Valor Econômico
Regime de emendas parlamentares não necessita apenas de transparência - ele deveria ser extinto
O Senado Federal deve concluir nesta semana a
votação de um novo regramento para a execução das emendas parlamentares ao
Orçamento. Trata-se de exigência do ministro Flávio Dino, que atendendo a um
pedido do Psol no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7697,
suspendeu a execução das dotações definidas por deputados e senadores, as
famosas emendas impositivas.
Na liminar concedida em 14 de agosto, Dino
estabeleceu a distinção entre “orçamento impositivo” - aquele no qual a
execução das despesas pelo governo federal deve seguir a destinação
estabelecida pelos congressistas - e “orçamento arbitrário”, regime que melhor
caracteriza a forma como as emendas vêm sendo cumpridas até hoje: “Incompatível
com a ordem constitucional a execução privada [do parlamentar autor da emenda]
e secreta do orçamento público”.
Embasando sua decisão em trabalhos de economistas como Marcos Mendes, Fabio Giambiagi, Paulo Hartung e Felipe Salto, Dino sustou a aplicação de recursos alocados por meio de emendas impositivas até que os poderes Executivo e Legislativo estabeleçam novos procedimentos para sua execução.
Entre os requisitos exigidos pelo relator da
ação no STF estão as totais transparência e rastreabilidade da origem e do
destino das verbas, além do devido planejamento dos gastos, com apresentação
prévia de plano de trabalho, cronograma de execução e outras garantias para a
efetiva entrega de bens e serviços para a sociedade.
Não estamos tratando de pouco dinheiro.
Atualmente deputados podem indicar gastos no volume de 1,55% da receita
corrente líquida (RCL) do ano anterior, enquanto os senadores têm o controle
sobre um adicional de 0,45%. Além disso, as bancadas de parlamentares em cada
Estado podem decidir onde aplicar outro 1% da RCL.
Em números concretos, estamos falando que os
513 deputados e os 81 senadores são senhores absolutos da destinação de R$ 37,6
bilhões neste ano - um montante muito expressivo para ser gasto sem
transparência, planejamento e controle pelos órgãos competentes e a sociedade.
Deputados e senadores sempre defenderam a
prerrogativa de determinarem onde o governo deveria ser despendido porque se
julgam os reais conhecedores das necessidades da população, visto estarem em
contato direto com suas bases eleitorais. A sociedade, porém, vem desmascarando
essa justificativa dos parlamentares, com abundância de dados e evidências.
Cito alguns.
Recentemente o Gife - Grupo de Institutos,
Fundações e Empresas, entidade que reúne mais de 170 entidades filantrópicas,
publicou um estudo mostrando que as emendas parlamentares não priorizam os
municípios com maiores carências na área de saúde. Localidades com índices mais
graves de mortalidade infantil, imunização e mortes por doenças crônicas não
transmissíveis são prejudicados na distribuição de recursos, sobretudo nas
regiões Norte e Nordeste do país.
Em junho passado, o movimento Transparência
Brasil se debruçou sobre 941 emendas utilizadas por 537 parlamentares para
transferir recursos diretamente para municípios e comprovou porque esse
mecanismo foi denominado pelos próprios parlamentares de “emendas Pix”. Os
técnicos concluíram que em 2024 foram gastos R$ 5,9 bilhões sem qualquer
informação sobre o destinatário do recurso, a área de aplicação ou o objeto no
qual os valores seriam gastos, num cenário perfeito para corrupção, políticas
públicas ineficazes e desequilíbrio nas disputas eleitorais.
Para piorar, levantamento de outra
organização, a Transparência Internacional, alerta que a prática das “emendas
Pix” vem se multiplicando perigosamente também em nível estadual. Segundo a
entidade, a prática já foi regulamentada por quase todas as Assembleias
Legislativas, com exceção dos estados do Ceará, Espírito Santo, Paraná e Rio
Grande do Sul.
Para atender à determinação da liminar do
ministro Flávio Dino, o Congresso apresentou uma proposta de lei complementar
para regular a aplicação dos recursos das emendas de bancada, de comissão e
individuais. A ideia geral é dar mais transparência ao processo e vincular a
destinação de valores a “projetos estruturantes” e a “ações de interesse
nacional ou regional”.
Melhora um pouco a situação atual, mas não
ataca a questão de fundo.
O problema das emendas impositivas não é
apenas falta de transparência. O ponto central é que ele é incompatível com o
sistema eleitoral brasileiro.
Deixar deputados decidirem o uso de dinheiro
público nos seus redutos eleitorais só faria sentido se tivéssemos um sistema
distrital. Nesse caso, se o parlamentar não sugerisse investimentos segundo a
prioridade dos eleitores do seu distrito, ele perderia a eleição seguinte.
Mas no sistema atual o parlamentar recebe
votos em todo o Estado. Seu incentivo maior, portanto, não é atender as
carências do eleitor local, mas pulverizar o dinheiro público em muitas
benfeitorias para lhe dar visibilidade - além de alimentar o caixa dois de
campanha em contratações superfaturadas para empresários amigos.
A transparência pode até melhorar com as
decisões do ministro Dino, mas o mau uso do dinheiro não vai ter fim.
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