O Globo
Estimado presidente,
Li que vosmecê prepara uma reforma do
ministério e resolvi lhe escrever, com um aviso amargo: as trocas de ministros
são um pesadelo inútil e, ao cabo, de nada adiantam.
Imagine que, na manhã de 23 de julho de 1890,
acordei bem, mas havia-me sucedido uma coisa que não acontecia havia anos. Eu
havia sonhado, e mal infelizmente, com a maçada da organização ministerial. Em
quase 50 anos, passei por aquilo 36 vezes.
Naquele dia, se eu não tivesse sido deposto e desterrado, teria completado 50 anos de reinado em nossa terra. A maçada da organização do ministério assombrou-me quando levava uma vida de paz e rotina na Riviera Francesa. Meus dias eram cronometrados.
Acordava, lia e logo tomava uma ducha.
Passeava e, sempre à mesma senhora, comprava um ramalhete de flores para minha
filha Isabel. Almoçava no hotel, fazia uns versos, jogava bilhar, lia de novo,
tomava chá e ia para a cama. Com uma vida dessas, não sonhava, mas logo nessa
noite veio-me o pesadelo da maçante organização ministerial.
Os gabinetes do meu reinado diferiam dos
seus, como presidente, mas, na essência, tinham o mesmo objetivo: assegurar a
maioria no Parlamento.
Certas atitudes de ministros podem
surpreendê-lo. Como me contou o Caxias em 1862, eles concordam conosco durante
as audiências e depois queixam-se nos corredores. Eu nomeava ministros para uma
pasta, pedindo-lhes que cuidassem do bem público, mas, uma vez na cadeira,
buscavam criar patotas.
No meu tempo, os partidos eram só dois,
consigo, são 29. Não posso imaginar situação mais infernal, mas hoje, como
antes, todos esperam que o atual ministério caia e, qualquer deles subindo ao
poder, tenham meios de eleger facilmente sua gente.
Outro dia, joguei bilhar com o general João
Baptista Figueiredo, e ele contou-me uma curiosidade. Nas organizações
ministeriais, todos oferecem nomes de amigos, sócios ou mesmo patrões, mas, na
conta dele, só houve um caso de o cidadão oferecer seu próprio nome. Foi o
Roberto Campos, querendo ser ministro do Exterior. (Vosmecê implica
injustamente com o neto dele.)
Os jornais dizem que o senhor se tranca nas
conversas sobre mudanças no ministério. Faz muito bem, dissimule sempre. Eu não
revelava meus pensamentos nem aos meus cadernos; e cheguei a registrar isso.
Nunca perdoei o Getúlio
Vargas pelas indiscrições de seu Diário, quer pelo que fazia com os
ministros, quer pelas escapulidas para ver a bem-amada.
Vosmecê mexerá no ministério, mas esteja
certo de que adiantará pouco para seus planos. Veja meu caso, tive 36
gabinetes, e tudo continuou na mesma. As grandes questões do meu tempo, o fim
do contrabando de negros e a Abolição da escravatura foram resolvidas
atropelando o ministério e o Parlamento. A primeira, pela ação da Inglaterra. A
segunda, pelo clamor do mundo, das ruas, pelos vazios do campo e pela conduta
da Isabel.
Despeço-me desejando-lhe sucesso e
pedindo-lhe que cuide de sua saúde. Tenho-o achado um pouco avelhantado. O Mota
Maia e o Charcot, que cuidavam de mim, dizem que o senhor vai bem, ressalvando
o perigo do abatimento ou de acreditar naqueles que nos dizem que podemos fazer
o que bem entendemos.
Do seu patrício,
Pedro de Alcântara.
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