segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Terrorismo, mas não aqui - Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

As explosões em Brasília no último dia 13 foram um ato de terrorismo? A PF investiga o episódio como tal. Em muitos países, também seria tratado assim, mesmo que se confirme que o autor sofria de distúrbios psiquiátricos e que financiou, planejou e executou o ataque sozinho, sem ordem direta de outras pessoas ou grupos organizados. Na Global Terrorism Database, base de dados com informações sobre atentados cometidos em todo o mundo desde 1970, há inúmeros casos de ataques cometidos por lobos solitários sem filiação com organizações terroristas. Em 2019, o FBI listou 52 ataques terroristas desse tipo desde a década de 70 em território americano. O critério suficiente para classificá-los como terrorismo era a existência de uma motivação de base ideológica (política, racial, social, religiosa, etc).

Tampouco é necessário ter a inspiração de um grupo organizado para ser um terrorista. É o caso de Anders Breivik, que massacrou 77 pessoas na Noruega, em 2011, ou de Brenton Tarrant, australiano que matou 51 pessoas em um ataque contra a comunidade muçulmana em Christchurch, na Nova Zelândia, em 2019. Ambos tinham motivações ideológicas, se radicalizaram na internet e agiram sozinhos, sem se inspirar em métodos ou atos de um grupo terrorista organizado. A diferença deles para o homem-bomba de Brasília é a letalidade dos seus ataques.

Uma das definições da ONU para terrorismo menciona “atos criminosos destinados ou calculados para provocar um estado de terror no público em geral, em um grupo de pessoas ou em pessoas particulares para fins políticos”. Há fartas evidências de que o autor do ataque em Brasília tinha uma motivação política, identificada com o campo bolsonarista e suas causas. Ele não tinha a intenção de “apenas” se suicidar em protesto contra o STF. Seu plano era levar outras pessoas consigo, tanto que deixou armadilhas explosivas em seu carro e na casa que alugava. Sua ex-mulher reconheceu em depoimento à polícia que ele há tempos falava em matar Alexandre de Moraes e que, se morreu sozinho, foi porque o plano fracassou. Seu objetivo era se tornar um mártir e inspirar outros a cometer atos semelhantes, conforme sugerem as mensagens que ele deixou em um espelho, nas redes sociais e em falas enigmáticas relatadas por conhecidos.

Por tudo isso, as explosões em Brasília poderiam, sim, ser classificadas como um ato terrorista, não fosse por um detalhe importante: a legislação brasileira não inclui motivações políticas na definição de atos terroristas. A Lei Antiterrorismo, de 2016, menciona “razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”. Nenhuma palavra sobre motivação política, que foi excluída do texto por parlamentares de esquerda preocupados com a possibilidade de que isso abriria brecha para enquadrar movimentos sociais, como o MST.

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