O Estado de S. Paulo
As explosões em Brasília no último dia 13 foram um ato de terrorismo? A PF investiga o episódio como tal. Em muitos países, também seria tratado assim, mesmo que se confirme que o autor sofria de distúrbios psiquiátricos e que financiou, planejou e executou o ataque sozinho, sem ordem direta de outras pessoas ou grupos organizados. Na Global Terrorism Database, base de dados com informações sobre atentados cometidos em todo o mundo desde 1970, há inúmeros casos de ataques cometidos por lobos solitários sem filiação com organizações terroristas. Em 2019, o FBI listou 52 ataques terroristas desse tipo desde a década de 70 em território americano. O critério suficiente para classificá-los como terrorismo era a existência de uma motivação de base ideológica (política, racial, social, religiosa, etc).
Tampouco é necessário ter a inspiração de um
grupo organizado para ser um terrorista. É o caso de Anders Breivik, que
massacrou 77 pessoas na Noruega, em 2011, ou de Brenton Tarrant, australiano
que matou 51 pessoas em um ataque contra a comunidade muçulmana em
Christchurch, na Nova Zelândia, em 2019. Ambos tinham motivações ideológicas,
se radicalizaram na internet e agiram sozinhos, sem se inspirar em métodos ou
atos de um grupo terrorista organizado. A diferença deles para o homem-bomba de
Brasília é a letalidade dos seus ataques.
Uma das definições da ONU para terrorismo
menciona “atos criminosos destinados ou calculados para provocar um estado de
terror no público em geral, em um grupo de pessoas ou em pessoas particulares
para fins políticos”. Há fartas evidências de que o autor do ataque em Brasília
tinha uma motivação política, identificada com o campo bolsonarista e suas
causas. Ele não tinha a intenção de “apenas” se suicidar em protesto contra o
STF. Seu plano era levar outras pessoas consigo, tanto que deixou armadilhas explosivas
em seu carro e na casa que alugava. Sua ex-mulher reconheceu em depoimento à
polícia que ele há tempos falava em matar Alexandre de Moraes e que, se morreu
sozinho, foi porque o plano fracassou. Seu objetivo era se tornar um mártir e
inspirar outros a cometer atos semelhantes, conforme sugerem as mensagens que
ele deixou em um espelho, nas redes sociais e em falas enigmáticas relatadas
por conhecidos.
Por tudo isso, as explosões em Brasília
poderiam, sim, ser classificadas como um ato terrorista, não fosse por um
detalhe importante: a legislação brasileira não inclui motivações políticas na
definição de atos terroristas. A Lei Antiterrorismo, de 2016, menciona “razões
de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”.
Nenhuma palavra sobre motivação política, que foi excluída do texto por
parlamentares de esquerda preocupados com a possibilidade de que isso abriria
brecha para enquadrar movimentos sociais, como o MST.
Nenhum comentário:
Postar um comentário