quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Alta dos gastos parafiscais alimenta incerteza

O Globo

Despesas fixas por fora do Orçamento deverão dobrar ou triplicar neste ano, alcançando pelo menos 1% do PIB

A forte expansão do gasto público desde a volta do PT ao Planalto é responsável não apenas pelo aumento do endividamento público, mas também pela alta dos preços — apesar de a inflação de janeiro ter ficado em 0,16%, melhor resultado do mês desde o Plano Real, o acumulado em 12 meses continua acima da meta (4,56% ante 4,5%). Talvez esse seja o motivo mais evidente para o cidadão comum dar atenção ao desarranjo fiscal. Merecem especial atenção aquelas despesas que, apesar de crescentes e recorrentes, não entram oficialmente no Orçamento. Conhecidas como parafiscais, incluem o financiamento de políticas públicas por fundos estatais, sua exclusão dos cálculos do arcabouço fiscal, o incentivo artificial ao consumo pelos bancos públicos, investimentos de estatais ou aumento do crédito subsidiado pelo BNDES com fins e garantias duvidosos e toda sorte de “criatividade contábil”.

O total dessas despesas em 2024 é estimado entre 0,3% e 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) — ante um déficit primário oficial que ficou em 0,1%. Parece pouco, mas elas estão crescendo e, neste ano, deverão somar pelo menos 1% do PIB, nas contas de bancos e economistas. A última manobra para gastar fora das regras foi, de acordo com o economista Marcos Mendes, uma mudança feita na lei em dezembro para permitir à estatal Pré-Sal Petróleo (PPSA) ser remunerada por fora do Orçamento. Dessa forma, o governo promoverá investimentos bilionários e se comprometerá com gastos fixos, sem levá-los em conta no cálculo nas metas fiscais. Quem entra no site da PPSA dá de cara com propaganda de concurso público para 100 vagas.

O Congresso também tem contribuído para ampliar os gastos parafiscais. O Pé-de-Meia é um promissor programa do Ministério da Educação, de ajuda financeira a alunos do ensino médio. Mas, ao criá-lo, os parlamentares estipularam que os novos gastos não estariam submetidos às regras do arcabouço fiscal. Em 2023, o Tesouro Nacional capitalizou um fundo para financiá-los. Ora, o fato de o Pé-de-Meia ou qualquer outra iniciativa ser considerada essencial não significa que deva ser excluída das regras fiscais. Ao contrário. Governar é escolher prioridades dispondo de recursos limitados, e negar esse fato óbvio não passa de enganação. O resultado os consumidores brasileiros já têm visto na hora de pagar a conta nos supermercados.

De olho nas eleições do ano que vem, o governo teima em manter a economia artificialmente acelerada, mesmo sabendo que mais cedo do que tarde o prejuízo chegará. Caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva priorize objetivos eleitorais de curto prazo, o Banco Central será obrigado a elevar mais os juros ou a deixá-los altos por mais tempo para enfrentar a inflação — com impacto na dívida pública, cuja alta no atual mandato é estimada em até 14 pontos percentuais do PIB. Quanto mais essa dívida cresce, mais caro é financiá-la, e menos dinheiro sobra para programas essenciais. Entre o ganho político imediato e o bem-estar futuro dos brasileiros, o governo tem insistido na primeira opção. Mas, infelizmente, não existe um universo paralelo em que se possa gastar à vontade com medidas parafiscais sem semear o caos

Engajamento federal é crítico para deter articulação internacional do crime

O Globo

Facção criminosa venezuelana avança no Norte do Brasil, explorando tráfico em aliança com o PCC

O avanço da organização criminosa venezuelana Tren de Aragua no Norte do Brasil é uma evidência preocupante da articulação internacional do crime organizado. A quadrilha, classificada como “organização terrorista estrangeira” pelo governo dos Estados Unidos, se aliou à facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC) para explorar rotas do tráfico e negócios ilegais na Amazônia.

