Correio Braziliense
As políticas adotadas por Trump confrontam a
ordem econômica mundial e a institucionalidade do comércio e da cooperação
internacional
Na década de 1970, com a crise da economia
mundial e a falta de novas teorias para explicar o desenvolvimento de alguns
países, como a Coreia do Sul, e reverter a decadência de outros, caso da
Argentina, alguns economistas começaram a analisar o desenvolvimento dos países
a partir de suas instituições. Um deles, o norte-americano Douglas North, um
dos teóricos da chamada Nova Economia Institucional, viria a ganhar o Prêmio
Nobel de Economia, em 1993, por seu trabalho sobre o papel das instituições no
desenvolvimento econômico.
North argumentava que instituições — incluindo leis, normas sociais e estruturas políticas — são fundamentais para explicar o crescimento e a prosperidade das nações. Os países têm uma trajetória historicamente definida, a partir de uma matriz institucional que prima pelo equilíbrio legítimo entre as "leis formais" e "as restrições informais". As tentativas de promover mudanças institucionais abruptas, a partir da transposição das leis formais — que traduzem modelos de desenvolvimento — de um país para o outro, porém, provocaram desequilíbrios nas instituições e acabaram produzindo resultados diferentes do observado no país"exportador" do modelo.
Trocando em miúdos, as trajetórias de
desenvolvimento dos países são únicas, porque os aspectos subjetivos das
instituições são produtos de uma realidade local específica, constituída
historicamente pelas tais "leis formais" e "restrições informais"
cujo processo de legitimação produz equilíbrio. Instituições são fruto de
sistemas de valores, hábitos e costumes arraigados numa sociedade; o
desenvolvimento depende de mudanças nessas variáveis.
Assim, apesar de suas contradições, a
globalização somente foi possível devido à institucionalidade da economia
mundial, a partir de organismos multilaterais e longo processo de negociação de
acordos entre os países, que ditaram a forma como se integraram à economia
mundial. Entretanto, essa institucionalidade está sendo posta em xeque pelo
novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que trocou a diplomacia pelo
jogo bruto na economia como na política.
O livre-comércio mundial, que tinha regras
pactuadas em organismos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio
(OMC), está sendo atropelado pelo nacionalismo, pelo protecionismo e por
medidas antiglobalização, que vão provocar a reestruturação abrupta e
disruptiva das cadeias globais de valor. Quando se imaginava que haveria
reestruturação pactuada de cadeias regionais, o que estamos vendo é a implosão
de consensos e acordos dos Estados Unidos com seus principais vizinhos, o
Canadá e o México, que supostamente seriam grandes beneficiários da
"guerra comercial" com a China.
Legislação defasada
As políticas adotadas por Trump romperam a
ordem econômica mundial e sua institucionalidade, que sustenta o comércio e a
cooperação internacional. O novo presidente dos Estados Unidos retirou seu país
de acordos e organizações internacionais importantes, como o Acordo de Paris
sobre o clima e a Organização Mundial da Saúde (OMS), além de abandonar o pacto
da OCDE relacionado à tributação de multinacionais. Embora sanções econômicas
não sejam novidade, Trump fez da exceção uma nova regra, única na história dos
EUA.
Em artigo publicado no jornal O Estado de S.
Paulo, na terça-feira (11/2), o embaixador Rubens Barbosa advertia que o Brasil
não está preparado para a nova situação. "Considerações de poder, com base
na segurança nacional, passaram a influir na aplicação de restrições comerciais
como arma política, como as sanções e restrições. Medidas americanas (tarifas,
chips, nuvem) e chinesas (área de mineração). O início do governo Trump nos EUA
é uma clara indicação de que poderá haver uma escalada nessas medidas restritivas
levando a uma guerra comercial envolvendo os EUA, a China e a Europa, com
fortes consequências para os países em desenvolvimento, como o Brasil."
Segundo Barbosa, o Brasil não tem legislação
que permita a tomada de medidas contrárias à imposição de sanções, medidas
restritivas ou tarifas unilaterais, em desrespeito às regras negociadas
internacionalmente. "O Brasil sempre defendeu que os direitos afetados na
área comercial deveriam ser defendidos multilateralmente na Organização Mundial
de Comércio (OMC)."
Nesse contexto, segundo o diplomata, o
governo brasileiro deveria propor uma nova legislação que defenda os interesses
do agro e da indústria, com a aprovação de contramedidas que respondam à
imposição por outro país de restrições ao comércio exterior brasileiro sem uma
base legal. "As novas circunstâncias do cenário internacional e a
perspectiva de uma escalada na aplicação de medidas restritivas generalizadas
demandam uma legislação adicional, atualizada, para evitar prejuízo aos
interesses do governo e do setor privado."
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