quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Hora ruim para estratégias dúbias - Lu Aiko Otta

Valor Econômico

Ano promete ser de nervos à flor da pele

“Surreal”, reagiu um integrante do governo na tarde da última sexta-feira, ao ser questionado sobre um possível reajuste do Bolsa Família, ventilado pelo ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias em entrevista à Deutsche Welle. “Expõe o presidente, que terá de dizer ‘não’”, explicou a fonte. “Não há espaço fiscal e não resolve problema da inflação.”

O comentário foi feito minutos antes de o Palácio do Planalto escalar a Casa Civil para dizer o “não”, em nota que descartou o aumento de forma categórica. A reação veio rápido, mas não impediu que o mercado reeditasse temores sobre a condução da política fiscal brasileira que infernizaram o fim do ano passado. Naquela sexta, a cotação do dólar atingiu R$ 5,79 e o Ibovespa caiu 1,27%.

O episódio reflete o dilema que se instalou nos bastidores do governo. Há consenso quanto à necessidade de conter a inflação o mais rápido possível. A questão é como enfrentá-la. Ou, por outra, que narrativas criar em torno do problema. O resultado tem sido tiros para todo lado e falta de clareza quanto ao rumo.

A declaração de Dias, mesmo desmentida pelo Planalto e por ele próprio em seguida, ilustra a falta de convicção do conjunto do governo em relação ao caminho defendido pela equipe econômica, pelo Banco Central e pelos especialistas em contas públicas: um choque fiscal para combater a inflação.

O parto sofrido do pacote de novembro deixou clara a contrariedade de Lula com o elevado custo político das medidas de ajuste fiscal. Desde então, o discurso governamental se divide em duas vertentes. Uma reforça a linha do equilíbrio das contas públicas. Outra busca, sem muito sucesso, caminhos alternativos.

Da linha alternativa, fazem parte a declaração do ministro da Casa Civil, Rui Costa, sobre possíveis “intervenções” nos preços dos alimentos. Ou a de Dias, dizendo que um reajuste do Bolsa Família estaria sobre a mesa, para ser decidido em março. Ambas foram desautorizadas em seguida, não sem antes gerar ruído até dentro do governo.

Outro exemplo citado à coluna foi o holofote dado ao novo empréstimo consignado para trabalhadores com carteira assinada. Serviria para baixar juros, num momento em que o Banco Central faz o contrário e eleva a taxa Selic. A medida ganhou destaque, enquanto o ataque à raiz da inflação, que está por trás da alta dos juros, ficou em banho-maria. Uma tentativa de fazer o rabo balançar o cachorro.

Anunciada no Planalto, o consignado não está rodando por causa de divergências que se arrastam há dois anos. Um deles é o estabelecimento de um teto de juros para as operações, algo com o que os bancos não concordam.

O novo consignado do setor privado é, além do mais, uma medida estrutural para o mercado de crédito que não deveria ser misturada com sofrências de curto prazo.

Na linha do ajuste, estão as falas de Lula na reunião ministerial. Sacramentando, por exemplo, que não há mais espaço para invencionices no Orçamento. Isso, num momento em que o governo negocia com o Tribunal de Contas da União (TCU) o tratamento orçamentário a ser dado ao programa Pé-de-Meia, item da vitrine do atual governo.

Em entrevista ao Valor, Dias mostrou aderência a esse discurso. “Sabemos como ninguém a importância do equilíbrio fiscal, controle da inflação e até para juros mais baixos”, afirmou. “Acompanho com o presidente Lula os desafios de um Orçamento apertado.”

Avançar nessa frente, porém, é algo ainda nebuloso, pelo que se ouve nos bastidores. O veto de Lula às ambições do pacote de ajuste fiscal e o freio às medidas aplicado pelo Congresso Nacional deixaram claro à equipe econômica que não é hora de insistir na retomada das propostas. Porém, há dúvidas se as medidas aprovadas serão suficientes para garantir o cumprimento das metas fiscais em 2025 e 2026.

Estudo elaborado pelo ex-secretário de Orçamento Federal Paulo Bijos, em parceria com Dayson Almeida, ambos consultores de Orçamento da Câmara dos Deputados, mostra que o avanço de gastos obrigatórios (Previdência, salários, benefícios) traz o risco de “shutdown” na máquina federal para os dias de hoje.

Só não ocorrerá este ano, apontam, porque existe a promessa de economizar R$ 25,9 bilhões com revisões de gastos e porque há obrigações de gastos que se sobrepõem e, por isso, permitem administrar margens de despesas. Mas já em 2027 o crescimento do limite de despesas permitido pelo arcabouço não será suficiente para acomodar o avanço dos gastos obrigatórios.

Uma ala da área econômica gostaria de aprofundar o ajuste de imediato, inclusive como uma proteção extra contra solavancos a que o presidente dos EUA, Donald Trump, submeterá a economia global. Mas há quem prefira, diante do ambiente político, retomar o debate quando a necessidade de novas medidas se tornar evidente.

O discurso lá e cá, porém, cria um ambiente de instabilidade. Que tende a aumentar, diante do que vem por aí: juros elevados, economia em desaceleração, inflação alta por algum tempo. Este promete ser um ano de nervos à flor da pele.

 

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