O Estado de S. Paulo
Num mundo de incertezas, não se pode mais ignorar as atuais vulnerabilidades das Forças Armadas
A evolução da economia global e a ordem política internacional nunca estiveram tão incertas e inseguras. A mudança da política externa dos EUA em relação à Rússia, aos aliados europeus e à Otan, caso mantida nos próximos anos, acarretará profundos impactos em todos os países, sobretudo nos em desenvolvimento. As transformações no cenário internacional terão consequências nos seus esforços para alcançar os objetivos relacionados ao desenvolvimento econômico e social e à segurança para a preservação da soberania nacional.
O Brasil é uma potência média, a 10.ª
economia do mundo, 210 milhões de habitantes e território continental, cujo
objetivo é se tornar um país plenamente desenvolvido. A estratégia nacional,
além do desenvolvimento, deveria ter como objetivo a segurança interna e
externa, levando em conta o ambiente internacional de que extraímos recursos,
know-how, tecnologia e investimentos para o desenvolvimento do País, mas que
também poderá vir a representar ameaças à soberania nacional.
As grandes vulnerabilidades na área da Defesa
são a quase completa dependência do fornecimento de equipamento bélico dos EUA
e da Otan e a imprevisibilidade orçamentária. A Lei Orçamentária aprovada pelo
Congresso não reflete as necessidades reais das Três Forças, cujas despesas
discricionárias estão muito abaixo do que seria necessário para atender aos
projetos especiais. A obsolescência dos equipamentos, especialmente os da
Marinha, e a falta de previsibilidade orçamentária dificultam um planejamento de
médio e longo prazos, agravado agora pela instabilidade no cenário global. As
áreas prioritárias definidas na Estratégia Nacional de Defesa, cibernética,
nuclear e espacial, requerem investimentos, que são insuficientes. A Base
Industrial de Defesa se ressente da baixa aquisição de seus produtos pelo
governo (diferente do que ocorre em outros países), da falta de apoio oficial
para o financiamento das exportações e de maior estímulo à pesquisa e
desenvolvimento no setor. O esforço para uma autonomia gradual das Forças
Armadas exige um planejamento de longo prazo (10 a 20 anos), que deveria
incluir o processo de atualização conceitual das Três Forças, material e
orçamentário, com a redução de seu efetivo, com maior mobilidade e aquisição de
equipamentos modernos e mais adequados às realidades das novas formas de
ameaças internas e externas, com a criação de uma base logística de defesa,
independente do Ministério da Defesa, como ocorre em outros países
desenvolvidos para racionalizar a aplicação dos investimentos. Tudo isso
acarretaria uma redução no custo de pessoal e um gasto mais eficiente.
No entorno geográfico, o Brasil tem fronteira
com dez países, crescentes problemas com o crime transnacional pelo tráfico de
drogas, de armas e, mais recentemente, pelo garimpo ilegal na Amazônia. No
litoral, a proteção dos campos de petróleo no território marítimo e o crime
transnacional são preocupações. Nas duas frentes, as Forças Armadas não estão
adequadamente equipadas para a defesa da soberania e do território nacionais.
Em tempos em que se menciona a possibilidade de aquisição da Groenlândia e a
retomada do Canal do Panamá, é bom lembrar a riqueza mineral e a biodiversidade
da Amazônia, sem falar na disponibilidade da água, cada vez mais fatores
estratégicos. Por outro lado, numa região livre de conflitos armados surgiu a
ameaça de a Venezuela atacar a Guiana para atender a reivindicação territorial,
o que representa um desafio para a Defesa nacional e poderia acarretar a
presença de bases militares externas na América do Sul, contrariando a
tradicional posição do governo brasileiro.
Nesse contexto, cresce a necessidade de
definir, dentro do objetivo nacional de segurança, uma estratégia de Defesa.
Essa necessidade, imposta agora de fora para dentro, esbarra em dois
obstáculos: a cultura nacional e a vontade política interna. O contexto
histórico tem direta influência sobre esses dois fatores: de um lado, a
ausência de conflitos armados nos últimos 150 anos e de uma evidente ameaça
externa que ponha em risco nosso território, e, de outro lado, as reservas
políticas em relação às Forças Armadas em razão das sucessivas interferências
na vida política do País desde o início da República, em 1889.
Num mundo de incertezas, não se pode mais
ignorar as atuais vulnerabilidades das Forças Armadas e a necessidade do
fortalecimento da indústria nacional de Defesa. E, com base na nova atitude
profissional das Forças Armadas nos últimos 40 anos, examinar, de forma
transparente, a normalização do relacionamento entre civis e militares com a
definição de regras e práticas de um efetivo controle do Executivo, Legislativo
e Judiciário sobre os militares, como em muitos países. A reformulação do
artigo 142 da Constituição e a aprovação da PEC sobre a participação de
militares na política devem ser examinadas dentro desse contexto. Com isso,
seria virada uma página delicada da história nacional e seriam superadas as
resistências para o fortalecimento institucional da Forças Armadas.
Neste novo cenário interno e externo,
torna-se urgente incluir a Defesa na discussão sobre o lugar do Brasil no mundo
e sobre seus objetivos de médio e longo prazos, acima da divisão e da
polarização interna.
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