violência explodiu no Norte com a ascensão do crime organizado local e a chegada de facções criminosas do Sudeste, como o PCC e o Comando Vermelho. Hoje não apenas crimes ambientais — como desmatamento, garimpo ilegal ou pesca predatória — preocupam as autoridades, mas também o tráfico de drogas e toda atividade em torno dele. A articulação entre esses diferentes crimes ficou clara no assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, que comoveu o Brasil em 2022. Um dos principais acusados atuava no tráfico, na pesca e na caça ilegais. A expansão da facção venezuelana impõe mais um desafio às autoridades de segurança brasileiras, que não dão conta nem dos grupos criminosos nacionais.

As estratégias do Tren de Aragua não diferem muito do modo de agir das facções criminosas brasileiras. Documentos da Polícia Civil e do Ministério Público a que O GLOBO teve acesso expõem os métodos violentos para invadir territórios e executar rivais. Em janeiro, foi descoberto em Boa Vista, Roraima, um cemitério clandestino com dez corpos. A polícia suspeita que eram rivais da facção venezuelana. Afirma que ela já controla o tráfico de drogas em pelo menos cinco bairros da cidade e atua também em Manaus e municípios na fronteira do Amazonas. Em Roraima, diz a polícia, os traficantes venezuelanos já têm impacto nos indicadores de violência. Entre 2011 e 2023, o número de assassinatos no estado aumentou de 60 para 177, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

A polícia aponta como líderes da organização no Brasil os irmãos Antonio e Daniel Cabrera, que estão presos, acusados de tráfico, homicídio e de negociar a compra de armas para a quadrilha. Os criminosos não têm dificuldades para encontrar mão de obra para seus negócios ilegais. Imigrantes venezuelanos em situação de vulnerabilidade costumam ser alvos da organização. Entre 2015 e 2024, mais de 568 mil venezuelanos entraram no país como refugiados. Brasileiros também são aliciados para atividades como tráfico, garimpo clandestino e exploração sexual.

Lamentavelmente, a Amazônia vai aos poucos se tornando um paraíso para as organizações criminosas, que prosperam onde não há repressão. É preciso que União e estados as combatam urgentemente. Não se pode permitir que territórios da floresta sejam sequestrados pelo crime, como acontece, por omissão do Estado, em comunidades de todo o país. A articulação internacional é mais uma evidência de que tal situação só poderá ser revertida com engajamento concreto do governo federal no combate ao crime organizado.

Governo pode emitir sinais para ajudar a arrefecer a inflação

Valor Econômico

Não é preciso nem uma recessão nem um arrocho extraordinário nas contas públicas para que o IPCA caia

A inflação em janeiro foi a menor do Plano Real, 0,16%, mas um índice mensal apenas não conta a história toda. Há sinais de piora na evolução dos preços, mas também indícios positivos. Entre os primeiros, a inflação de serviços e seus núcleos pioraram em 12 meses. Por outro lado, os preços monitorados estão abaixo da média de 4,56% do IPCA em um ano, e a alimentação, que continua pressionando o índice, recuou, embora mantenha-se elevada, em 7,45%. No entanto, suas maiores altas em janeiro ocorreram em itens da produção doméstica, com preços também formados internamente, que carregam consigo a sazonalidade.

As projeções privadas de inflação continuaram subindo, segundo o boletim Focus. Em um mês, avançaram de 5% para 5,58%, com viés de alta. Para 2026, a mesma coisa: foram de 4% para 4,3%. O IPCA está sendo empurrado para cima por três fatores principais. O clima encolheu a produção agrícola, elevando os preços de vários alimentos. A disparada do dólar piorou os preços dos bens vindos do campo que têm cotação internacional, como soja, milho e, principalmente, carnes. O dólar mais caro também pressionou os bens industriais, que estavam inertes, com inflação perto de zero, levando-a para perto de 3% em 2024, ainda assim abaixo da meta. A demanda, aquecida por gastos públicos, aumentou salários, empregos e capacidade de consumo, contribuindo para a subida dos preços.

