Alta dos gastos parafiscais alimenta incerteza
O Globo
Despesas fixas por fora do Orçamento deverão
dobrar ou triplicar neste ano, alcançando pelo menos 1% do PIB
A forte expansão do gasto público desde a volta do PT ao Planalto é responsável não apenas pelo aumento do endividamento público, mas também pela alta dos preços — apesar de a inflação de janeiro ter ficado em 0,16%, melhor resultado do mês desde o Plano Real, o acumulado em 12 meses continua acima da meta (4,56% ante 4,5%). Talvez esse seja o motivo mais evidente para o cidadão comum dar atenção ao desarranjo fiscal. Merecem especial atenção aquelas despesas que, apesar de crescentes e recorrentes, não entram oficialmente no Orçamento. Conhecidas como parafiscais, incluem o financiamento de políticas públicas por fundos estatais, sua exclusão dos cálculos do arcabouço fiscal, o incentivo artificial ao consumo pelos bancos públicos, investimentos de estatais ou aumento do crédito subsidiado pelo BNDES com fins e garantias duvidosos e toda sorte de “criatividade contábil”.
O total dessas despesas em 2024 é estimado
entre 0,3% e 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) — ante um
déficit primário oficial que ficou em 0,1%. Parece pouco, mas elas estão
crescendo e, neste ano, deverão somar pelo menos 1% do PIB, nas contas de
bancos e economistas. A última manobra para gastar fora das regras foi, de
acordo com o economista Marcos Mendes, uma mudança feita na lei em dezembro
para permitir à estatal Pré-Sal Petróleo (PPSA) ser remunerada por fora do
Orçamento. Dessa forma, o governo promoverá investimentos bilionários e se
comprometerá com gastos fixos, sem levá-los em conta no cálculo nas metas
fiscais. Quem entra no site da PPSA dá de cara com propaganda de concurso
público para 100 vagas.
O Congresso também tem contribuído para
ampliar os gastos parafiscais. O Pé-de-Meia é um promissor programa do
Ministério da Educação, de ajuda financeira a alunos do ensino médio. Mas, ao
criá-lo, os parlamentares estipularam que os novos gastos não estariam
submetidos às regras do arcabouço fiscal. Em 2023, o Tesouro Nacional
capitalizou um fundo para financiá-los. Ora, o fato de o Pé-de-Meia ou qualquer
outra iniciativa ser considerada essencial não significa que deva ser excluída
das regras fiscais. Ao contrário. Governar é escolher prioridades dispondo de
recursos limitados, e negar esse fato óbvio não passa de enganação. O resultado
os consumidores brasileiros já têm visto na hora de pagar a conta nos
supermercados.
De olho nas eleições do ano que vem, o
governo teima em manter a economia artificialmente acelerada, mesmo sabendo que
mais cedo do que tarde o prejuízo chegará. Caso o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva priorize objetivos eleitorais de curto prazo, o Banco Central será
obrigado a elevar mais os juros ou a deixá-los altos por mais tempo para
enfrentar a inflação — com impacto na dívida pública, cuja alta no atual
mandato é estimada em até 14 pontos percentuais do PIB. Quanto mais essa dívida
cresce, mais caro é financiá-la, e menos dinheiro sobra para programas
essenciais. Entre o ganho político imediato e o bem-estar futuro dos
brasileiros, o governo tem insistido na primeira opção. Mas, infelizmente, não
existe um universo paralelo em que se possa gastar à vontade com medidas
parafiscais sem semear o caos
Engajamento federal é crítico para deter
articulação internacional do crime
O Globo
Facção criminosa venezuelana avança no Norte
do Brasil, explorando tráfico em aliança com o PCC
O avanço da organização criminosa venezuelana
Tren de Aragua no Norte do Brasil é uma evidência preocupante da articulação
internacional do crime organizado. A quadrilha, classificada como “organização
terrorista estrangeira” pelo governo dos Estados Unidos, se aliou à facção
paulista Primeiro Comando da Capital (PCC) para explorar rotas do tráfico e
negócios ilegais na Amazônia.
