Valor Econômico
Ano promete ser de nervos à flor da pele
“Surreal”, reagiu um integrante do governo na
tarde da última sexta-feira, ao ser questionado sobre um possível reajuste do
Bolsa Família, ventilado pelo ministro do Desenvolvimento Social, Wellington
Dias em entrevista à Deutsche Welle. “Expõe o presidente, que terá de dizer
‘não’”, explicou a fonte. “Não há espaço fiscal e não resolve problema da
inflação.”
O comentário foi feito minutos antes de o Palácio do Planalto escalar a Casa Civil para dizer o “não”, em nota que descartou o aumento de forma categórica. A reação veio rápido, mas não impediu que o mercado reeditasse temores sobre a condução da política fiscal brasileira que infernizaram o fim do ano passado. Naquela sexta, a cotação do dólar atingiu R$ 5,79 e o Ibovespa caiu 1,27%.
O episódio reflete o dilema que se instalou
nos bastidores do governo. Há consenso quanto à necessidade de conter a
inflação o mais rápido possível. A questão é como enfrentá-la. Ou, por outra,
que narrativas criar em torno do problema. O resultado tem sido tiros para todo
lado e falta de clareza quanto ao rumo.
A declaração de Dias, mesmo desmentida pelo
Planalto e por ele próprio em seguida, ilustra a falta de convicção do conjunto
do governo em relação ao caminho defendido pela equipe econômica, pelo Banco
Central e pelos especialistas em contas públicas: um choque fiscal para
combater a inflação.
O parto sofrido do pacote de novembro deixou
clara a contrariedade de Lula com o elevado custo político das medidas de
ajuste fiscal. Desde então, o discurso governamental se divide em duas
vertentes. Uma reforça a linha do equilíbrio das contas públicas. Outra busca,
sem muito sucesso, caminhos alternativos.
Da linha alternativa, fazem parte a
declaração do ministro da Casa Civil, Rui Costa, sobre possíveis “intervenções”
nos preços dos alimentos. Ou a de Dias, dizendo que um reajuste do Bolsa
Família estaria sobre a mesa, para ser decidido em março. Ambas foram
desautorizadas em seguida, não sem antes gerar ruído até dentro do governo.
Outro exemplo citado à coluna foi o holofote
dado ao novo empréstimo consignado para trabalhadores com carteira assinada.
Serviria para baixar juros, num momento em que o Banco Central faz o contrário
e eleva a taxa Selic. A medida ganhou destaque, enquanto o ataque à raiz da
inflação, que está por trás da alta dos juros, ficou em banho-maria. Uma
tentativa de fazer o rabo balançar o cachorro.
Anunciada no Planalto, o consignado não está
rodando por causa de divergências que se arrastam há dois anos. Um deles é o
estabelecimento de um teto de juros para as operações, algo com o que os bancos
não concordam.
O novo consignado do setor privado é, além do
mais, uma medida estrutural para o mercado de crédito que não deveria ser
misturada com sofrências de curto prazo.
Na linha do ajuste, estão as falas de Lula na
reunião ministerial. Sacramentando, por exemplo, que não há mais espaço para
invencionices no Orçamento. Isso, num momento em que o governo negocia com o
Tribunal de Contas da União (TCU) o tratamento orçamentário a ser dado ao
programa Pé-de-Meia, item da vitrine do atual governo.
Em entrevista ao Valor, Dias mostrou aderência a
esse discurso. “Sabemos como ninguém a importância do equilíbrio fiscal,
controle da inflação e até para juros mais baixos”, afirmou. “Acompanho com o
presidente Lula os desafios de um Orçamento apertado.”
Avançar nessa frente, porém, é algo ainda
nebuloso, pelo que se ouve nos bastidores. O veto de Lula às ambições do pacote
de ajuste fiscal e o freio às medidas aplicado pelo Congresso Nacional deixaram
claro à equipe econômica que não é hora de insistir na retomada das propostas.
Porém, há dúvidas se as medidas aprovadas serão suficientes para garantir o
cumprimento das metas fiscais em 2025 e 2026.
Estudo elaborado pelo ex-secretário de
Orçamento Federal Paulo Bijos, em parceria com Dayson Almeida, ambos
consultores de Orçamento da Câmara dos Deputados, mostra que o avanço de gastos
obrigatórios (Previdência, salários, benefícios) traz o risco de “shutdown” na
máquina federal para os dias de hoje.
Só não ocorrerá este ano, apontam, porque
existe a promessa de economizar R$ 25,9 bilhões com revisões de gastos e porque
há obrigações de gastos que se sobrepõem e, por isso, permitem administrar
margens de despesas. Mas já em 2027 o crescimento do limite de despesas
permitido pelo arcabouço não será suficiente para acomodar o avanço dos gastos
obrigatórios.
Uma ala da área econômica gostaria de
aprofundar o ajuste de imediato, inclusive como uma proteção extra contra
solavancos a que o presidente dos EUA, Donald Trump, submeterá a economia
global. Mas há quem prefira, diante do ambiente político, retomar o debate
quando a necessidade de novas medidas se tornar evidente.
O discurso lá e cá, porém, cria um ambiente
de instabilidade. Que tende a aumentar, diante do que vem por aí: juros
elevados, economia em desaceleração, inflação alta por algum tempo. Este
promete ser um ano de nervos à flor da pele.
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