O retrato dos preços de 2024, quando estouraram a meta, teve continuidade em janeiro. O IPCA de 0,16%, inferior aos 0,52% de dezembro, situou-se acima da expectativa do Banco Central, de deflação de 0,08%, assim como a inflação em 12 meses, estimada em 4,37%, mas com 4,56% registrados. No entanto, no intervalo de 12 meses, o IPCA agora é praticamente o mesmo de janeiro de 2024, 4,51%. Os núcleos de inflação calculados pela MCM Consultores subiram, aumentando o resultado em 12 meses de 4,34% para 4,54%.

Um dos termômetros mais acurados do calor da demanda, a evolução dos preços dos serviços subjacentes, também acusou alta no ano encerrado em janeiro, aumentando de 5,84% em dezembro para 5,95%. Há pouco menos de seis meses, estava abaixo de 5%. Sem que tenha um recuo expressivo, o que só ocorrerá com algum esfriamento da economia, dificilmente o IPCA caminhará para 3%.

A alta dos serviços vinha sendo parcialmente compensada até o terceiro trimestre pelo comportamento dos bens industriais, mas esses passaram a subir a um ritmo anual de 3% quando o dólar deu seu segundo salto anual a partir do fim de novembro. Com uma megadesvalorização de 27%, a pressão de custos sobre produtos industriais começou a ser repassada ao consumo. Esse processo não terminou, mas pode ter sido interrompido ou parcialmente revertido pelo recuo da moeda americana no início do ano - até ontem caía 7%.

O IPCA de janeiro, o menor para o mês desde o Plano Real, manteve-se no espectro das expectativas ruins. Mas seu índice gêmeo, o INPC, que apura a variação de preços de bens para quem tem renda até cinco salários mínimos, nada variou, e em 12 meses recuou para 4,17%. No IPCA, o impacto dos alimentos recuou de 0,25 para 0,21 ponto percentual. Com exceção de saúde e transportes, os demais setores variaram perto do zero ou abaixo dele. Os reajustes das passagens de ônibus em várias capitais e de planos de saúde, sazonais, impediram a deflação no primeiro mês do ano. O resultado do mês foi possível principalmente graças ao bônus de Itaipu, que reduziu as tarifas de energia e trouxe deflação aos gastos com habitação.

Os preços da alimentação fora do domicílio ficaram mais comedidos. Em um ano, essa inflação caiu de 8,22% para 7,44%, segundo cálculos da MCM Consultores. A pressão parece estar se deslocando de bens cujas cotações são dadas em dólar pelos mercados internacionais (café, soja, carnes) para os de produção doméstica. Abobrinha, pepino, tomate, cenoura apresentaram altas de até 40%, enquanto as carnes aumentaram 0,36% na média. Mas arroz, leite, óleo de soja, feijão preto e carioca, milho e batata, de consumo generalizado, tiveram queda de preço em janeiro. Isso sugere que a proximidade de uma safra maior poderá ter uma influência positiva sobre as expectativas do custo da comida.

Os preços dos alimentos se tornaram uma questão política depois da piora de avaliação do governo Lula. Mas pelos índices oficiais, o governo Bolsonaro foi pior neste ponto. Nos dois últimos anos de sua gestão, os alimentos aumentaram 7,94% (2021) e 11,64% (2022). Nos dois primeiros de Lula, subiram 1,03% (2023) e 7,69% (2024).

A inflação continuará penalizando os pobres e causando estragos na popularidade do governo enquanto ele não esfriar o consumo, hoje mais elevado do que a capacidade produtiva para atendê-lo. Não é preciso nem uma recessão nem um arrocho extraordinário nas contas públicas para que o IPCA caia. A busca de superávit primário neste ano e a sinalização de que ele será gradativamente crescente no futuro podem fazer o serviço.

É preciso reagir a tarifas de Trump com pragmatismo

Folha de S. Paulo

Não se sabe se tributo sobre aço e alumínio será negociável; Brasil não deve retaliar, mas buscar alternativas aos EUA

O governo de Donald Trump deu início a uma guerra comercial da qual não se conhecem amplitude, duração, profundidade e objetivos.