A violência explodiu
no Norte com a ascensão do crime organizado local e a chegada de facções
criminosas do Sudeste, como o PCC e o Comando Vermelho. Hoje não apenas crimes
ambientais — como desmatamento, garimpo ilegal ou pesca predatória — preocupam
as autoridades, mas também o tráfico de drogas e toda atividade em torno dele.
A articulação entre esses diferentes crimes ficou clara no assassinato do
indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, que comoveu o
Brasil em 2022. Um dos principais acusados atuava no tráfico, na pesca e na
caça ilegais. A expansão da facção venezuelana impõe mais um desafio às
autoridades de segurança brasileiras, que não dão conta nem dos grupos
criminosos nacionais.
As estratégias do Tren de Aragua não diferem
muito do modo de agir das facções criminosas brasileiras. Documentos da Polícia
Civil e do Ministério Público a que O GLOBO teve acesso expõem os métodos
violentos para invadir territórios e executar rivais. Em janeiro, foi
descoberto em Boa Vista, Roraima, um cemitério
clandestino com dez corpos. A polícia suspeita que eram rivais da facção
venezuelana. Afirma que ela já controla o tráfico de drogas em pelo menos cinco
bairros da cidade e atua também em Manaus e municípios na fronteira do
Amazonas. Em Roraima, diz a polícia, os traficantes venezuelanos já têm impacto
nos indicadores de violência. Entre 2011 e 2023, o número de assassinatos no
estado aumentou de 60 para 177, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança
Pública.
A polícia aponta como líderes da organização
no Brasil os irmãos Antonio e Daniel Cabrera, que estão presos, acusados de
tráfico, homicídio e de negociar a compra de armas para a quadrilha. Os
criminosos não têm dificuldades para encontrar mão de obra para seus negócios
ilegais. Imigrantes venezuelanos em situação de vulnerabilidade costumam ser
alvos da organização. Entre 2015 e 2024, mais de 568 mil venezuelanos entraram
no país como refugiados. Brasileiros também são aliciados para atividades como
tráfico, garimpo clandestino e exploração sexual.
Lamentavelmente, a Amazônia vai aos poucos se tornando um paraíso para as organizações criminosas, que prosperam onde não há repressão. É preciso que União e estados as combatam urgentemente. Não se pode permitir que territórios da floresta sejam sequestrados pelo crime, como acontece, por omissão do Estado, em comunidades de todo o país. A articulação internacional é mais uma evidência de que tal situação só poderá ser revertida com engajamento concreto do governo federal no combate ao crime organizado.
Governo pode emitir sinais para ajudar a
arrefecer a inflação
Valor Econômico
Não é preciso nem uma recessão nem um arrocho
extraordinário nas contas públicas para que o IPCA caia
A inflação em janeiro foi a menor do Plano
Real, 0,16%, mas um índice mensal apenas não conta a história toda. Há sinais
de piora na evolução dos preços, mas também indícios positivos. Entre os
primeiros, a inflação de serviços e seus núcleos pioraram em 12 meses. Por
outro lado, os preços monitorados estão abaixo da média de 4,56% do IPCA em um
ano, e a alimentação, que continua pressionando o índice, recuou, embora
mantenha-se elevada, em 7,45%. No entanto, suas maiores altas em janeiro
ocorreram em itens da produção doméstica, com preços também formados
internamente, que carregam consigo a sazonalidade.
As projeções privadas de inflação continuaram
subindo, segundo o boletim Focus. Em um mês, avançaram de 5% para 5,58%, com
viés de alta. Para 2026, a mesma coisa: foram de 4% para 4,3%. O IPCA está
sendo empurrado para cima por três fatores principais. O clima encolheu a
produção agrícola, elevando os preços de vários alimentos. A disparada do dólar
piorou os preços dos bens vindos do campo que têm cotação internacional, como
soja, milho e, principalmente, carnes. O dólar mais caro também pressionou os bens
industriais, que estavam inertes, com inflação perto de zero, levando-a para
perto de 3% em 2024, ainda assim abaixo da meta. A demanda, aquecida por gastos
públicos, aumentou salários, empregos e capacidade de consumo, contribuindo
para a subida dos preços.
