O Estado de S. Paulo
Uruguaios oferecem série de lições sobre como não cair na tentação do ‘nós contra eles’
No dia 24, eleitores uruguaios escolherão, no
segundo turno, seu próximo presidente. O cenário no Uruguai se destaca em meio
a uma tendência mundial de polarização crescente e cada vez mais destrutiva. Ao
contrário do que se observa em numerosos países, os dois candidatos não adotam
discursos radicais, não representam ameaça às instituições democráticas e não
veem o adversário como inimigo, mas como oponente legítimo dentro de uma das
democracias mais sólidas do mundo – que costuma, nos rankings, aparecer à
frente de países como Reino Unido, França e muito adiante dos EUA.
Enquanto a vitória do “outro lado” é vista, por milhões de eleitores em países como EUA, Índia, Brasil e Argentina, como uma catástrofe, os uruguaios não terão dificuldades para aceitar o resultado das urnas. Atitudes como contestar resultado, incitar violência contra opositores ou brigar com parentes e amigos por visões políticas distintas são raras no país. O Uruguai apresenta baixos níveis de polarização tanto na dimensão ideológica – caso de grupos (líderes ou eleitores) se movendo para posições extremas – quanto na dimensão emocional – sentimentos negativos em relação a grupos opositores.
Apesar de não haver consenso entre
especialistas sobre as causas da polarização, o crescimento das redes sociais –
que leva as pessoas a viverem em “bolhas ideológicas” –, a crise de confiança
nas instituições democráticas e uma crescente hostilidade à elite política, bem
como líderes que buscam fomentar a polarização para vencer eleições, podem
explicar o fenômeno. Outros apontam para a instabilidade econômica, apesar de
haver numerosos casos de países que se polarizaram em cenários econômicos
estáveis ou até positivos. Outra hipótese é de que eleitores inseguros,
frustrados e em busca de algum tipo de pertencimento são mais vulneráveis à
retórica “nós contra eles”.
RECEITA. Uma das hipóteses que se ouve
frequentemente para explicar por que o Uruguai “deu certo” é a menos plausível:
de que, supostamente, a estabilidade política uruguaia se deve à homogeneidade
da sociedade e sua população pequena, de apenas 3,4 milhões.
Afinal, países podem ser pequenos e
polarizados (como Honduras), homogêneos e polarizados (como Hungria) ou
heterogêneos sem muita polarização (como Cingapura). Além disso, vale notar que
o tom civilizado que domina a política uruguaia hoje não caiu do céu. Foi
arduamente construído depois da redemocratização na década de 80 – e requer
cuidados constantes para ser preservado. Por exemplo, é comum ver políticos,
adversários ideológicos, cultivarem publicamente a amizade um do outro e
comparecerem na posse de seus rivais, servindo como exemplo para a sociedade.
Outra hipótese aponta para a distribuição de
renda e o funcionamento das instituições. Como o Banco Mundial avalia: “O
Uruguai se destaca na América Latina por ser uma sociedade igualitária, com
(..) baixos níveis de desigualdade”. Salienta ainda que “sua classe média é a
maior da América Latina, representando mais de 60% da população”. Brian Winter,
jornalista que viajou ao Uruguai em busca de lições que o país possa oferecer
aos outros, cita o sistema público de saúde, e seguro-desemprego e recursos para
o cuidado de crianças e idosos. Outro fator podem ser os baixos níveis de
corrupção, que explicam os índices mais elevados de confiança nas instituições
públicas.
Winter também relata a forma ativa com a qual
muitos uruguaios fazem parte da sociedade civil – clubes, partidos políticos,
movimentos sociais – assim fortalecendo a coesão e confiança social. Quando
morei, há 20 anos, em Montevidéu, um grupo de vizinhos me convenceu a
frequentar uma pelada semanal, apesar de eu alertá-los de que carecia de
habilidades básicas de futebol. Logo no primeiro encontro, perceberam que eu
não tinha exagerado. Mas, no espírito de inclusão, virei goleiro suplente, e
sempre fizeram questão de me colocar em campo no fim dos jogos, quando a
partida já estava decidida.
A principal lição que o Uruguai oferece,
portanto, talvez seja a de que superar a polarização não requer apenas uma
elite política moderada capaz de liderar pelo exemplo, mas também instituições
e políticas públicas que reduzam a demanda popular por líderes polarizadores.
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