Não se sabe, para início de conversa, se os primeiros aumentos de tarifas de alcance internacional generalizado, sobre aço e alumínio, serão implementados de modo inflexível ou estarão sujeitos a negociações, como em 2018 —e, em caso da possibilidade de diálogo, tendo em vista quais interesses americanos.

As decisões são erráticas. Seus alvos não parecem exprimir política coerente, nem segundo os termos de Trump. A China, adversária maior, foi até agora relativamente poupada. Pesa sob México e Canadá, vizinhos e aliados confiáveis de uma área de livre comércio, a ameaça de tarifas ainda maiores.

O republicano afirmou, além do mais, que em breve anunciará mais tributos sobre importações, a serem fixados de acordo com uma regra de reciprocidade. Em abril, estariam concluídos estudos que, segundo o governo americano, orientariam outras ações das relações econômicas externas do país.

Tal cenário já recomendaria ao Brasil cautela e tentativa obstinada de negociação, orientada por objetivos de médio prazo. Uma possível extensão do conflito comercial pelo mundo deve ser considerada. Produtos que talvez não cheguem mais ao mercado americano podem ser desviados para outros destinos, afetando transações, alianças e acordos diplomáticos brasileiros.

Uma atitude a evitar o quanto possível é se engajar em uma guerra comercial, no sentido de impor tarifas a produtos americanos —a não ser em última instância, em casos muito específicos e estratégicos. Melhor manter tal possibilidade como instrumento de negociação.

Impostos de importação maiores vão afetar preços e produção nacional, talvez até a possibilidade de exportação de bens que dependem de insumos externos.

A negociação deve envolver também empresas brasileiras e americanas, por vezes ligadas à mesma matriz. O objetivo é demonstrar que acordos são mutuamente benéficos, como costuma ser o caso do comércio.

Bravatas de "reciprocidade" na imposição de tarifas são nocivas política e comercialmente. Mais do que nunca, não há sabedoria no estardalhaço.

Uma guerra tarifária disseminada afetará as relações econômicas do Brasil com o mundo inteiro. Desde já, o governo precisa estabelecer diálogos para emergências, alianças e novos acordos a fim de lidar com o impacto de uma possível redução das exportações para os EUA.

A retaliação generalizada seria uma vitória da política truculenta de Donald Trump. Mais do que se abster de tal atitude, no seu interesse particular e imediato, o Brasil deve usar sua habilidade diplomática e encontrar aliados dispostos a conter os estragos que podem ser causados pela maior potência global.

Disputa acirrada no Equador instável e violento

Folha de S. Paulo

Noboa e Gonzáles ficam quase empatados no primeiro turno; futuro mandatário precis

No domingo (9), os equatorianos foram às urnas pela terceira vez em quatro anos, o que por si só indica um cenário tenso e instável. De fato, desde 2019, o país já passou por ondas de protestos, dois processos de impeachment, dissolução do Parlamento, um candidato à Presidência assassinado e decretos de estado de exceção.

O presidente e candidato de centro-direita, Daniel Noboa, chegou ao poder em novembro de 2023 por meio de eleições antecipadas convocadas por Guillermo Lasso, ex-mandatário que interrompeu o próprio impeachment com a manobra.

Sua opositora, a advogada e ex-deputada Luisa González, tem como padrinho político o esquerdista Rafael Correa, que governou o Equador de 2007 a 2017, foi condenado por corrupção e atualmente vive na Bélgica.

A disputa foi apertada e irá ao 2º turno em abril. Com mais de 96% das urnas apuradas até terça (11), Noboa teve 44,15% dos votos válidos, e González, 43,95%.

Somada à instabilidade política, a escalada inaudita de violência será um desafio para o próximo presidente. Com o acordo entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias (Farc) em 2016, facções dissidentes se espalharam pela região, incitando conflitos sangrentos com cartéis e gangues no Equador.