O retrato dos preços de 2024, quando
estouraram a meta, teve continuidade em janeiro. O IPCA de 0,16%, inferior aos
0,52% de dezembro, situou-se acima da expectativa do Banco Central, de deflação
de 0,08%, assim como a inflação em 12 meses, estimada em 4,37%, mas com 4,56%
registrados. No entanto, no intervalo de 12 meses, o IPCA agora é praticamente
o mesmo de janeiro de 2024, 4,51%. Os núcleos de inflação calculados pela MCM
Consultores subiram, aumentando o resultado em 12 meses de 4,34% para 4,54%.
Um dos termômetros mais acurados do calor da
demanda, a evolução dos preços dos serviços subjacentes, também acusou alta no
ano encerrado em janeiro, aumentando de 5,84% em dezembro para 5,95%. Há pouco
menos de seis meses, estava abaixo de 5%. Sem que tenha um recuo expressivo, o
que só ocorrerá com algum esfriamento da economia, dificilmente o IPCA
caminhará para 3%.
A alta dos serviços vinha sendo parcialmente
compensada até o terceiro trimestre pelo comportamento dos bens industriais,
mas esses passaram a subir a um ritmo anual de 3% quando o dólar deu seu
segundo salto anual a partir do fim de novembro. Com uma megadesvalorização de
27%, a pressão de custos sobre produtos industriais começou a ser repassada ao
consumo. Esse processo não terminou, mas pode ter sido interrompido ou
parcialmente revertido pelo recuo da moeda americana no início do ano - até
ontem caía 7%.
O IPCA de janeiro, o menor para o mês desde o
Plano Real, manteve-se no espectro das expectativas ruins. Mas seu índice
gêmeo, o INPC, que apura a variação de preços de bens para quem tem renda até
cinco salários mínimos, nada variou, e em 12 meses recuou para 4,17%. No IPCA,
o impacto dos alimentos recuou de 0,25 para 0,21 ponto percentual. Com exceção
de saúde e transportes, os demais setores variaram perto do zero ou abaixo
dele. Os reajustes das passagens de ônibus em várias capitais e de planos de saúde,
sazonais, impediram a deflação no primeiro mês do ano. O resultado do mês foi
possível principalmente graças ao bônus de Itaipu, que reduziu as tarifas de
energia e trouxe deflação aos gastos com habitação.
Os preços da alimentação fora do domicílio
ficaram mais comedidos. Em um ano, essa inflação caiu de 8,22% para 7,44%,
segundo cálculos da MCM Consultores. A pressão parece estar se deslocando de
bens cujas cotações são dadas em dólar pelos mercados internacionais (café,
soja, carnes) para os de produção doméstica. Abobrinha, pepino, tomate, cenoura
apresentaram altas de até 40%, enquanto as carnes aumentaram 0,36% na média.
Mas arroz, leite, óleo de soja, feijão preto e carioca, milho e batata, de
consumo generalizado, tiveram queda de preço em janeiro. Isso sugere que a
proximidade de uma safra maior poderá ter uma influência positiva sobre as
expectativas do custo da comida.
Os preços dos alimentos se tornaram uma
questão política depois da piora de avaliação do governo Lula. Mas pelos
índices oficiais, o governo Bolsonaro foi pior neste ponto. Nos dois últimos
anos de sua gestão, os alimentos aumentaram 7,94% (2021) e 11,64% (2022). Nos
dois primeiros de Lula, subiram 1,03% (2023) e 7,69% (2024).
A inflação continuará penalizando os pobres e causando estragos na popularidade do governo enquanto ele não esfriar o consumo, hoje mais elevado do que a capacidade produtiva para atendê-lo. Não é preciso nem uma recessão nem um arrocho extraordinário nas contas públicas para que o IPCA caia. A busca de superávit primário neste ano e a sinalização de que ele será gradativamente crescente no futuro podem fazer o serviço.
É preciso reagir a tarifas de Trump com
pragmatismo
Folha de S. Paulo
Não se sabe se tributo sobre aço e alumínio
será negociável; Brasil não deve retaliar, mas buscar alternativas aos EUA
O governo de Donald Trump deu
início a uma guerra
comercial da qual não se conhecem amplitude, duração, profundidade e
objetivos.
