segunda-feira, 18 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Apenas a regulação robusta disciplinará plataformas digitais

O Globo

Falta às redes sociais transparência no fornecimento de dados e na exibição de publicidade, conclui estudo

À medida que cresce a dependência de grandes plataformas digitais, também aumenta a urgência de maior transparência em seus serviços. Isso é particularmente verdade no Brasil, de acordo com estudo recente do NetLab, laboratório vinculado à Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O estudo avaliou as plataformas por meio de dois índices. O primeiro mediu a transparência no fornecimento de dados, o segundo na exibição de publicidade. Submetidas à avaliação, as principais plataformas apresentaram resultados sofríveis. Nenhuma alcançou o nível ideal. No Índice de Transparência de Dados, o YouTube obteve melhor pontuação (63,2 pontos na escala de 0 a 100), patamar apenas satisfatório. Facebook (53,6) e Instagram (52,1) apresentaram desempenho regular. O WhatsApp recebeu uma pontuação mínima de 1,5 ponto, revelando grave falta de transparência. No Índice de Transparência de Publicidade, a Meta — dona de Instagram, Facebook e WhatsApp — obteve melhor pontuação (49,8), mesmo assim nível apenas regular. Em seguida, Telegram (22,8), Linkedin (18,3) e Google (8,2) apresentaram nível precário.

Uma das preocupações mais significativas destacadas no estudo são as dificuldades para acesso a informações. Os pesquisadores do NetLab criticam as restrições cada vez maiores nas Interfaces de Programação de Aplicativos (APIs) das plataformas, ferramentas essenciais para coleta de dados. Mencionam especificamente o término abrupto da ferramenta CrowdTangle, da Meta, que antes permitia acessar informações de Facebook e Instagram. A restrição, além de impedir a pesquisa independente, permite às plataformas liberar seletivamente dados incompletos ou inconsistentes. Os pesquisadores defendem critérios semelhantes aos exigidos pela lei europeia.

O estudo critica, ainda, a falta de transparência em torno das práticas de moderação de conteúdo. Faltam, segundo os pesquisadores, detalhes nas informações fornecidas nos relatórios de transparência das plataformas. Ainda que divulguem o número de postagens removidas por violar as regras, geralmente não fornecem informações sobre os tipos específicos de violação ou sobre os critérios usados para tomar as decisões de remoção.

Os pesquisadores fazem várias recomendações: adoção de APIs robustas e interfaces fáceis de usar para acesso a dados; relatórios de transparência aprimorados para incluir mais detalhes sobre as práticas de moderação de conteúdo; inclusão de ações tomadas em resposta a solicitações governamentais ou ordens judiciais.

A falta de dados limita a capacidade de entender questões críticas como disseminação de desinformação ou discriminação pelos algoritmos. A esta altura, já ficou claro que as plataformas não têm vontade de implantar mecanismos de regulação satisfatórios. Seu desdém pelas consequências do que publicam ficou mais uma vez demonstrado pelo atentado em Brasília na semana passada — cujo autor se alimentava de desinformação nas redes sociais e as usou para anunciar planos e fazer ameaças. Para salvaguardar os valores democráticos e garantir um futuro digital justo, as plataformas devem ser mais transparentes e responsáveis. É exatamente o que exige o Projeto de Lei das Redes Sociais, infelizmente parado na Câmara. Passou da hora de os parlamentares retomarem essa discussão.

Reforma tributária deveria ser aproveitada para atacar isenções

O Globo

Estudo estima ‘gastos tributários’ em 7,2% do PIB e traça caminhos para um sistema de impostos mais justo

O sistema tributário brasileiro é repleto de meandros e exceções. A proliferação de gastos tributários — termo técnico que identifica isenções ou cortes de impostos a setores ou grupos de interesse específicos — representa dreno significativo de recursos públicos. A conta foi apresentada com precisão em estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV): nada menos que 7,2% do PIB foram despendidos no ano passado em benefícios como Simples Nacional, Zona Franca de Manaus, isenções de imposto de renda, subsídios a setores automobilístico, farmacêutico e dezenas de outras rubricas. A previsão é que, neste ano, o total fique em 6,9%.

A novidade do estudo é que, pela primeira vez, a estimativa também inclui os gastos tributários dos estados, e não apenas os federais, normalmente já identificados em relatórios periódicos (eles foram de 4,78% do PIB no ano passado). Os pesquisadores usaram parâmetros consistentes com o padrão adotado internacionalmente pela organização Council on Economic Policies (CEP), que permite comparações internacionais.