De 2016 a 2022, a taxa de homicídios saltou de 6 por 100 mil habitantes para 26/100 mil, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos do Reino Unido. Dados oficiais do governo indicam 38/100 mil assassinatos em 2024 —pequena queda em relação ao ano anterior (47/100 mil).

Noboa implantou uma política linha dura, com militarização da segurança e sucessivos decretos de estado de exceção, que não tem conseguido conter de modo significativo o morticínio e ainda tem gerado denúncias de infrações dos direitos humanos.

O pendor autoritário de Noboa se manifestou no pleito, que foi pacífico. Segundo a oposição, ele infringiu a lei eleitoral ao não se licenciar do cargo de presidente para participar da disputa. Já o candidato denunciou, sem provas, supostas irregularidades na contagem dos votos.

Além da polarização baseada em populismos, fenômeno que se verifica em outros países da América Latina, o Equador vive um momento de fragilidade institucional, o que é temerário para sua democracia.

Espera-se que, até abril, os postulantes apresentem propostas concretas para os problemas que afligem a população. E, depois, que o vencedor atue para acalmar os ânimos do cenário político.

É hora de negociar

O Estado de S. Paulo

Tarifa imposta por Trump à importação de aço e alumínio tende a deflagrar uma guerra comercial, mas Brasil não é o alvo dos EUA; melhor política para o governo brasileiro é a negociação

A ofensiva protecionista de Donald Trump com a taxação em 25% do aço e do alumínio importados tende a deflagrar uma guerra comercial global, como já demonstram reações de líderes da União Europeia e do Canadá que ameaçam revidar com o que está sendo classificado de “contramedidas proporcionais”. O alvo da artilharia de Trump é amplo e indefinido, vale para “todos os países, não importa de onde venham (os produtos importados)”, como fez questão de frisar.

O Brasil, segundo maior exportador de aço para os EUA, para onde enviou no ano passado quase 4,5 milhões de toneladas líquidas – atrás apenas do Canadá, de acordo com ranking de 2024 do American Iron and Steel Institute (Instituto Americano de Ferro e Aço) –, optou, ao menos neste início explosivo da gestão trumpista, pela cautela e discrição. Trata-se de uma escolha prudente diante do quadro que está sendo desenhado, no qual o País não é alvo direto dos EUA e mantém com o mercado norte-americano uma pauta comercial bastante diversificada.

Além disso, como lembrou o pesquisador associado do FGV Ibre Samuel Pessôa, o Brasil tem taxas de importação que, em média, já são elevadas, o que limita sua capacidade de retaliação. “O melhor a fazer é ficarmos quietos”, recomendou, em entrevista à Globonews. Felizmente, esta parece ser a estratégia do governo até o momento. Na primeira manifestação oficial sobre o tema, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que o Brasil não estimula e nem entrará em uma guerra comercial.

O diabo é conter a sanha inerente ao lulopetismo, com correntes que já defendem abertamente a prática de reciprocidade para os arroubos de Trump. De acordo com a Coluna do Estadão, esta tem sido, nos bastidores, a posição do assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, Celso Amorim. Ao portal UOL, Amorim deu uma declaração ao mesmo tempo tranquilizadora e preocupante, em sua dúbia defesa da negociação com os EUA. “Uma guerra comercial não interessa a ninguém, mas não podemos ser totalmente passivos”, afirmou.

Levando em conta a forte ascendência do ex-chanceler sobre Lula da Silva, afirmações como essa, do tipo “uma no cravo, outra na ferradura”, causam mais apreensão do que as bravatas do líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), um dos defensores de que o Brasil revide com taxação das big techs americanas. Melhor conduzir com mais cuidado esse andor. Comércio exterior é um terreno delicado, que exige, antes de tudo, diplomacia. Priorizar a participação do Itamaraty e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços neste debate é fundamental, caso o País pretenda tirar proveito da situação caótica criada pelos EUA.