Não se sabe, para início de conversa, se os
primeiros aumentos de tarifas
de alcance internacional generalizado, sobre aço e alumínio, serão
implementados de modo inflexível ou estarão sujeitos a negociações, como em
2018 —e, em caso da possibilidade de diálogo, tendo em vista quais interesses
americanos.
As decisões são erráticas. Seus alvos não
parecem exprimir política coerente, nem segundo os termos de Trump. A China, adversária
maior, foi até agora relativamente poupada. Pesa sob México e Canadá, vizinhos
e aliados confiáveis de uma área de livre comércio, a
ameaça de tarifas ainda maiores.
O republicano afirmou, além do mais, que em
breve anunciará mais tributos sobre importações, a serem fixados de acordo com
uma regra de reciprocidade. Em abril, estariam concluídos estudos que, segundo
o governo americano, orientariam outras ações das relações econômicas externas
do país.
Tal cenário já recomendaria ao Brasil cautela
e tentativa obstinada de negociação, orientada por objetivos de médio prazo.
Uma possível extensão do conflito comercial pelo mundo deve ser considerada.
Produtos que talvez não cheguem mais ao mercado americano podem ser desviados
para outros destinos, afetando transações, alianças e acordos diplomáticos
brasileiros.
Uma atitude a evitar o quanto possível é se
engajar em uma guerra comercial, no sentido de impor tarifas a produtos
americanos —a não ser em última instância, em casos muito específicos e
estratégicos. Melhor manter tal possibilidade como instrumento de negociação.
Impostos de importação maiores vão afetar
preços e produção nacional, talvez até a possibilidade de exportação de bens
que dependem de insumos externos.
A negociação deve envolver também empresas
brasileiras e americanas, por vezes ligadas à mesma matriz. O objetivo é
demonstrar que acordos são mutuamente benéficos, como costuma ser o caso do
comércio.
Bravatas
de "reciprocidade" na imposição de tarifas são nocivas
política e comercialmente. Mais do que nunca, não há sabedoria no estardalhaço.
Uma guerra tarifária disseminada afetará as
relações econômicas do Brasil com o mundo inteiro. Desde já, o governo precisa
estabelecer diálogos para emergências, alianças e novos acordos a fim de lidar
com o impacto de uma possível redução das exportações para os EUA.
A retaliação generalizada seria uma vitória
da política truculenta de Donald Trump. Mais do que se abster de tal atitude,
no seu interesse particular e imediato, o Brasil deve usar sua habilidade
diplomática e encontrar aliados dispostos a conter os estragos que podem ser
causados pela maior potência global.
Disputa acirrada no Equador instável e
violento
Folha de S. Paulo
Noboa e Gonzáles ficam quase empatados no
primeiro turno; futuro mandatário precis
No domingo (9), os equatorianos foram às
urnas pela terceira vez em quatro anos, o que por si só indica um cenário tenso
e instável. De fato, desde 2019, o país já passou por ondas de protestos, dois
processos de impeachment,
dissolução do Parlamento, um candidato à Presidência assassinado e decretos de
estado de exceção.
O presidente e candidato de centro-direita,
Daniel Noboa, chegou ao poder em novembro de 2023 por meio de eleições antecipadas
convocadas por Guillermo Lasso, ex-mandatário que interrompeu
o próprio impeachment com a manobra.
Sua opositora, a advogada e ex-deputada Luisa
González, tem como padrinho político o esquerdista Rafael Correa, que governou
o Equador de
2007 a 2017, foi condenado por corrupção e atualmente vive na Bélgica.
A disputa foi apertada e irá ao 2º turno em
abril. Com mais de 96% das urnas apuradas até terça (11), Noboa teve 44,15% dos
votos válidos, e González, 43,95%.
Somada à instabilidade política, a escalada
inaudita de violência será
um desafio para o próximo presidente. Com o acordo entre o governo colombiano e
as Forças Armadas Revolucionárias (Farc) em 2016, facções dissidentes se
espalharam pela região, incitando conflitos sangrentos com cartéis e gangues no
Equador.
