Correio Braziliense
Eliminar a vergonha de
privilégios e vantagens que fazem a República democrática dar mais benefícios
aos seus dirigentes do que o Império oferecia a sua nobreza
Tem se fortalecido a ideia de que política é comunicação sem necessidade de conteúdo. O governo federal mudou o encarregado de sua comunicação sem qualquer reflexão sobre a falta de propostas novas e de alianças amplas. Outro exemplo de mudar a imagem sem mudar a substância foi cobrir os parlamentares com bonés para mostrar que cada um deles tem cabeça. Não houve esforço para que o sentimento de que faltam cabeças no Congresso fosse mudado graças a debates de ideias sobre os graves problemas que o país enfrenta.
Daqui a um mês, estaremos
completando quatro décadas de democracia, resultado das cabeças de centenas de
parlamentares liderados por Ulysses Guimarães. Na época, não havia necessidade
de usar bonés para passar o sentimento de que os parlamentares pensavam,
articulavam, convergiam e mudavam o país. Graças àquelas cabeças no Congresso,
o Brasil saiu pacificamente de 21 anos de ditadura, libertou os presos
políticos, trouxe os exilados, acabou a censura, fez uma nova Constituição. Os
atuais parlamentares precisam lembrar o que foi feito para transformar ditadura
em democracia, e criar rede de proteção social com o SUS, o Bolsa-Escola/Bolsa
Família/Auxílio Brasil/Bolsa Família, realizar dois impeachments, vencer o
vício de inflação.
No lugar de bonés, as atuais
cabeças que substituíram aquela geração precisam debater com o povo brasileiro
quais foram as conquistas do país nestas quatro décadas e o que não fizemos
neste período para construir um Brasil eficiente, justo, democrático, sustentável.
Pensar no que ainda não fizemos e no que fazer nos próximos anos. Debater por
que o Brasil continua preso à armadilha da renda média baixa, estagnada há
décadas. Formular caminhos para aumentar nossa produtividade e colocar a renda
per capita no padrão de países que nestes 40 anos nos ultrapassaram.
Enfrentar a guerra civil que
conflagra nossas ruas, especialmente nas grandes metrópoles. Equacionar a
questão militar para incorporar os militares no corpo das instituições
democráticas, no lugar de deixá-los como um poder separado que faz tremer todos
os oito presidentes civis. Parar a banalização da corrupção que a democracia
aumentou, trazer ética à política e, com isso, dar credibilidade e respeito aos
representantes eleitos. Quebrar a promiscuidade entre políticos, juízes,
sindicalistas, empresários com seus interesses misturados.
Eliminar a vergonha de
privilégios e vantagens que fazem a República democrática dar mais benefícios
aos seus dirigentes do que o Império oferecia a sua nobreza. Abolir a apartação
social que nos divide em condomínios e favelas, escolas senzala e escolas casa
grande. Adotar uma estratégia de distribuição que nos tire a vergonha do título
de campeões em concentração de renda. Entender o esgotamento do Estado e buscar
formas de compor os setores público e estatal, o planejamento e o
empreendedorismo, com responsabilidade fiscal.
Erradicar o analfabetismo
que se mantém no mesmo nível de 1985, acima de 10 milhões de adultos, por causa
do fracasso da democracia para promover a educação de nossas crianças com
excelência e equidade. Formular estratégia para implantar sistema educacional
com máxima qualidade e total equidade, independentemente da renda e do endereço
da criança. Definir estratégias para a abolição da pobreza, determinando um
prazo para que nossa população não mais dependa do assistencialismo por
transferências de renda sob a forma de bolsas. Assegurar estabilidade jurídica,
livrando o país do caos legislativo e judicial.
Em novembro, o Brasil vai
sediar a COP30 em um momento crítico para a humanidade. As cabeças do Congresso
precisam mostrar que, além de bonés por fora, usam o cérebro para retomar no
Senado a Comissão do Futuro, manter a Comissão do Meio Ambiente ativa e
concentrada na formulação de propostas do Brasil para o mundo. Pelos próximos
nove meses, o parlamento deve estar presente no debate sobre sugestões e
exemplos do Brasil para enfrentar os problemas mundiais. Debater o que devemos
levar ao mundo para evitar as mudanças climáticas que ocorrem e serão
agravadas. Tomar posição sobre a perda de credibilidade do Brasil no caso de
decidirmos explorar petróleo na margem equatorial da Amazônia.
O Congresso precisa debater
como, no atual cenário geopolítico-ecológico, devemos assumir a posição de
pedaço do mundo com seus êxitos e fracassos e com uma democracia de
parlamentares ativos. O Brasil precisa comemorar sua democracia fazendo-a
avançar social e economicamente com sustentabilidade, sem ilusões marqueteiras.
*Professor emérito da
Universidade de Brasília (UnB)
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