terça-feira, 25 de março de 2025

O futuro de Trump e as chances de Lula - Christopher Garman

Valor Econômico

Para o Palácio do Planalto, a boa notícia é que o cenário externo pode ser positivo

O cenário externo - e, particularmente, os rumos do governo norte-americano sob Donald Trump - pode ter um peso importante nas eleições presidenciais brasileiras de 2026. Embora as posições políticas opostas dos líderes de Brasil e Estados Unidos tenham seu peso, a maior influência pode se dar por vias econômicas.

Em minha última coluna, argumentei que é prematuro apostar que a oposição deve ser considerada favorita nas eleições de 2026. A popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve uma queda importante, mas, com sua aprovação permanecendo acima de 40% - o patamar a partir do qual os governantes geralmente são favoritos à reeleição - ele permanece bastante competitivo.

A queda na aprovação de Lula tem um culpado com nome e endereço: a inflação, particularmente dos alimentos, como ovos, carne e café. O ideal seria fazer um ajuste fiscal mais crível para manter preços em baixa, que ajudaria a compensar o aumento da demanda e poderia levar a uma apreciação cambial que, por sua vez, reduziria a pressão inflacionária. Mas isso não está na mesa por razões políticas. Restam medidas pouco eficientes (como reduzir tarifas de importação) ou politicamente pouco viáveis (como restringir a exportação de produtos agropecuários).

Com tão poucos instrumentos para atacar esse calcanhar de Aquiles, o governo pode ficar na dependência do cenário externo - que pode amenizar ou exacerbar as pressões inflacionárias domésticas, dependendo do que ocorrer no governo Trump. Em uma eleição bem apertada, pode fazer muita diferença. Para o Palácio do Planalto, a boa notícia é que o cenário externo pode ser positivo.

Desde o início do ano, o real se valorizou, passando de R$ 6,15 para R$ 5,70 por dólar - o mesmo nível observado antes do fiasco do anúncio do pacote fiscal no final de novembro que levou o real a superar R$ 6,20. A recuperação é parcialmente resultado de uma correção de preços depois de uma desvalorização possivelmente exagerada, mas muito mais de uma ajuda do cenário externo. De janeiro até março, por exemplo, o dólar se desvalorizou em relação a uma cesta de moedas globais mais do que o real se apreciou.

A desvalorização do dólar vem da reversão do chamado “Trump trade”. Os mercados reagiram em um primeiro momento às ameaças de tarifas mais elevadas e, cada vez mais, às perspectivas de menor crescimento da economia dos EUA. A Eurasia Group já vinha alertando que as ameaças de deportação e medidas de tarifas deveriam ser levadas a sério, e que o segundo mandato Trump não seria uma repetição do primeiro. Mas a grande surpresa do último mês tem sido a intensidade das incertezas que aumentaram os riscos para a economia americana.

Sem saber quais serão seus custos - de trabalho ou de insumos -, empresas estão com dificuldade de tomar decisões de investimentos. Consumidores também estão ressabiados diante de possíveis altas de preços. Assim, em vez de um cenário em que o aumento de tarifas e deportações levaria a um choque de preços que forçaria o banco central dos EUA a aumentar os juros (fortalecendo o dólar e enfraquecendo as moedas de países emergentes), o risco maior agora é que a economia dos EUA desacelere rapidamente.

Queda de atividade mais forte nos EUA pode amenizar os principais problemas de Lula: custo de vida e inflação

A queda no consumo traria a inflação para baixo, permitiria a queda dos juros e valorizaria moedas de mercados emergentes. Uma recessão nos EUA provavelmente sugere preços de commodities globais mais baixos, particularmente os do petróleo. Em outras palavras, um cenário de queda de atividade mais forte que a esperada nos EUA pode amenizar os principais problemas eleitorais de Lula: custo de vida e inflação.

Para o Brasil, o mais importante não é se o país estará na lista dos países atingidos pelas tarifas que Trump promete anunciar em 2 de abril (embora o Brasil deva sim ser atingido). Será mais relevante avaliar se essas medidas podem levar a uma escalada de guerra comercial que joga a economia americana - e global- para baixo.

O presidente dos EUA tem indicado que anunciará tarifas de reciprocidade para os dez ou 15 países com maior superávit comercial com os EUA, ou que aplicam tarifas ou barreiras não tarifárias maiores para produtos americanos. O Brasil provavelmente estará na lista, liderada por União Europeia, México, Canadá, China e Vietnã. Canadá e México estão preparando medidas tarifárias que afetam mais os Estados republicanos, a União Europeia está sinalizando que vai retaliar de forma proporcional às tarifas dos EUA e, se for o caso, outros países podem reagir também. Essa escalada certamente pode reduzir crescimento econômico de todos esses países.

Nesse mundo, ninguém ganha. Mas em termos eleitorais, para um governo que está sofrendo mais com custo de vida e inflação, seria o “mal menor”. Seria um cenário em que o real se mantém estável ou até mesmo pode se valorizar um pouco. No entanto, se a economia americana se mostrar resiliente, só restaria o choque de preços via tarifas e imigração. O dólar pode se fortalecer, e moedas de mercados emergentes se desvalorizarem mais. Preços de commodities em alta também pressionariam a inflação.

Evidentemente, o que o governo fizer daqui até a outubro de 2026 será muito relevante. Mas, com um governo amarrado no lado fiscal e sem espaço para grandes aventuras, o futuro do governo Trump e o cenário externo podem fazer muita diferença.

*Christopher Garman é diretor-executivo para as Américas da Eurasia Group.

 

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