De 2016 a 2022, a taxa de homicídios saltou
de 6 por 100 mil habitantes para 26/100 mil, segundo o Instituto
Internacional de Estudos Estratégicos do Reino Unido.
Dados oficiais do governo indicam 38/100 mil assassinatos em 2024 —pequena
queda em relação ao ano anterior (47/100 mil).
Noboa implantou uma política linha dura, com
militarização da segurança e sucessivos decretos de estado de exceção, que não
tem conseguido conter de modo significativo o morticínio e ainda tem gerado
denúncias de infrações dos direitos
humanos.
O pendor autoritário de Noboa se manifestou
no pleito, que foi pacífico. Segundo a oposição, ele infringiu a lei eleitoral
ao não se licenciar do cargo de presidente para participar da disputa. Já o
candidato denunciou,
sem provas, supostas irregularidades na contagem dos votos.
Além da polarização baseada em populismos,
fenômeno que se verifica em outros países da América
Latina, o Equador vive um momento de fragilidade institucional, o que é
temerário para sua democracia.
Espera-se que, até abril, os postulantes
apresentem propostas concretas para os problemas que afligem a população. E,
depois, que o vencedor atue para acalmar os ânimos do cenário político.
É hora de negociar
O Estado de S. Paulo
Tarifa imposta por Trump à importação de aço
e alumínio tende a deflagrar uma guerra comercial, mas Brasil não é o alvo dos
EUA; melhor política para o governo brasileiro é a negociação
A ofensiva protecionista de Donald Trump com
a taxação em 25% do aço e do alumínio importados tende a deflagrar uma guerra
comercial global, como já demonstram reações de líderes da União Europeia e do
Canadá que ameaçam revidar com o que está sendo classificado de “contramedidas
proporcionais”. O alvo da artilharia de Trump é amplo e indefinido, vale para
“todos os países, não importa de onde venham (os produtos importados)”, como
fez questão de frisar.
O Brasil, segundo maior exportador de aço
para os EUA, para onde enviou no ano passado quase 4,5 milhões de toneladas
líquidas – atrás apenas do Canadá, de acordo com ranking de 2024 do American
Iron and Steel Institute (Instituto Americano de Ferro e Aço) –, optou, ao
menos neste início explosivo da gestão trumpista, pela cautela e discrição.
Trata-se de uma escolha prudente diante do quadro que está sendo desenhado, no
qual o País não é alvo direto dos EUA e mantém com o mercado norte-americano
uma pauta comercial bastante diversificada.
Além disso, como lembrou o pesquisador
associado do FGV Ibre Samuel Pessôa, o Brasil tem taxas de importação que, em
média, já são elevadas, o que limita sua capacidade de retaliação. “O melhor a
fazer é ficarmos quietos”, recomendou, em entrevista à Globonews. Felizmente,
esta parece ser a estratégia do governo até o momento. Na primeira manifestação
oficial sobre o tema, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha,
disse que o Brasil não estimula e nem entrará em uma guerra comercial.
O diabo é conter a sanha inerente ao
lulopetismo, com correntes que já defendem abertamente a prática de
reciprocidade para os arroubos de Trump. De acordo com a Coluna do Estadão,
esta tem sido, nos bastidores, a posição do assessor para Assuntos
Internacionais da Presidência, Celso Amorim. Ao portal UOL, Amorim deu uma
declaração ao mesmo tempo tranquilizadora e preocupante, em sua dúbia defesa da
negociação com os EUA. “Uma guerra comercial não interessa a ninguém, mas não
podemos ser totalmente passivos”, afirmou.
Levando em conta a forte ascendência do
ex-chanceler sobre Lula da Silva, afirmações como essa, do tipo “uma no cravo,
outra na ferradura”, causam mais apreensão do que as bravatas do líder do PT na
Câmara, Lindbergh Farias (RJ), um dos defensores de que o Brasil revide com
taxação das big techs americanas. Melhor conduzir com mais cuidado
esse andor. Comércio exterior é um terreno delicado, que exige, antes de tudo,
diplomacia. Priorizar a participação do Itamaraty e do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços neste debate é fundamental,
caso o País pretenda tirar proveito da situação caótica criada pelos EUA.