Todo país concede subsídios ou isenções. A dificuldade está em avaliá-los periodicamente para cortar o que é desperdício ou injustiça. Em 2019, foi instaurado o Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP), com o objetivo de avaliar o impacto de subsídios e gastos tributários, para reduzi-los a 2% do PIB como determina a Constituição. Desde então, o CMAP já realizou 34 avaliações, mas nenhuma recomendação resultou em revisão dos gastos tributários. “Até hoje não vimos nenhum gasto tributário efetivamente aprovado ou revisado em função dessa necessidade de atingir esse novo teto”, diz o economista Manoel Pires, do Ibre/FGV, um dos autores do estudo.

De acordo com ele, a reforma tributária em andamento apresenta uma oportunidade para abordar os problemas do intrincado sistema de gastos tributários do Brasil. As recomendações do estudo são sensatas. Primeiro, é necessário estabelecer uma definição clara, capaz de abranger todas as isenções fiscais, independentemente de sua finalidade ou justificativa declarada, que seja aplicada de forma consistente em todos os níveis de governo. Em seguida, padronizar metodologias de cálculo com base nos padrões internacionais. Depois, criar um banco de dados unificado, incorporando todos os níveis de governo. Por fim, fortalecer mecanismos de avaliação como o CMAP, para reduzir e racionalizar os gastos tributários existentes. Como parte da reforma tributária, isso já deverá acontecer no caso dos impostos que serão extintos, como ICMS ou IPI. Mas os maiores gastos — Simples e Zona Franca — foram preservados, e novas isenções e exceções foram criadas.

Ao implementar as recomendações, o Brasil teria um sistema tributário mais eficiente, equânime e transparente. A reforma tributária atual oferece uma oportunidade crítica rumo a impostos mais justos para o país.

Com mercado de carbono, Brasil avança no controle de emissões

Valor Econômico

Para o país, a criação do mercado dará um estímulo poderoso à preservação ambiental e recuperação de áreas degradadas, tolhidas por falta de recursos

A COP29, em Baku, definiu a criação do mercado internacional de carbono e, logo em seguida, o projeto para criação de um congênere brasileiro, que se arrasta no Congresso desde 2015, recebeu a chancela do Senado na terça-feira e volta para aprovação final da Câmara dos Deputados. O mercado de compra e venda de créditos de carbono é um dos principais mecanismos para reduzir as emissões de CO2 e tentar atingir as metas estabelecidas pelo Acordo de Paris, de evitar um aquecimento global de 1,5º C, limiar ainda manejável de acidentes climáticos com potencial de risco à vida humana.

Há hoje 36 mercados regulados no mundo, que abarcam 17% das emissões globais e movimentam US$ 74 bilhões, segundo o Banco Mundial. Os mercados voluntários, como o brasileiro, têm transações muito mais modestas, de US$ 1 bilhão. Os países nórdicos, principalmente, escolheram outra forma de cortar emissões, criando taxas de carbono. A gestão e regulação técnica do mercado internacional de carbono ficará a cargo de órgão das Nações Unidas. No Brasil, o PL 182, de 2024, coloca a missão a cargo de um gestor ligado à União, sem definir sua organização e composição.

Pelo projeto, o mercado brasileiro deverá entrar em operação apenas em 2029, dada a complexidade das etapas de regulação, inventário de emissões e adaptação dos participantes às novas regras. Por suas peculiaridades, os principais ganhos com a venda de créditos por redução, prevenção, remoção ou sequestro de carbono virão principalmente da atração de compradores externos. As origens de 73% do despejo de CO2 na atmosfera no Brasil são o desmatamento e o uso da terra. A agropecuária, como na maior parte dos mercados regulados já criados, não faz parte deles. Como a matriz de energia elétrica brasileira é majoritariamente renovável, o mercado se concentrará na indústria, no transporte e no setor de óleo e gás, responsáveis por pouco mais de 15% das emissões líquidas (Gabriel Pinto e Luana Gaspar, Valor, 7/10).

A consultoria McKinsey estima que o Brasil pode atender 48,7% da demanda global por compensação de emissões, e 15% de todo o potencial global de captura de carbono por meios naturais. Ao evitar desmatamento e reflorestar áreas degradadas que impediriam emissão de 1 bilhão de toneladas de CO2, o país poderia angariar US$ 50 bilhões até 2030. A consultoria assume que, a um preço do crédito de carbono de US$ 30 por tonelada, seria possível capturar 1,5 gigatoneladas em uma área total de 85 milhões de hectares. Com essa área equivalente à metade do pasto atual em área degradada, seria mais vantajoso substituir a pecuária por projetos de restauração ou reflorestamento.

