terça-feira, 25 de março de 2025

Um monólogo no cinema em busca de uma “Grande Política”, - Vagner Gomes*

Para Antonia de Miranda Santos, minha mãe.

“Eu imagino os homens chegados ao ponto em que os obstáculos, prejudiciais à sua conservação no estado natural, os arrastam, por sua resistência, sobre as forças que podem ser empregadas por cada indivíduo a fim de se manter em tal estado. Então esse estado primitivo não mais tem condições de subsistir, e o gênero humano pereceria se não mudasse sua maneira de ser.
Ora, como é impossível aos homens engendrar novas forças, mas apenas unir e dirigir as existentes, não lhes resta outro meio, para se conservarem, senão formando, por agregação, uma soma de forças que possa arrastá-los sobre a resistência, pô-los em movimento por um único móbil e fazê-los agir de comum acordo.”

Jean-Jacques Rousseau, Do Contrato Social.

Ainda nos causa estranheza como a sociedade carioca se deixou “esvaziar” democraticamente no primeiro quarto do século XXI. Aprisionada as pautas liberais sejam empreendedoras ou de fraturas narcisistas, as forças progressistas não puderam compreender um fenômeno em ascensão que seria a organização das camadas populares nas “células” evangélicas. Assim, a moderação do tema familiar seria uma oportunidade para que muitos se deixassem permitir a manter laços diante aos desafios de uma sequência de governos com assessorias “parasitárias” ao estilo sul-coreano.

Na Zona Oeste carioca, em seu coração mais pulsante e populoso, o bairro de Campo Grande e adjacências se transformou um exemplo do anacronismo de algumas lideranças ainda prisioneiras da busca de uma comunidade em base. Os ventos da americanização destroçaram em muito a cultura política democrática entre os cariocas. Portanto, andar na “corda bamba” é o que se observa na postura de um prefeito que trouxe para si o tema da segurança pública da mesma forma que seu mentor político o fez no longínquo 1992 ao falar dos “arrastões” nas praias cariocas.

As vozes críticas da sociedade carioca ainda não fizeram uma “ponte” com a mulher comum que testemunha o dia a dia. As herdeiras de Regina Godilho¹ ainda estão por aqui clamando por uma justiça na linha de Rousseau que está em nossa epígrafe de abertura. A ruptura desse contratualismo liberal nos permitiu a emergência, provavelmente desse extremismo à direita e desse sectarismo à esquerda.

Consequentemente, o filme “Vitória” de Diretores: Andrucha Waddington, Breno Silveira (esse faleceu durante as filmagens) é a oportunidade de refletir a necessidade de um diálogo por uma “Grande Política” em que as forças políticas não tentem fazer da segurança pública uma “batalha de falsa polarização”. A personagem interpretada por Fernanda Montenegro é a mulher que teria dificuldades em assimilar a ADPF 635, pois ela clama por ação para que o “lixo” das drogas seja banido.

Não se pode negar que a melhor solução passa pelo diálogo uma vez que a ineficiência do Governo estadual no tema se utiliza de uma decisão do STF que, nunca cumpriu, para justificar sua falta de ação preventiva e de inteligência na garantia do direito de ir e vir de populares de bem.

De sua “janela indiscreta” ela filma uma sociedade que foi deixada vivendo nos valores do livre mercado sem qualquer inserção do poder público. Ela também foi deixada a margem da sociedade e fica numa situação de “morrer” para que houvesse a possibilidade de uma punição de agentes da segurança pública envolvidos com a criminalidade. Joana da Paz é um exemplo de um cidadão de bem sem paz numa cidade aonde a política de segurança pública ficou atrelada a noção de combate.

O filme está nos tempos da “pré-história” da inserção das forças milicianas nos bairros cariocas e na nossa política local. O programa das UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora) ainda estava a aguardar outro Governo, mas é uma resposta popular a Tropa de Elite 1 e 2. Ou melhor, Dona Vitória é uma forte resposta ao Capitão Nascimento que formou as mentes de muitos homens cariocas ao nível dos delírios na política. Uma obra as vezes sai do controle de seus autores e esperemos que o mesmo não ocorra nesse momento.

Essa é a oportunidade de sermos menos sectários e olhar nos olhos de cada Joana da Paz que anda pela Vila Aliança, que se abriga na Carobinha, que clama por seu filho viciado nas drogas na Vila Kenedy, que tem o filho baleado ao buscar um bolo, que não sabe se chegará bem em casa (se chegar), entre outras situações que demonstram que as mulheres vivem inúmeros plurais que uso minha fala sem precisar pedir licença para esse uso. Afinal, esse é o momento de fazer um debate democrático por mais Democracia.

¹ – Regina Gordilho, então dona de uma confecção de roupas, ganhou notoriedade nacional quando em 17 de março de 1987, o seu filho, o estudante de Educação Física e professor de natação Marcellus Ribas Gordilho, então com 24 anos, foi preso por cinco policiais militares no bairro da Cidade de Deus, em Jacarepaguá, na cidade do Rio de Janeiro. Uma vez preso, o estudante foi vítima de espancamento e morto por parte dos policiais, fato testemunhado por alguns moradores e atestado pelo Instituto Médico-Legal em laudo. A partir disto, Regina Gordilho, realizou mobilizações públicas pedindo que os assassinos fossem punidos. Diante da comoção e indignação popular provocada pelo fato, Regina Gordilho filiou-se ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), usando o discurso de combate a impunidade e a violência policial; acabou por ser eleita vereadora com significativa quantidade de votos, tomou posse em janeiro de 1989 e foi eleita presidente da Câmara Municipal.

*Vagner Gomes é Doutorando do PPGCP-UNIRIO.

 

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