Numa guerra comercial, como a que parece
estar sendo contratada por um raivoso, teatral e imprevisível Trump, as
dificuldades de realocação das vendas externas de aço serão ainda maiores
diante da crise imobiliária da China e da recessão na Alemanha, por exemplo.
Tampouco a economia dos EUA tende a ganhar com o estreitamento de seu mercado a
produtos externos. Ao contrário, as estimativas são de um impulso inflacionário
da economia norte-americana, diante do encarecimento dos insumos. Elevar o
custo de matérias-primas como aço e alumínio afeta toda a cadeia produtiva, por
exemplo, de automóveis, eletrodomésticos, embalagens e construção civil.
Em seu primeiro mandato, Trump também impôs
tarifas de 25% sobre o aço e de 10% sobre o alumínio, mas acabou negociando
cotas para grandes fornecedores como Canadá, México e Brasil. Em entrevista
ao Estadão, Rubens Barbosa, que foi embaixador do Brasil em Washington
(1999-2004), argumenta que o Brasil está bem posicionado para uma negociação
por ser deficitário no comércio bilateral com os EUA. Trump indicou, repetidas
vezes, ter sua mira voltada a países em situação de vantagem com os EUA.
Canadá, México e China, que ampliaram a diferença entre suas exportações e
importações de produtos norte-americanos, seriam o alvo principal. Ao Brasil,
cabe seguir no caminho do pragmatismo e negociar em defesa dos interesses
nacionais.
O ministro que falou demais
O Estado de S. Paulo
Wellington Dias aventa possibilidade de
reajuste do Bolsa Família e é desautorizado pela Casa Civil, mas histórico do
governo e estimativas do programa cercam de dúvidas o desmentido
A desautorização curta, seca e taxativa do
ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome,
Wellington Dias, pela Casa Civil, a propósito da possibilidade de reajuste do
benefício do Bolsa Família, é sintoma típico de um governo que bate cabeça. Na
busca por soluções milagrosas que, ao mesmo tempo, façam sumir os efeitos
deletérios da inflação e resgatem a popularidade perdida pelo presidente Lula
da Silva, ideias surgem em profusão. Mas, como não existe milagre para
recolocar a economia nos trilhos, o resultado é, quase sempre, desastroso. Foi
este o caso, mais uma vez.
Em entrevista recente à Deutsche Welle,
Dias afirmou que o reajuste do benefício “está na mesa” e que a decisão seria
tomada “até o fim de março”. Ao portal, o ministro informou que sua pasta está
preparando um relatório sobre o Bolsa Família. “Temos que manter (o benefício
no piso de) 40 dólares, que é o padrão internacional para o consumo. Nisso
haverá pouca alteração. O problema é o preço dos alimentos, que teve essa
elevação brusca do fim do ano passado para cá”, disse o ministro.
Em sua lógica, uma alteração no Bolsa Família
contribuiria para suavizar o impacto da inflação sobre a população mais pobre.
“Será um ajuste? Será um complemento na alimentação?”, comentou Dias, dizendo
que a decisão seria tomada “dialogando com o presidente”. A repercussão
imediata foi o lacônico comunicado da Casa Civil, negando estudos sobre o
assunto e afirmando que o tema “não está na pauta do governo e não será
discutido”. Na sequência, um comunicado do próprio Wellington Dias desmentiu a
informação, com o cuidado de frisar que o ministério está comprometido com a
responsabilidade fiscal.
Diante da avidez com que o governo busca
fórmulas que reacendam a aura de Lula da Silva até as eleições de 2026, não
parece inverossímil que o assunto tenha sido, de fato, colocado à mesa. Ainda
mais porque a medida provisória que criou, em março de 2023, o “novo Bolsa
Família” – em substituição ao programa do governo Bolsonaro, rebatizado de
Auxílio Brasil – fixava prazo de dois anos para reajustar os valores dos
benefícios e a linha de corte de quem é elegível ao programa. Não parece ser
por acaso que o prazo estabelecido pela proposta e a declaração do ministro
coincidam.