O mercado de carbono é um arranjo transitório. Ao contrário de um mercado propriamente dito, o preço é regulado e tem de ser cada vez mais alto para que empresas e setores que não conseguem conter suas emissões não adiem indefinidamente o ajuste e paguem cada vez mais caro pelo excesso. Além disso, quanto menor for a demanda por créditos maior será o cumprimento das metas de emissão. Se for muito bem-sucedido, no limite, o mercado se extinguirá a longo prazo.

O Brasil definiu que serão obrigados a compensar carbono emitido todos os emissores acima de 25 mil toneladas de CO2 por ano, cerca de 4 mil a 5 mil empresas. Na verdade, o PL deixou em aberto a definição sobre se a métrica vale para fábricas individuais, empresas ou grupo econômico. As que emitirem mais de 10 mil toneladas/ano deverão obrigatoriamente reportar as emissões. Caberá a um plano nacional de alocação definir, com doze meses de antecedência, o limite máximo de emissões e a quantidade de créditos a ser distribuída entre os operadores.

Todos os passos da criação desse mercado são complexas. Armadilhas já reveladas pelo mercado voluntário deverão ser evitadas, como certificações falhas ou falsas, ou registros de créditos inexistentes. Há conflitos latentes sobre a titularidade na cessão de créditos por áreas públicas pertencentes a Estados e propriedades privadas na mesma jurisdição.

O mercado internacional definido na COP29 terá de estabelecer um parâmetro mínimo de preço para os créditos de carbono, para evitar a arbitragem entre participantes - emissores buscarão sempre o instrumento de menor custo de compensação. Uma outra forma na qual o problema pode se manifestar é pelo “vazamento” do imposto via importações de países que não possuem mercados de carbono, ou em que o preço do crédito seja mais barato, que teriam vantagem concorrencial sobre competidores domésticos sujeitos ao mercado regulado.

O principal, no entanto, é que, ainda que tardios, os mercados de carbono nacional e internacional serão constituídos e ajudarão a mitigar um grave problema para o combate às mudanças climáticas: financiamento. A ONU estima que o mecanismo movimente US$ 250 bilhões ao ano, mais do que os US$ 100 bilhões de ajuda relutante dos países desenvolvidos aos demais para adaptação e mitigação, só cumprida há dois anos. Para o Brasil, a criação do mercado dará um estímulo poderoso à preservação ambiental e recuperação de áreas degradadas, tolhidas por falta de recursos.

Benefício tributário em excesso degrada contas públicas

Folha de S. Paulo

Estudo aponta renúncia de receita assustadora, no mais das vezes sem avaliação de impacto nem data para seu término

Tal como o processo orçamentário em geral, que foi degradado nos últimos anos e precisa de ajuste urgente, também houve perda de controle e razoabilidade na concessão de benefícios fiscais em favor de grupos de interesse.

Segundo estudo elaborado pela Fundação Getulio Vargas e pelo Tax Expenditures Lab, o montante dos chamados gastos tributários —designação genérica que inclui renúncias de receitas que beneficiam contribuintes específicos ou configuram exceção em relação às regras tributárias— deve atingir assustadores 6,9% do Produto Interno Bruto em 2024.

A cifra inclui benesses concedidas por União (em torno de 4,5% do PIB) e governos estaduais (2,4% do PIB), que foram multiplicadas nas últimas duas décadas —em 2006 eram 2,4% do PIB.

A alta de 4,5 pontos percentuais desde então decorre de inúmeros novos subsídios, que não guardam relação com análises de impacto nem, em sua maioria, tem prazo de validade. No caso dos estados, boa parte se relaciona à guerra fiscal em torno de renúncias do ICMS, prática que deve terminar com a implementação da reforma em curso dos tributos indiretos.

O aumento dos números também pode decorrer de avanço na contabilização, sobretudo nos estados, muitos dos quais não divulgavam informações. Mesmo assim, ainda não se trata de detalhamento exaustivo, também pela não inclusão de municípios. Não seria surpresa se o total de benefícios regionais atingisse algo como 4% do PIB.

Cifras tão expressivas são alarmantes, pois revelam pouco ou nenhum planejamento ou avaliação. Enfraquece-se, ademais, a credencial democrática do processo orçamentário, em que cada despesa é aprovada anualmente com transparência.

Quanto à União, é verdade que gastos tributários são apresentados nas leis orçamentárias anuais, com estimativas de seu impacto. Mas nem todas as renúncias são detalhadas a contento pela Receita Federal.

O Congresso, ademais, muitas vezes não cumpre a exigência legal de definir medidas compensatórias em benefícios de sua iniciativa.

