Folha de S. Paulo
Evidências empíricas de um novo estudo
abrangente alimenta o debate em torno de duas explicações rivais sobre o
assunto
A violência política entrou com força na
agenda pública não só em democracias avançadas mas também nas novas
democracias, o Brasil incluso. Mas está longe de constituir algo
inédito. Para ficar apenas nos EUA, onde Trump sofreu várias tentativas de
assassinato, Bob Kennedy, candidato à Presidência, foi assassinado em plena
campanha, semanas após Martin Luther
King, liderança pública histórica, ser morto.
A agenda atual, porém, está fortemente marcada pelas relações entre violência política, polarização afetiva e atitudes antidemocráticas, o que discuti aqui. A intolerância e polarização/animosidade partidária estão em um crescendo; no entanto não há consenso se elas implicam necessariamente atos extremos. Atualmente há duas posições rivais na ciência política: a primeira é que a animosidade interpartidária está intrinsecamente relacionada a atitudes antidemocráticas e violência política; a segunda é que se trata de fenômenos com dinâmicas próprias e distintas.
O estudo mais abrangente já realizado sobre a
inter-relação entre estas questões acaba de ser publicado em Science e é
coautorado por 76 pesquisadores, dentre os quais os mais importantes
especialistas no assunto. Intitulado "Megastudy testing 25 treatments to reduce antidemocratic attitudes and
partisan animosity", o trabalho é de natureza experimental. Uma
amostra representativa de 32 mil americanos participa do estudo.
O grupo de tratamento é exposto a vídeos ou
informações corrigindo estereótipos relacionados a 25 variáveis de interesse;
vídeos de republicanos/democratas que são representativos, mas fogem de
estereótipos (ex. que republicanos são ricos ou muito religiosos); ou o grupo
de tratamento é indagado sobre como membros do partido rival tolerariam
práticas antidemocráticas, após o que são corrigidos com dados reais de
pesquisas sobre o assunto e testados sobre o efeito dessa nova informação etc.
Na amostra como um todo, o nível de apoio à
violência partidária é baixo, embora preocupante (10, numa escala de 1 a 100).
O apoio a práticas antidemocráticas é moderado mas também alarmante (escore de
26). Em geral, a animosidade interpartidária e a partidária são
altas (69) e a desconfiança de rivais sociais é moderada (53). Um dos achados
contraintuitivos do estudo é que o apoio à violência partidária é maior entre
os democratas. Afinal, a violência é associada na opinião pública a setores
radicais da direita. Os escores, quanto ao desejo de distanciamento social,
também são maiores entre os democratas. Por outro lado, a aprovação a práticas
antidemocráticas é maior entre os republicanos. O achado mais importante é que
a correlação entre polarização afetiva e apoio à violência não é significativa.
Os pesquisadores chegam a conclusões
otimistas: em 23 das 25 intervenções no grupo de controle houve redução da
animosidade interpartidária da ordem de 5%. Trata-se de uma redução
considerável levando-se em conta que a animosidade aumentou em 21 pontos entre
1978 e 2016. Em relação à violência partidária, um dos tratamentos produziu um
efeito contrário, aumentando o apoio à violência partidária. Esses efeitos
reduziram-se após duas semanas, o que mostra os desafios consideráveis para uma
"pedagogia republicana" como remédio contra a polarização e a
violência política.
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