Numa guerra comercial, como a que parece estar sendo contratada por um raivoso, teatral e imprevisível Trump, as dificuldades de realocação das vendas externas de aço serão ainda maiores diante da crise imobiliária da China e da recessão na Alemanha, por exemplo. Tampouco a economia dos EUA tende a ganhar com o estreitamento de seu mercado a produtos externos. Ao contrário, as estimativas são de um impulso inflacionário da economia norte-americana, diante do encarecimento dos insumos. Elevar o custo de matérias-primas como aço e alumínio afeta toda a cadeia produtiva, por exemplo, de automóveis, eletrodomésticos, embalagens e construção civil.

Em seu primeiro mandato, Trump também impôs tarifas de 25% sobre o aço e de 10% sobre o alumínio, mas acabou negociando cotas para grandes fornecedores como Canadá, México e Brasil. Em entrevista ao Estadão, Rubens Barbosa, que foi embaixador do Brasil em Washington (1999-2004), argumenta que o Brasil está bem posicionado para uma negociação por ser deficitário no comércio bilateral com os EUA. Trump indicou, repetidas vezes, ter sua mira voltada a países em situação de vantagem com os EUA. Canadá, México e China, que ampliaram a diferença entre suas exportações e importações de produtos norte-americanos, seriam o alvo principal. Ao Brasil, cabe seguir no caminho do pragmatismo e negociar em defesa dos interesses nacionais.

O ministro que falou demais

O Estado de S. Paulo

Wellington Dias aventa possibilidade de reajuste do Bolsa Família e é desautorizado pela Casa Civil, mas histórico do governo e estimativas do programa cercam de dúvidas o desmentido

A desautorização curta, seca e taxativa do ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, pela Casa Civil, a propósito da possibilidade de reajuste do benefício do Bolsa Família, é sintoma típico de um governo que bate cabeça. Na busca por soluções milagrosas que, ao mesmo tempo, façam sumir os efeitos deletérios da inflação e resgatem a popularidade perdida pelo presidente Lula da Silva, ideias surgem em profusão. Mas, como não existe milagre para recolocar a economia nos trilhos, o resultado é, quase sempre, desastroso. Foi este o caso, mais uma vez.

Em entrevista recente à Deutsche Welle, Dias afirmou que o reajuste do benefício “está na mesa” e que a decisão seria tomada “até o fim de março”. Ao portal, o ministro informou que sua pasta está preparando um relatório sobre o Bolsa Família. “Temos que manter (o benefício no piso de) 40 dólares, que é o padrão internacional para o consumo. Nisso haverá pouca alteração. O problema é o preço dos alimentos, que teve essa elevação brusca do fim do ano passado para cá”, disse o ministro.

Em sua lógica, uma alteração no Bolsa Família contribuiria para suavizar o impacto da inflação sobre a população mais pobre. “Será um ajuste? Será um complemento na alimentação?”, comentou Dias, dizendo que a decisão seria tomada “dialogando com o presidente”. A repercussão imediata foi o lacônico comunicado da Casa Civil, negando estudos sobre o assunto e afirmando que o tema “não está na pauta do governo e não será discutido”. Na sequência, um comunicado do próprio Wellington Dias desmentiu a informação, com o cuidado de frisar que o ministério está comprometido com a responsabilidade fiscal.

Diante da avidez com que o governo busca fórmulas que reacendam a aura de Lula da Silva até as eleições de 2026, não parece inverossímil que o assunto tenha sido, de fato, colocado à mesa. Ainda mais porque a medida provisória que criou, em março de 2023, o “novo Bolsa Família” – em substituição ao programa do governo Bolsonaro, rebatizado de Auxílio Brasil – fixava prazo de dois anos para reajustar os valores dos benefícios e a linha de corte de quem é elegível ao programa. Não parece ser por acaso que o prazo estabelecido pela proposta e a declaração do ministro coincidam.

