O Globo
Que a política encontre caminhos para
candidaturas reformistas. E que apontem na campanha os planos para construir a
solvência fiscal
Como se já não bastassem os desequilíbrios
fiscais recorrentes, de difícil solução, pois demandam reformas
constitucionais, há uma bomba fiscal se formando. Refiro-me a despesas
obrigatórias da União que poderão crescer a um ritmo ainda mais rápido, até mais
do que o já esperado.
Será grande o desafio do próximo presidente
para iniciar o desmonte dessa bomba. Isso sob pena de inviabilizar o
investimento público (ou as despesas discricionárias) e adicionar desconfiança
ao já frágil regime fiscal, o que significa inflação e juros altos a perder de
vista, e ameaças à governabilidade.
O próprio Tesouro Nacional estima que as despesas obrigatórias sujeitas às regras do arcabouço fiscal devem ter um crescimento real médio de 3% ao ano até 2034, acima dos 2,5% estabelecido pelo próprio arcabouço.
Entre outros, pesam bastante os gastos
crescentes com o INSS, com crescimento médio esperado de 3,6% ao ano em termos
reais, impactado pela regra de correção do salário-mínimo (o cálculo considera
2,7% de ajuste real, em linha com o crescimento do PIB, e não o limite de 2,5%
recentemente aprovado) e pelo próprio envelhecimento da população.
O risco hoje é de a taxa de crescimento real
das despesas ser ainda mais elevada. Cito aqui alguns pontos de atenção.
Provavelmente os números do INSS serão mais
inflados adiante, considerando, por exemplo, o crescimento do Microempreendedor
Individual (MEI), que conta com benefício bastante subsidiado — contribui-se
com apenas 5% do salário mínimo para receber seu valor integral na inatividade.
Hoje são aproximadamente 15 milhões de pessoas nesse regime, ante 7,9 milhões
em 2017, com idade média de 41 anos.
Haverá despesas novas associadas aos dois
fundos criados na reforma tributária do IVA. O Fundo de Compensação de
Benefícios Fiscais, que durará até o fim de 2032, receberá da União R$ 8
bilhões em 2025 e atingirá R$ 32 bilhões em 2028 e 2029.
E o Fundo de Desenvolvimento Regional,
previsto por 20 anos, contará com aportes da União que começam em R$ 8 bilhões
em 2029, chegando a R$ 42 bilhões em 2034 e R$ 60 bilhões em 2043.
Outra dor de cabeça é o pagamento de
precatórios. São R$ 70,7 bilhões inscritos para 2025, ante R$ 18,5 bilhões em
2015. Há combustível para mais crescimento. O valor das demandas judiciais com
risco provável atingiu R$ 1,12 trilhão em 2023, representando 3,2% da despesa
primária total.
É urgente o diagnóstico das causas do seu
crescimento e a projeção de gastos com precatórios, para se formular ações que
mitiguem esse risco.
Estados e municípios são outro capítulo. As
garantias concedidas pela União a empréstimos feitos totalizaram R$ 334
bilhões. Diante das fragilidades financeiras dos entes subnacionais, o total de
honras pagas foi de R$ 11,5 bilhões em 2024.
Considerando o mais novo programa de
renegociação da dívida dos estados, o quadro pode piorar. Trata-se de um
programa com condições ainda mais generosas que os anteriores e que não impõe
contrapartidas de ajuste estrutural dos entes. Pelo contrário, abre espaço para
mais gastos e comportamentos oportunistas, na espera de novos acordos
futuramente.
O Brasil retomou reformas fiscais em 2016,
depois de mais de uma década no vácuo e de retrocessos institucionais — como no
uso abusivo dos bancos públicos e nas contabilidades criativas para esconder o
rombo fiscal. Há o que se celebrar.
Os avanços, porém, são lentos e insuficientes
à luz das muitas distorções existentes, e são cercados de equívocos em outras
frentes. Com Bolsonaro, houve furos na regra do teto, o represamento no
pagamento de precatórios e uma fórmula equivocada de elevação de gastos com
educação (novo Fundeb).
O atual governo aumentou muito os gastos,
inclusive fora do Orçamento, e elevou a rigidez orçamentária ao inflar as
despesas obrigatórias.
A solução dos problemas fiscais é complexa.
Demanda um bom entendimento do Executivo e capacidade política.
Nesses tempos de apelo por candidaturas de
“outsiders”, conforme capturado por pesquisas recentes, o quadro fiscal
preocupa ainda mais. Figuras fora da política costumam vender sonhos que
encantam eleitores cansados, mas não apontam saídas reais para os problemas.
Que a política encontre caminhos para
candidaturas reformistas. E que apontem na campanha os planos para construir a
solvência fiscal, garantindo legitimidade para implementar as medidas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário