Valor Econômico
Para o Palácio do Planalto, a boa notícia é
que o cenário externo pode ser positivo
O cenário externo - e, particularmente, os
rumos do governo norte-americano sob Donald Trump - pode ter um peso importante
nas eleições presidenciais brasileiras de 2026. Embora as posições políticas
opostas dos líderes de Brasil e Estados Unidos tenham seu peso, a maior
influência pode se dar por vias econômicas.
Em minha última coluna, argumentei que é
prematuro apostar que a oposição deve ser considerada favorita nas eleições de
2026. A popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve uma queda
importante, mas, com sua aprovação permanecendo acima de 40% - o patamar a
partir do qual os governantes geralmente são favoritos à reeleição - ele
permanece bastante competitivo.
A queda na aprovação de Lula tem um culpado com nome e endereço: a inflação, particularmente dos alimentos, como ovos, carne e café. O ideal seria fazer um ajuste fiscal mais crível para manter preços em baixa, que ajudaria a compensar o aumento da demanda e poderia levar a uma apreciação cambial que, por sua vez, reduziria a pressão inflacionária. Mas isso não está na mesa por razões políticas. Restam medidas pouco eficientes (como reduzir tarifas de importação) ou politicamente pouco viáveis (como restringir a exportação de produtos agropecuários).
Com tão poucos instrumentos para atacar esse
calcanhar de Aquiles, o governo pode ficar na dependência do cenário externo -
que pode amenizar ou exacerbar as pressões inflacionárias domésticas,
dependendo do que ocorrer no governo Trump. Em uma eleição bem apertada, pode
fazer muita diferença. Para o Palácio do Planalto, a boa notícia é que o
cenário externo pode ser positivo.
Desde o início do ano, o real se valorizou,
passando de R$ 6,15 para R$ 5,70 por dólar - o mesmo nível observado antes do
fiasco do anúncio do pacote fiscal no final de novembro que levou o real a
superar R$ 6,20. A recuperação é parcialmente resultado de uma correção de
preços depois de uma desvalorização possivelmente exagerada, mas muito mais de
uma ajuda do cenário externo. De janeiro até março, por exemplo, o dólar se
desvalorizou em relação a uma cesta de moedas globais mais do que o real se
apreciou.
A desvalorização do dólar vem da reversão do
chamado “Trump trade”. Os mercados reagiram em um primeiro momento às ameaças
de tarifas mais elevadas e, cada vez mais, às perspectivas de menor crescimento
da economia dos EUA. A Eurasia Group já vinha alertando que as ameaças de
deportação e medidas de tarifas deveriam ser levadas a sério, e que o segundo
mandato Trump não seria uma repetição do primeiro. Mas a grande surpresa do
último mês tem sido a intensidade das incertezas que aumentaram os riscos para
a economia americana.
Sem saber quais serão seus custos - de
trabalho ou de insumos -, empresas estão com dificuldade de tomar decisões de
investimentos. Consumidores também estão ressabiados diante de possíveis altas
de preços. Assim, em vez de um cenário em que o aumento de tarifas e
deportações levaria a um choque de preços que forçaria o banco central dos EUA
a aumentar os juros (fortalecendo o dólar e enfraquecendo as moedas de países
emergentes), o risco maior agora é que a economia dos EUA desacelere
rapidamente.
Queda de atividade mais forte nos EUA pode
amenizar os principais problemas de Lula: custo de vida e inflação
A queda no consumo traria a inflação para
baixo, permitiria a queda dos juros e valorizaria moedas de mercados
emergentes. Uma recessão nos EUA provavelmente sugere preços de commodities
globais mais baixos, particularmente os do petróleo. Em outras palavras, um
cenário de queda de atividade mais forte que a esperada nos EUA pode amenizar
os principais problemas eleitorais de Lula: custo de vida e inflação.
Para o Brasil, o mais importante não é se o
país estará na lista dos países atingidos pelas tarifas que Trump promete
anunciar em 2 de abril (embora o Brasil deva sim ser atingido). Será mais
relevante avaliar se essas medidas podem levar a uma escalada de guerra
comercial que joga a economia americana - e global- para baixo.
O presidente dos EUA tem indicado que
anunciará tarifas de reciprocidade para os dez ou 15 países com maior superávit
comercial com os EUA, ou que aplicam tarifas ou barreiras não tarifárias
maiores para produtos americanos. O Brasil provavelmente estará na lista,
liderada por União Europeia, México, Canadá, China e Vietnã. Canadá e México
estão preparando medidas tarifárias que afetam mais os Estados republicanos, a
União Europeia está sinalizando que vai retaliar de forma proporcional às
tarifas dos EUA e, se for o caso, outros países podem reagir também. Essa
escalada certamente pode reduzir crescimento econômico de todos esses países.
Nesse mundo, ninguém ganha. Mas em termos
eleitorais, para um governo que está sofrendo mais com custo de vida e
inflação, seria o “mal menor”. Seria um cenário em que o real se mantém estável
ou até mesmo pode se valorizar um pouco. No entanto, se a economia americana se
mostrar resiliente, só restaria o choque de preços via tarifas e imigração. O
dólar pode se fortalecer, e moedas de mercados emergentes se desvalorizarem
mais. Preços de commodities em alta também pressionariam a inflação.
Evidentemente, o que o governo fizer daqui
até a outubro de 2026 será muito relevante. Mas, com um governo amarrado no
lado fiscal e sem espaço para grandes aventuras, o futuro do governo Trump e o
cenário externo podem fazer muita diferença.
*Christopher Garman é
diretor-executivo para as Américas da Eurasia Group.
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