
completa mudança no Gabinete de Segurança Institucional, um dos centros mais
ativos da conspiração antidemocrática. Por isso, faz bem o
ministro Alexandre de Moraes de determinar o fim do inexplicável sigilo das
imagens.
O que houve no dia 8 de janeiro foi uma tentativa de golpe de estado. Isso é inequívoco. Ninguém deveria ter que escrever isso novamente como faço agora. Imagina o que teria acontecido se o presidente Lula não tivesse voltado imediatamente para Brasília, se não tivesse mobilizado todos os poderes e a federação em torno da defesa da democracia? Imagina se os golpistas tivessem conseguido provocar um efeito contágio em outras capitais? Tudo ficou extremamente frágil naquelas horas tensas do 8 de janeiro.
Um governo, ao fim da sua primeira semana,
ainda comemorando os ecos da festa da posse, foi atacado por vândalos que
haviam sido açulados pelo ex-presidente durante quatro anos e cevados na frente
de quartéis do Exército. Criminosos atacaram todos os símbolos do poder da
República, com sanha demolidora. Imagina se Lula tivesse aceitado a proposta de
assinar um decreto de Garantia da Lei e da Ordem? Passaria a ser uma sombra em
seu próprio governo, tutelado pelos militares.
Não foi trivial o que aconteceu. É
inacreditável que o partido que abriga o ex-presidente se atreva a querer
inverter o ônus da prova e sustentar a versão delirante de que a culpa é da
vítima e de que é o governo Lula que tem que se explicar. Bolsonaro conspirou à
luz do dia. Todos viram. Atacou o Judiciário, mentiu sobre o processo
eleitoral, incutiu versões mirabolantes na cabeça de seus seguidores. Ele, o
ex-presidente, estimulou golpistas a atacar o Judiciário, convocou
manifestações, em que eram feitos pedidos de “intervenção militar com
Bolsonaro” e de “volta do AI-5”. Aos comandos militares ordenou a comemoração
do 31 de março, escolheu militares leais a ele e não à Constituição. O GSI era
gerido pelo general Augusto Heleno que chegou a lamentar em rede social o fato
de Lula estar bem de saúde.
Foi a soma dos acertos do governo Lula que
evitou o pior. Mas os erros cometidos desde então o colocaram na kafkiana
situação em que está agora. O que as imagens divulgadas pela CNN mostraram é o
general Gonçalves Dias completamente inerte diante de pessoas que estavam
cometendo crime dentro do Palácio presidencial. Ele e outros integrantes do GSI
poderiam ter dado ordem de prisão àquelas pessoas, em vez de água, ou
orientações sobre a rota de saída. Na interpretação mais generosa, esses
militares do GSI foram incompetentes.
Os bolsonaristas nada têm a perder. Tudo o
que podiam fazer diante daqueles eventos tóxicos e comprometedores é tentar
reduzir o dano. De uma forma ou de outra eles foram coniventes com os crimes.
Por este motivo, os parlamentares da extrema direita usaram a velhíssima tese
de que a melhor defesa é o ataque. O problema não é o que eles fazem para
tentar escapar, mas o que o governo Lula não fez.
O que se dizia internamente é que uma CPI
sempre atrapalha a tramitação de matérias importantes e que o assunto já estava
sendo investigado pela Polícia Federal e pelo Judiciário. O fato de o governo
ter sido surpreendido pelas imagens do general Gonçalves Dias perambulando
entre manifestantes mostra que a investigação tinha falhas, e o material
disponível não estava sendo avaliado com olhares atentos e críticos.
O governo precisa reagir, mostrar
competência política para fazer a verdade prevalecer na CPI e, ao mesmo tempo,
negociar a tramitação das matérias importantes para o projeto da administração
como, por exemplo, o arcabouço fiscal. A luta do 8 de janeiro não terminou. Os
que cometeram crimes, ou se acumpliciaram com os criminosos, querem mudar a
História. Se a mentira prevalecer sobre o que foi aquele momento, não é o
governo que ficará mal, é a democracia que correrá riscos mais uma vez.
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