Na época, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome chegou a informar que a intenção era a de que as famílias beneficiárias não ficassem mais de 24 meses sem atualização no benefício para evitar que a inflação viesse a corroer o poder de compra. O Bolsa Família é a vitrine dos programas sociais de governos petistas e funciona como uma espécie de passaporte eleitoral. Mas, por óbvio, o custo precisa caber no cobertor curto do Orçamento anual do governo.

Elevar o valor do benefício para combater os efeitos da inflação, no entanto, é um contrassenso. Atacar as consequências – em vez das causas da inflação – não resolve o problema. O governo sabe que a forma de contribuir para estabilizar os preços é, em primeiro lugar, equilibrar o Orçamento público, sem artifícios ou espertezas, como tem sido visto no expurgo de gastos de políticas expansionistas da contabilidade federal.

Na mesma entrevista ao portal alemão, Dias, um petista histórico, relativizou com notável naturalidade o estouro da meta de inflação no ano passado. “Se a meta era 4,5% e fechamos em 4,8%, ficamos praticamente na meta, né?”, disse o ministro, atribuindo a ataques especulativos o descontrole cambial e criticando a reação do Banco Central, que, com a alta de juros, estaria “fazendo o contrário do seu papel”.

É provável que a confusão criada por Wellington Dias ao alimentar as expectativas dos beneficiários do Bolsa Família, além de provocar uma súbita queda da Bolsa e um aumento do dólar, tenha se instalado não pelo que disse, e sim por tê-lo dito. Não foi a primeira tampouco será a última vez que um governo sem foco programático e movido única e exclusivamente pelo ímpeto de Lula da Silva em se reeleger cometerá trapalhadas desse tipo.

Casuísmo sem disfarce

O Estado de S. Paulo

Projeto que reduz a inelegibilidade de condenados pela Justiça visa a apenas proteger Jair Bolsonaro

Autor do projeto que busca reduzir o tempo de inelegibilidade de políticos condenados pela Justiça, o deputado federal Bibo Nunes (PL-RS) não hesitou em exibir a natureza sabuja de suas intenções. Em suas redes sociais, o deputado postou foto em que aparece reunido com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e explicitou o tema da conversa: oito anos de inelegibilidade, exigência atual da lei, “é tempo que permite muita injustiça”, segundo palavras do parlamentar. A imagem, contudo, é tão explícita quanto a legenda da foto, pois nela fica evidente o servilismo a que Bibo Nunes se submete – um deputado do baixo clero com posição à mesa de quem presta contas ao cardeal, decerto reafirmando ao chefe a necessidade de alteração da lei para reduzir sua inelegibilidade de oito para dois anos e, assim, garantir que o ex-presidente dispute a eleição em 2026.

O encontro foi só mais um adorno a uma já intensa festa de articulações e declarações em prol do retorno de Bolsonaro às urnas. Dois dias antes do convescote do ex-presidente com o autor do projeto que pode beneficiá-lo, foi o próprio Hugo Motta (Republicanos-PB), recém-empossado presidente da Câmara, quem declarou: “Oito anos são quatro eleições, é um tempo extenso na minha avaliação”. Abriu, assim, a porta do Congresso para discutir uma providencial mudança na Lei da Ficha Limpa. Ressalve-se que o projeto em questão dá nova redação a um dispositivo da Lei das Inelegibilidades, que, por sua vez, foi alterada pela Lei da Ficha Limpa. Logo, na prática, o projeto incide também sobre a Ficha Limpa.

Bolsonaro está inelegível até 2030, condenado por abuso de poder político e econômico e uso indevido dos meios de comunicação. Agora, sua inelegibilidade corre o risco de ir às calendas, a prevalecer a desfaçatez, pelo casuísmo explícito de bolsonaristas. Indiciado pela Polícia Federal pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa, o ex-presidente pode ficar inelegível por muito mais tempo caso seja processado e condenado – além da pena de prisão cominada àqueles delitos. Ademais, a constitucionalidade de uma eventual alteração pelo Congresso deverá ser avaliada pelo Supremo Tribunal Federal. São fatores que tornam complexo o destino político de Bolsonaro.