Modernizar o processo orçamentário constitui tarefa complexa, mas um começo é a exigência de análises de impacto, em vigor desde 2019 com a criação de um conselho de monitoramento e avaliação vinculado ao Ministério do Planejamento.

Desde então já foram publicados 34 relatórios de avaliação de subsídios, nos quais se incluem os gastos tributários. Até aqui, porém, há pouca ação por parte do Executivo e do Congresso.

Quanto aos incentivos estaduais, ao menos está no horizonte seu término —até 2032, segundo o texto da reforma tributária. A redução do caos normativo e o fim da guerra fiscal estão entre os efeitos mais importantes da criação do imposto sobre valor agregado cobrado no local do consumo, cuja regulamentação precisa ser concluída o quanto antes.

Governo Tarcísio deve planos para qualificar o ensino

Folha de S. Paulo

Reduzir gasto obrigatório em educação faz sentido para a gestão, mas desempenho em SP está abaixo do que se espera

Como é padrão nos estados brasileiros, o Orçamento do governo de São Paulo é engessado por despesas de caráter obrigatório. No ano passado, salários, aposentadorias e pensões —decorrentes em especial das áreas de educaçãosaúde e segurança pública— consumiram 53% das receitas.

Constituição Federal de 1988 estabelece que as administrações estaduais devem destinar no mínimo 25% da receita de impostos em manutenção e desenvolvimento do ensino, enquanto 12% devem ser aplicados no SUS. A Carta paulista foi além e exigiu 30% no primeiro caso.

O que parecia ser uma boa intenção nunca deu maiores resultados, porque sucessivos governos do estado driblaram a regra aplicando a verba adicional no pagamento de aposentadorias de professores e outros profissionais da educação —o que é um gasto em previdência, obviamente, não na melhora do ensino.

Agora, a Assembleia Legislativa acaba de aprovar proposta do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) que autoriza o uso total ou parcial desses 5% da receita de impostos (a diferença em relação ao piso nacional) em saúde. Do ponto de vista da gestão, faz sentido.

Como argumenta o Palácio do Bandeirantes, a transformação demográfica do país, que passa por envelhecimento contínuo da população, já eleva as demandas em saúde. De outro lado, o número de matrículas nas escolas públicas tende a cair.

Cedo ou tarde, será inevitável revisão mais ampla dos ditames constitucionais. As prioridades da administração pública, afinal, mudam com o tempo e conforme a região, ainda mais num país tão desigual. É desejável que os Orçamentos em todos os níveis de governo ganhem maior flexibilidade para o manejo de verbas.

O debate mais relevante, particularmente em educação, é como colher melhores resultados com os recursos disponíveis. No caso paulista, o desempenho do ensino está aquém do que se espera do estado mais rico da Federação.

Os dados mais recentes do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostram São Paulo com a nota pífia de 4,2 em 2023, abaixo dos 4,4 de 2021, empatado com Mato Grosso e atrás de Goiás, Espírito Santo, Paraná, Pernambuco, Ceará, Pará e Piauí.

O governo Tarcísio, que já chega à metade, deve respostas melhores nesse setor do que as tais escolas cívico-militares, um mero fetiche bolsonarista. Expansão do ensino integral, combate à evasão escolar e incentivos à qualidade do aprendizado são os maiores desafios.

Idas e vindas no ajuste fiscal

O Estado de S. Paulo

Indicação de Haddad de corte de gastos ‘expressivo’ e sinais de mudança em reajuste do salário mínimo animam mercado, mas sucessivos adiamentos do pacote expõem indefinição do governo

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, escolheu a dedo a palavra para reabilitar o pacote de redução de gastos, que vinha caindo em descrédito após duas semanas de expectativas frustradas e demonstrações públicas de divisão no governo sobre a medida. O anúncio ainda terá de esperar o término do G-20, no próximo dia 22, mas será um corte “expressivo”, garantiu Haddad, salientando o termo que criou uma nova perspectiva para o esforço de contenção de despesas públicas.

Para refrear o pessimismo do mercado – e os consequentes efeitos sobre os juros e o câmbio –, a equipe econômica fez circular informações sobre mudanças no cálculo de correção do salário mínimo, que, desde o ano passado, tem reajuste calculado pela inflação do ano anterior mais a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. A nova proposta é adequá-lo à regra prevista no arcabouço fiscal, que permite um aumento real, mas limitado a um porcentual entre 0,6% e 2,5% ao ano acima da inflação.

A tese ganhou contornos de medida já definida quando Haddad, ao ser questionado se todas as despesas deverão ser incorporadas às normas do arcabouço fiscal, confirmou que devem seguir a mesma regra “ou alguma coisa parecida com isso”. Foi o suficiente para melhorar os ânimos.