Na época, o Ministério do Desenvolvimento e
Assistência Social, Família e Combate à Fome chegou a informar que a intenção
era a de que as famílias beneficiárias não ficassem mais de 24 meses sem
atualização no benefício para evitar que a inflação viesse a corroer o poder de
compra. O Bolsa Família é a vitrine dos programas sociais de governos petistas
e funciona como uma espécie de passaporte eleitoral. Mas, por óbvio, o custo
precisa caber no cobertor curto do Orçamento anual do governo.
Elevar o valor do benefício para combater os
efeitos da inflação, no entanto, é um contrassenso. Atacar as consequências –
em vez das causas da inflação – não resolve o problema. O governo sabe que a
forma de contribuir para estabilizar os preços é, em primeiro lugar, equilibrar
o Orçamento público, sem artifícios ou espertezas, como tem sido visto no
expurgo de gastos de políticas expansionistas da contabilidade federal.
Na mesma entrevista ao portal alemão, Dias,
um petista histórico, relativizou com notável naturalidade o estouro da meta de
inflação no ano passado. “Se a meta era 4,5% e fechamos em 4,8%, ficamos
praticamente na meta, né?”, disse o ministro, atribuindo a ataques
especulativos o descontrole cambial e criticando a reação do Banco Central,
que, com a alta de juros, estaria “fazendo o contrário do seu papel”.
É provável que a confusão criada por
Wellington Dias ao alimentar as expectativas dos beneficiários do Bolsa
Família, além de provocar uma súbita queda da Bolsa e um aumento do dólar,
tenha se instalado não pelo que disse, e sim por tê-lo dito. Não foi a primeira
tampouco será a última vez que um governo sem foco programático e movido única
e exclusivamente pelo ímpeto de Lula da Silva em se reeleger cometerá
trapalhadas desse tipo.
Casuísmo sem disfarce
O Estado de S. Paulo
Projeto que reduz a inelegibilidade de
condenados pela Justiça visa a apenas proteger Jair Bolsonaro
Autor do projeto que busca reduzir o tempo de
inelegibilidade de políticos condenados pela Justiça, o deputado federal Bibo
Nunes (PL-RS) não hesitou em exibir a natureza sabuja de suas intenções. Em
suas redes sociais, o deputado postou foto em que aparece reunido com o
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e explicitou o tema da conversa: oito anos de
inelegibilidade, exigência atual da lei, “é tempo que permite muita injustiça”,
segundo palavras do parlamentar. A imagem, contudo, é tão explícita quanto a
legenda da foto, pois nela fica evidente o servilismo a que Bibo Nunes se
submete – um deputado do baixo clero com posição à mesa de quem presta contas
ao cardeal, decerto reafirmando ao chefe a necessidade de alteração da lei para
reduzir sua inelegibilidade de oito para dois anos e, assim, garantir que o
ex-presidente dispute a eleição em 2026.
O encontro foi só mais um adorno a uma já
intensa festa de articulações e declarações em prol do retorno de Bolsonaro às
urnas. Dois dias antes do convescote do ex-presidente com o autor do projeto
que pode beneficiá-lo, foi o próprio Hugo Motta (Republicanos-PB),
recém-empossado presidente da Câmara, quem declarou: “Oito anos são quatro
eleições, é um tempo extenso na minha avaliação”. Abriu, assim, a porta do
Congresso para discutir uma providencial mudança na Lei da Ficha Limpa.
Ressalve-se que o projeto em questão dá nova redação a um dispositivo da Lei
das Inelegibilidades, que, por sua vez, foi alterada pela Lei da Ficha Limpa.
Logo, na prática, o projeto incide também sobre a Ficha Limpa.
Bolsonaro está inelegível até 2030, condenado
por abuso de poder político e econômico e uso indevido dos meios de
comunicação. Agora, sua inelegibilidade corre o risco de ir às calendas, a
prevalecer a desfaçatez, pelo casuísmo explícito de bolsonaristas. Indiciado
pela Polícia Federal pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de
abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa, o
ex-presidente pode ficar inelegível por muito mais tempo caso seja processado e
condenado – além da pena de prisão cominada àqueles delitos. Ademais, a
constitucionalidade de uma eventual alteração pelo Congresso deverá ser
avaliada pelo Supremo Tribunal Federal. São fatores que tornam complexo o
destino político de Bolsonaro.