Pelo sim, pelo não, seus aliados trabalham como podem para salvá-lo. Sabem que, na pior das hipóteses, podem instaurar fatores de instabilidade que beneficiem Bolsonaro, repetindo o exemplo dos rábulas petistas que, em 2018, tentaram, até o limite, embaralhar a interpretação da legislação com chicanas que assegurariam a permanência de Lula da Silva na disputa daquele ano. A lógica é a mesma: arrastar as indefinições, garantir a presença do ex-presidente nas urnas e, se ele for vitorioso, emparedar a Justiça Eleitoral. A marotagem petista não funcionou à época. Espera-se que a reedição bolsonarista também não.

Nova exploração de petróleo pede debate

Correio Braziliense

Lula reconhece o impacto positivo que a nova exploração representaria para o Brasil economicamente, mas lamenta o risco ambiental

A pauta da vez que polariza as áreas econômica e ambiental do governo federal envolve a procura por petróleo na chamada Margem Equatorial, a área que compreende cinco bacias sedimentares do litoral do Rio Grande do Norte até o Amapá. Após a descoberta da matéria-prima dos combustíveis fósseis em países vizinhos, como Suriname e Guiana, a Petrobras acredita que essa faixa geográfica pode guardar jazidas do ouro negro em quantidade suficiente para ampliar a independência energética brasileira, além de aumentar exportação.

Por um lado, a estatal quer um novo território para chamar de seu, ante a inevitável redução da exploração no pré-sal a partir da próxima década. Por outro, porém, está o Ibama e os ambientalistas, que temem o tamanho do impacto trazido por esse empreendimento à Margem Equatorial, principalmente pela vegetação do manguezal que circunda a área. Na biologia, esse tipo de ecossistema é conhecido como berçário, justamente por ser ali o início da vida de boa parte dos animais marinhos. 

Contexto dado, os bastidores de Brasília indicam que o lado econômico tende a vencer a queda de braço. A expectativa é de que a licença saia em breve. O exemplo da Guiana serve como paralelo, apesar da realidade completamente diferente, em todos os sentidos, do país vizinho. A ex-colônia britânica viu seu PIB saltar 44% em 2023, recorde mundial. O reflexo no Brasil, evidentemente, seria numericamente menor, mas, ainda assim, suficiente para criar empregos e transformar a economia de uma região historicamente abalada pela desigualdade. 

Nos bastidores, a disputa também coloca duas figuras importantes do governo Lula em conflito: o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e a chefe do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, Marina Silva. Publicamente, ele aposta que o licenciamento para a operação sairá ainda neste ano, uma vez que a Petrobras "cumpriu todas as exigências" do Ibama. Ela, no entanto, garante que não tem influência sobre o empreendimento, pois a decisão é de caráter técnico. 

Dono da caneta, Lula teme o potencial dano para a imagem do seu governo. Ele reconhece o impacto positivo que a nova exploração representaria para o Brasil economicamente, mas lamenta o risco ambiental, sobretudo em um momento no qual o país se coloca como líder da agenda sustentável. "É contraditório? É, porque nós estamos apostando muito na transição energética. Ora, enquanto a transição energética não resolve o nosso problema, o Brasil tem que ganhar dinheiro com esse petróleo", disse no ano passado. 

Com tudo posto à mesa, o Brasil precisa discutir a questão com toda cautela que ela merece. A exploração de combustível não renovável traz reflexos importantes para a posição do país como líder ecológico, principalmente em um terreno preparado, nos últimos meses, para receber a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a COP30, em Belém, justamente nas proximidades da Margem Equatorial. 

O Brasil, como dono de uma das matrizes energéticas mais renováveis do mundo, precisa dar exemplo como líder da agenda sustentável. Ainda assim, o prato oposto da balança pesa consideravelmente, sobretudo em um cenário de pouca tração do mercado de carros elétricos no país, diante do alto custo envolvido para aquisição desses veículos.

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