Agora, a cifra que circula no mercado, e que o Ministério da Fazenda teria indicado às lideranças da Câmara e do Senado, é que as medidas como um todo, e que vão além do salário mínimo, poderiam gerar uma economia em torno de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos, dos quais R$ 30 bilhões já em 2025.

Pode ser de fato um avanço controlar a evolução do piso salarial. Afinal, como está destacado no projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa), cada R$ 1 a mais no salário mínimo gera um aumento de despesas de R$ 422 milhões no Orçamento. Uma das bandeiras levantadas por Lula da Silva, a política de valorização do salário mínimo, em pouco tempo, demonstrou não ter sustentabilidade ao não prever de onde sairão as receitas para custeá-la. É simples assim o planejamento orçamentário que o lulopetismo teima em não aceitar.

Pode-se dizer que a perspectiva de mudar o cálculo para o aumento do mínimo traz algum alívio, já que a fórmula atual tende a criar uma progressão difícil de ser contida. Imagine-se em 2026, o último do atual mandato de Lula, com o PIB de 2024 (dois anos antes) ficando de fato em torno de 3% e a inflação de 2025 em cerca de 4%, como mostram as projeções atuais. Hoje, essa conta parece impagável.

Mas ainda há outro fator estrutural que o governo resiste em abordar: a indexação do reajuste do mínimo aos benefícios previdenciários e assistenciais. Não há lógica atuarial que aceite aumentos de pagamentos de benefícios futuros sem lastro na arrecadação. A correção do mínimo impacta aposentadorias e pensões da Previdência Social e também o seguro-desemprego, o abono salarial e até o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, mesmo que nunca tenham contribuído para a Previdência.

BPC não é salário e tampouco aposentadoria, é um benefício assistencial. Sua distribuição é uma medida justa de auxílio a pessoas vulneráveis, mas deveria ter uma fórmula própria de correção, e não seguir o piso dos trabalhadores em atividade. Ademais, parece injusto dar a este auxílio o mesmo tratamento das aposentadorias de quem contribuiu durante toda a vida ativa para ter direito ao benefício mínimo. A visão populista eleitoreira de Lula da Silva impede que a desindexação nem sequer entre em pauta.

Aliás, tampouco está certo se o governo trocará o indexador do PIB pelo teto do arcabouço, o que mudaria a dinâmica dos ganhos daqui para a frente. Protelar é a especialidade do governo federal, na esperança de que o tema seja esquecido ou que seja substituído por outro menos incômodo. No caso do reequilíbrio fiscal, no entanto, tanto adiamento tem custado caro e impactado as expectativas de inflação, a cotação do dólar e a curva futura de juros. A pressa, portanto, deveria ser do governo.

Tumores no Orçamento público

O Estado de S. Paulo

PL para emendas parlamentares é ilusionismo para mantê-las nas sombras, e obras fantasmas ou superfaturadas identificadas pela CGU dão uma amostra do que se quer esconder

Todo poder emana do povo. Todo dinheiro também. É direito elementar dos cidadãos saber quem gasta os recursos públicos, onde e como. Mas seus representantes se comportam como se fossem donos do Estado e a prestação de contas fosse só uma concessão inconveniente.

Em agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a execução das emendas parlamentares (verbas da União destinadas por congressistas a Estados e municípios) até a adoção de mecanismos que garantam sua transparência e rastreabilidade. Logo depois, representantes dos Três Poderes firmaram um acordo traçando diretrizes para esses mecanismos. No início do mês, a Câmara aprovou um projeto de lei que agora foi aprovado pelo Senado com alterações menores e ainda sem os destaques que podem mudar o texto final.

Consultores do Senado analisaram em que medida o projeto atende às exigências do STF e às diretrizes do acordo. A conclusão é devastadora. A proposta não responde a praticamente nenhuma das exigências colocadas por essas duas fontes normativas: de 14 parâmetros identificados, só 3 serão atendidos, e, ainda assim, dois já constam das regras vigentes.

A nota observa que restam desatendidas as “duas lacunas fundamentais” apontadas nas decisões do Supremo: a identificação da autoria das emendas coletivas (de comissão e de bancada) e o destino das transferências especiais.

As emendas de comissão se tornaram sucessoras do chamado “orçamento secreto”, declarado inconstitucional pelo STF. Em teoria, esses repasses são votados coletivamente. Na prática, são negociados pelos caciques do Legislativo, e os reais patrocinadores são desconhecidos.