Pelo sim, pelo não, seus aliados trabalham como podem para salvá-lo. Sabem que, na pior das hipóteses, podem instaurar fatores de instabilidade que beneficiem Bolsonaro, repetindo o exemplo dos rábulas petistas que, em 2018, tentaram, até o limite, embaralhar a interpretação da legislação com chicanas que assegurariam a permanência de Lula da Silva na disputa daquele ano. A lógica é a mesma: arrastar as indefinições, garantir a presença do ex-presidente nas urnas e, se ele for vitorioso, emparedar a Justiça Eleitoral. A marotagem petista não funcionou à época. Espera-se que a reedição bolsonarista também não.
Nova exploração de petróleo pede debate
Correio Braziliense
Lula reconhece o impacto positivo que a nova
exploração representaria para o Brasil economicamente, mas lamenta o risco
ambiental
A pauta da vez que polariza as áreas
econômica e ambiental do governo federal envolve a procura por petróleo na
chamada Margem Equatorial, a área que compreende cinco bacias sedimentares do
litoral do Rio Grande do Norte até o Amapá. Após a descoberta da matéria-prima
dos combustíveis fósseis em países vizinhos, como Suriname e Guiana, a
Petrobras acredita que essa faixa geográfica pode guardar jazidas do ouro negro
em quantidade suficiente para ampliar a independência energética brasileira,
além de aumentar exportação.
Por um lado, a estatal quer um novo
território para chamar de seu, ante a inevitável redução da exploração no
pré-sal a partir da próxima década. Por outro, porém, está o Ibama e os
ambientalistas, que temem o tamanho do impacto trazido por esse empreendimento
à Margem Equatorial, principalmente pela vegetação do manguezal que circunda a
área. Na biologia, esse tipo de ecossistema é conhecido como berçário,
justamente por ser ali o início da vida de boa parte dos animais
marinhos.
Contexto dado, os bastidores de Brasília
indicam que o lado econômico tende a vencer a queda de braço. A expectativa é
de que a licença saia em breve. O exemplo da Guiana serve como paralelo, apesar
da realidade completamente diferente, em todos os sentidos, do país vizinho. A
ex-colônia britânica viu seu PIB saltar 44% em 2023, recorde mundial. O reflexo
no Brasil, evidentemente, seria numericamente menor, mas, ainda assim,
suficiente para criar empregos e transformar a economia de uma região historicamente
abalada pela desigualdade.
Nos bastidores, a disputa também coloca duas
figuras importantes do governo Lula em conflito: o ministro de Minas e Energia,
Alexandre Silveira, e a chefe do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, Marina
Silva. Publicamente, ele aposta que o licenciamento para a operação sairá ainda
neste ano, uma vez que a Petrobras "cumpriu todas as exigências" do
Ibama. Ela, no entanto, garante que não tem influência sobre o empreendimento,
pois a decisão é de caráter técnico.
Dono da caneta, Lula teme o potencial dano
para a imagem do seu governo. Ele reconhece o impacto positivo que a nova
exploração representaria para o Brasil economicamente, mas lamenta o risco
ambiental, sobretudo em um momento no qual o país se coloca como líder da
agenda sustentável. "É contraditório? É, porque nós estamos apostando
muito na transição energética. Ora, enquanto a transição energética não resolve
o nosso problema, o Brasil tem que ganhar dinheiro com esse petróleo",
disse no ano passado.
Com tudo posto à mesa, o Brasil precisa
discutir a questão com toda cautela que ela merece. A exploração de combustível
não renovável traz reflexos importantes para a posição do país como líder
ecológico, principalmente em um terreno preparado, nos últimos meses, para
receber a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a
COP30, em Belém, justamente nas proximidades da Margem Equatorial.
O Brasil, como dono de uma das matrizes
energéticas mais renováveis do mundo, precisa dar exemplo como líder da agenda
sustentável. Ainda assim, o prato oposto da balança pesa consideravelmente,
sobretudo em um cenário de pouca tração do mercado de carros elétricos no país,
diante do alto custo envolvido para aquisição desses veículos.
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