segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Endurecimento na responsabilização das redes sociais - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet no Supremo Tribunal Federal, marcado para o dia 27 deste mês

A primeira repercussão concreta das bombas que explodiram na quarta-feira (13) na Praça dos Três Poderes, matando seu detonador, Francisco Wanderley Luiz, não deve se dar sobre a anistia pelos crimes do 8 de janeiro - que já foi adiada com a perspectiva de uma longínqua comissão especial na Câmara dos Deputados - mas, sim, sobre o julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet no Supremo Tribunal Federal, marcado para o dia 27 deste mês.

O ministro do STF, Alexandre de Moraes, revelou sua expectativa em relação aos reflexos das bombas sobre o tema. “Aqueles que defendem a democracia devem se unir para que haja uma responsabilização e uma regulamentação das redes sociais, não é mais possível esse envenenamento constante”, disse, ao comentar sua explosão na quinta-feira (14) no Conselho Nacional do Ministério Público. Além das mensagens veiculadas por Francisco Wanderley antes do atentado, o “envenenamento” a que se refere o ministro, pode ganhar outra dimensão com a decodificação do celular do homem-bomba que foi recolhido pela Polícia Federal.

A ausência de regulamentação não obriga as plataformas a repassar dados de usuários para ações coercitivas de agentes de segurança nem identificar ameaças por meio de palavras rastreáveis. A não ser por decisão judicial. Esta lacuna impediria a prevenção de crimes como o ocorrido na semana passada.

A regulamentação foi proposta pelo PL 2630, mais conhecido como PL das “fake news”, que pretende instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Aprovado no Senado em 2020, este PL tramita desde então na Câmara sob forte resistência bolsonarista. Nem mesmo os ataques do 8 de janeiro de 2023 foram capazes de empurrá-lo.

Entre os maiores interesses aliados às bancadas de direita e extrema-direita no Congresso na obstrução desta votação estão as grandes plataformas de redes sociais. Não querem ser responsabilizadas pela circulação de conteúdos que se enquadrem, entre outros crimes, naqueles que estão em jogo nos inquéritos do 8/1 e voltarão a estar neste das bombas: terrorismo e abolição violenta do estado de direito.

Com esta votação obstruída, o julgamento do dia 27 é a chance que se oferece para que se avance na regulamentação. O artigo 19 do Marco Civil da Internet é aquele que só permite a responsabilização civil de provedores de internet, sites e redes sociais se houver uma ordem judicial para remoção de conteúdo.

Estabelecido como uma salvaguarda pela liberdade de expressão, este artigo acabou dando guarida para a difusão das mensagens de ódio que fomentam a extrema-direita no mundo inteiro. Há três ações que tramitam no STF sobre o tema, em mãos dos ministros Edson Fachin, Luiz Fux e Dias Toffoli, que serão pautadas na mesma sessão.

O melhor dos mundos para ministros, como Alexandre de Moraes, que vem demandando a responsabilização das redes como único meio para conter a difusão das “fake news”, seria que o STF declarasse o artigo 19 inconstitucional. O mais provável, porém, é que a decisão acabe estabelecendo o “dever de cuidado” para as empresas, o que as obrigaria a adotar precauções, por exemplo, para que as mensagens veiculadas não induzam crimes, que a moderação de conteúdo seja efetiva e que haja meios para a denúncia de mensagens.

Ou seja, as plataformas não seriam responsabilizadas caso uma mensagem desobedeça a essas regras desde que estas, efetivamente, tenham sido adotadas. O que advogados que atuam na área apostam é que as bombas na Praça dos Três Poderes aumentaram o incentivo - e a legitimidade - para que se exijam regras mais amplas de prevenção a conteúdos indesejáveis como condição para manter a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet.

Paradoxalmente, a depender do resultado deste julgamento, a votação do PL das “fake news” pode acabar saindo da letargia. Se aqueles que sentaram em cima de sua tramitação entenderem que o julgamento foi mais duro do que se desejava, só a votação do PL poderia estabelecer, de maneira mais focada, as medidas a serem tomadas pelas plataformas contra a difusão de conteúdos indesejados e criminosos.

Ainda que pareça muito improvável que o PL volte a tramitar este ano, o julgamento do fim do mês oferece alguma blindagem contra a esperada ofensiva das “big techs” no mundo inteiro a partir da posse de Donald Trump na Casa Branca e da nova maioria republicana em ambas as Casas do Congresso americano. Era a expectativa desta nova ordem política nos EUA que vinha movendo o bolsonarismo até a eclosão das bombas na Praça dos Três Poderes.

Moraes e o dono do X, Elon Musk, protagonizaram, ao longo deste ano, uma batalha em torno da retirada de conteúdo golpista que terminou na capitulação da rede social com o pagamento das multas devidas. Agora Musk foi convidado por Trump a integrar seu governo num departamento a ser criado de “eficiência governamental”. Outro empresário da área de tecnologia, Vivek Ramaswawy, também vai para o governo. Além disso, espera-se que as grandes empresas do Vale do Silício - Apple, Google, Meta, Microsoft e Amazon - encontrem abertura neste governo para que não apenas seja desfeito o esforço de regulamentação do ambiente digital do governo Joe Biden como para que os EUA sejam mais coercitivos contra a regulamentação das redes em outros países.

Um comentário:

Anônimo disse...

O Julgamento vai ser vazio porque uma ordem federal norte-americana vai proibir e penalizar quem censurar a opinião nas Big tech
E o que se vai se decidir no dia 27 É se as Big tech irão fazer censura prévia sem precisar serem acionadas pela justiça
O STF/ TSE querem se eximir da culpa da censura que estão praticando
Esse assunto vai morrer no nascedouro ou será decisão vazia