Pelo projeto, todo o processo decisório seguirá oculto. Além disso, pelas diretrizes do acordo, estas emendas deveriam ser destinadas a projetos de interesse nacional, definidos de comum acordo por Executivo e Legislativo, mas a proposta permite que praticamente toda a alocação seja classificada como “interesse nacional”.

As transferências especiais (“emendas Pix”) são repasses aos caixas dos entes subnacionais para que seus governantes gastem como bem entenderem. Neste caso, sabe-se qual congressista destinou os recursos, mas não para qual finalidade.

Pelas diretrizes acordadas, esses repasses deveriam estar condicionados à priorização de obras inacabadas; apresentação prévia por parte dos beneficiários de plano de trabalho e informações sobre onde, como, quando e por que os recursos serão empregados; e, por fim, prestação de contas ao Tribunal de Contas da União. Nenhum dispositivo atende a essas exigências.

Em outras palavras, o projeto é puro ilusionismo, areia nos olhos dos cidadãos para manter tudo como está. E este “tudo” não é pouca coisa. São cerca de R$ 50 bilhões, um quarto das despesas discricionárias da União, uma proporção sem paralelo no mundo.

A Controladoria-Geral da União (CGU) tem oferecido biópsias deste corpo podre. Uma auditoria com as dez ONGs que mais receberam emendas desde 2020 constatou que sete não tinham estrutura para executar os serviços. Dos R$ 300 milhões empenhados, R$ 15 milhões foram desviados ou desperdiçados por problemas que vão de superfaturamento a gastos não previstos nos projetos.

Outra auditoria com os 30 municípios que mais receberam emendas entre 2020 e 2023 mostrou que 39% das obras não foram iniciadas e 5% estão paralisadas. São apenas pequenas amostras do grau de degradação a que está submetido o Orçamento público. Isso sem falar dos danos à governabilidade e à competição eleitoral.

A decisão do STF se restringe quase que exclusivamente a exigir transparência nos repasses. Mas o fato de que nem isso os congressistas estão conseguindo, ou melhor, querendo entregar, sugere que o buraco pode ser mais embaixo do que se imagina.

Do modo como estão sendo traficadas, as emendas ofendem não só o princípio da publicidade, mas, em algum grau, todos os outros princípios constitucionais da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência. Longe de reverter estas ofensas, o Parlamento as está sacramentando sob uma espessa cortina de fumaça. Mas – espera-se – ainda há juízes em Brasília.

Pós-graduação no rumo certo

O Estado de S. Paulo

Universidades paulistas encurtam caminho para o doutorado, com foco também no mercado

As seis universidades públicas paulistas anunciaram conjuntamente uma reformulação em cursos de pós-graduação, que, ao que tudo indica, pode enfim conectá-las às demandas do mundo atual. A partir de 2025, programas de mestrado e doutorado de instituições estaduais e federais de São Paulo poderão aderir a uma modalidade de formação mais dinâmica e ágil, voltada, além da academia, ao mercado.

A ideia é encurtar o caminho para o doutorado e acertadamente diversificar a formação. A Universidade de São Paulo (USP) capitaneou o debate e ganhou a adesão da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Universidade Federal do ABC (UFABC).

Pelas regras acordadas em protocolo, depois de um ano no mestrado e aprovado no exame de qualificação, o estudante poderá avançar para o doutorado. Essa espécie de atalho vai reduzir o prazo para a obtenção do título de doutor de nove para cinco anos. E, com essa medida, espera-se atrair talentos e estimular a procura pelos cursos. Mas não só isso.

Como explicou o pró-reitor de Pós-Graduação da USP, Rodrigo Calado, hoje “a perspectiva é a de formação de professores para universidades” – o que não basta. Como bem pontuou Calado, “há alunos que querem trabalhar na indústria, com inovação, empreendedorismo, montar uma startup”. E a universidade, decerto, não pode desprezá-los.

A inspiração para a mudança veio de universidades da Inglaterra, Alemanha e Austrália. Segundo Calado, os programas de pós-graduação terão de oferecer “trilhas formativas mais voltadas para a sociedade”. Contemplarão a atuação direta em órgãos estatais ou em empresas. Fará muito bem às universidades, bastante fechadas, intensificar o diálogo e a cooperação com a iniciativa privada.

O Brasil ainda pode crescer em pós-graduação. Hoje, são 319 mil estudantes nesses cursos, número estável desde 2019. Parece muito, mas o País registra poucos doutores. Nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a taxa é de 21,9 doutores para cada 100 mil habitantes, ante 11,3 no Brasil. Mas de nada adianta ter muitos doutores. É preciso ter bons doutores. Não à toa, só poderão participar do novo modelo de formação os programas com notas 6 e 7 – logo, apenas os cursos de excelência em suas áreas.

A iniciativa das seis universidades paulistas é inédita, necessária e até mesmo tardia, haja vista que o modelo atual remonta aos anos 1960. O mundo mudou, e é inimaginável manter estática a formação de pós-graduandos por tanto tempo, enquanto avançam aceleradamente mudanças na ciência, na tecnologia, na economia, na política e geopolítica, nas relações culturais, nos costumes, na filosofia, entre tantas outras áreas do saber ou de objetos de pesquisas.

Com esse passo dado, as universidades estaduais e federais de São Paulo seguem a trilha das boas práticas e servem ainda de bom exemplo. Sem dúvida, são instituições capazes de influenciar a academia na busca de aperfeiçoamento e atualização.

Urbanização e desequilíbrio

Correio Braziliense

Repensar os movimentos de expansão e de modernização das cidades pelo país, especialmente das metrópoles, é uma atitude crucial na atualidade

Marcado por contrastes, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer para solucionar suas questões sociais. Nesse rol de tantas diferenças, a urbanização não é uma exceção e se mostra com desequilíbrio por todo o território nacional. A dinâmica urbana nos municípios brasileiros, na grande maioria dos casos, atropela o planejamento e vai avançando sem as condições ideais. Repensar os movimentos de expansão e de modernização das cidades pelo país, especialmente das metrópoles, é uma atitude crucial na atualidade.

O aumento da população urbana no Brasil se consolidou a partir da segunda metade do século 20, com a explosão demográfica e as moradias em áreas rurais perdendo espaço. Residir nas cidades passou a ser uma condição com a industrialização, mas o fato não recebeu a atenção adequada. As localidades cresceram de maneira desordenada — o que segue acontecendo.

Há poucos dias, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou dados do Censo Demográfico 2022. O levantamento encontrou 12.348 favelas, onde viviam 16.390.815 pessoas, o que equivalia a 8,1% da população. Em 2010, eram 6.329 comunidades com 11.425.644 moradores ou 6% dos brasileiros naquele ano.

Além desses cenários específicos apontados no estudo do IBGE, a ampliação dos municípios se apresenta de diversas formas, como a verticalização cada vez mais presente. Assim, o desafio é dar respostas aos problemas naturais decorrentes desse processo.

A ausência de cuidados — muitos deles básicos — afeta o cotidiano urbano pelo país. A própria pesquisa do IBGE revelou que entre os 958.251 estabelecimentos encontrados nas favelas, 7.896 eram de ensino, 2.792 de saúde e 50.934 religiosos. Proporcionalmente, havia 18,2 locais ligados a religiões para cada ponto de saúde e 6,5 para cada organismo educacional. Esse recorte evidencia a precariedade na oferta de serviços públicos nessas comunidades, que ainda sofrem com a falta de infraestrutura, transporte e segurança. Em outros ambientes dos municípios, questões urgentes também se acumulam, principalmente em locais onde há carência financeira.

Apesar das possibilidades proporcionadas pelo desenvolvimento tecnológico, demandas como fornecimento de água e energia elétrica, saneamento, coleta de lixo, abastecimento de produtos e mobilidade, entre outras, persistem nos grandes aglomerados. As mudanças climáticas, com os eventos extremos se intensificando, elevam o perigo diante da precariedade das cidades.

Produzir estatísticas que possam contribuir para a formulação de políticas assertivas na melhoria dos centros urbanos, baseadas em evidências, é uma medida a ser adotada pelos governos, órgãos de controle e instituições. O país não pode mais conviver com intervenções paliativas, que consomem verbas e não resolvem definitivamente as falhas.

As condições de vida dos cidadãos devem ser prioridade para as administrações governamentais. A urbanização possui amplos aspectos sociais e ambientais, e garantir espaços eficientes é uma tarefa que precisa ser abraçada por todos os brasileiros.

G20 e a tentativa da construção de um mundo multipolar

Correio Braziliense

O fomento do G20 e sua maior organicidade neste ano decorre, em boa medida, da crise de efetividade e paralisia das instituições mais tradicionais em dar respostas neste cenário de divergentes tensões

Em um mundo marcado por diversos conflitos, como a guerra entre Rússia e Ucrânia, o massacre em Gaza e as tensões comerciais entre potências, inicia-se, na cidade do Rio de Janeiro, o G20, sob a presidência brasileira. Nesse sentido, para equacionar a crise do multilateralismo no âmbito das relações internacionais, um dos principais desafios da diplomacia brasileira no novo milênio é tentar estimular debates para criar ou refundar instituições que sirvam de espaço de diálogo e cooperação, visando instalar uma convivência pacífica entre os países na construção de uma ordem multipolar.

Como se sabe, na concertação entre as nações, muitas dessas organizações foram edificadas após a eclosão de crises e guerras que alteraram substancialmente o sistema internacional. Nesse contexto, podemos citar a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), tributária das duas grandes guerras na primeira metade do século 20.

A história do G20 não é diferente. Também está associada a uma forte crise econômica na transição do século 20 para o século 21, nos países asiáticos e em outras economias periféricas. À esteira desse processo, em 2008, a crise nos Estados Unidos instaurou o debate sobre os caminhos da globalização na contemporaneidade. Tal crise, iniciada no setor financeiro, imobiliário e bancário, provocou um cenário de crise sistêmica que se espalhou para diversos países, resultando em uma recessão mundial e na perda de inúmeros empregos. A chamada crise do subprime levantou a seguinte pergunta: estamos governando a globalização ou a

Dessa forma, o fomento do G20 e sua maior organicidade neste ano decorre, em boa medida, da crise de efetividade e paralisia das instituições mais tradicionais em dar respostas neste cenário de divergentes tensões no campo geopolítico e na economia política internacional. As reformas dos mecanismos de governança global custam em se materializar, e a implementação da agenda 2030 está seriamente comprometida diante desse quadro de cruzamento de crises.

 Não obstante, a criação de espaços alternativos de diálogo, que podem subsidiar, ampliar e revisitar (e não substituir) as chamadas instituições de Bretton Woods podem ser instrumentos essenciais para os desafios desta primeira metade do século 21. Sabemos que os desafios demandam saídas coletivas, coordenadas entre os países, para o enfrentamento de diversos problemas transnacionais.

Mesmo que não possa ser equiparado a organizações internacionais formalmente estabelecidas, com a composição de um tratado constituinte e uma estrutura formal, o G20 também faz parte desse esforço de fortalecimento da governança global para caminharmos em direção à construção de um mundo ambientalmente sustentável, socialmente justo e economicamente viável.

Trata-se de um grupo concebido diante da ideia de que os Estados devem trocar experiências e estabelecer um fórum para a adoção de ações coletivas, visando o fortalecimento do multilateralismo e a criação de uma ordem multipolar. Vale dizer que os problemas da humanidade não podem ser equacionados apenas pelos atores das economias ricas, do chamado G7.

Nos debates sobre diplomacia, paz e segurança internacional, por exemplo, o Conselho de Segurança da ONU é frequentemente criticado por suas falhas em prevenir ou dirimir conflitos, quase sempre sendo um espaço em que as discussões são interditadas pelo poder de veto de um dos seus cinco membro permanentes e pela baixíssima representatividade no órgão.

Na esfera comercial, é evidente a fragilidade das ações da Organização Internacional do Comércio (OMC) em razão da ação deliberada de seus membros em não cumprir as normas ou impedir o pleno funcionamento de seu mecanismo de solução de controvérsias. Tais instituições já não refletem a realidade geopolítica do século 21. Nessa quadra histórica, não são poucas as forças que preconizam hoje discursos ultranacionalistas e negacionistas advogando saídas autoritárias e neofascistas para esse cenário de descrédito e crise das organizações internacionais. 

A despeito de sua informalidade, o G20 expressa, em nosso tempo de conflagrações, um papel central no esforço de tentar retomar os canais de diálogo da comunidade internacional. Gestado para tratar de questões exclusivamente no campo econômico-financeiro, no chamado G20 Financeiro, aos poucos expandiu seu raio de atuação para lidar com questões de saúde, emprego, energia, soberania alimentar, migrações, entre outros temas da agenda internacional contemporânea. Segundo os próprios números, atualmente representa mais de 75% do comércio global e cerca de dois terços da população mundial.

Sob a presidência brasileira, questões de gênero também entraram na ordem do dia e o constante diálogo com a sociedade civil e o meio acadêmico se faz valer nos chamados grupos de engajamento e no G20 Social. Para a realização de sua reunião de cúpula nesta semana, a liderança do Brasil no G20 evocou o seguinte lema Construindo um mundo justo e um planeta sustentável. Diversas autoridades estão confirmadas. Neste período de crescente descrédito no multilateralismo e no regionalismo e adoção de respostas unilaterais por parte dos países, o G20 reafirma sua convicção de que os esforços de cooperação e diálogo em nível internacional são o único caminho para equacionar os desafios da humanidade, que são necessariamente transfronteiriços. 

 

 

 

 

 

 

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