Constata-se, em geral, que a preocupação com as questões ambientais
(poluição, mudança climática, extinção das espécies animais e vegetais, etc.)
só ganha prioridade em períodos de prosperidade recorrente. Governantes,
dirigentes de empresas e os próprios cidadãos de um país só incorporam essas
questões nas suas agendas e em seus processos de planejamento estratégico a
partir de um determinado patamar de sua renda, de sua receita operacional ou de
sua riqueza acumulada. A partir desse patamar, passam a considerar com maior
critério os trade-offs ou as escolhas conflitivas entre os objetivos do
crescimento e da estabilidade de suas instituições, de um lado, e os da
preservação e restauração do meio ambiente ou dos ecossistemas, do outro lado.
Bens de luxo são bens cuja procura pelos consumidores aumenta mais do que
proporcionalmente ao aumento de sua renda. Na fase de prosperidade, sua demanda
cresce; na fase de retração, sua demanda decresce. A essencialidade de um bem a
merecer alocação de recursos escassos que tem usos alternativos é definida a
partir da escala de preferências individuais dos cidadãos ou a partir das
estruturas ideológicas ou doutrinárias de dirigentes públicos ou privados
responsáveis pela formulação e pela execução de seus planos e projetos
estratégicos.
Desde o início da atual crise econômica global, estima-se que as vendas de
bens de luxo tenham caído de 10% a 15% no mundo, e de forma mais acelerada nos
EUA, onde cerca de 1/3 de todos os bens de luxo são vendidos. Da mesma forma, é
possível caracterizar o tratamento do meio ambiente como um bem de luxo nas
políticas públicas, nas decisões empresariais e nos orçamentos familiares, à
medida que sua prioridade é descartada em períodos de crise econômica.
As pessoas estão dispostas a apoiar e a realizar maiores gastos na qualidade
do meio ambiente quando estão mais prósperas. Em níveis de renda per capita
menores, a satisfação das necessidades básicas de alimentação e de habitação
ganha prioridade. Quando cresce a renda per capita, essas necessidades básicas
são cada vez mais satisfeitas e os cidadãos passam a gastar mais em "bens
de luxo" tais como nas melhorias dos ecossistemas em que vivem. Da mesma
forma, num contexto de crise, quando a economia desanda, é comum ver-se
descartar os bens de luxo da sua estrutura de demanda, e tende a haver menos
comprometimento com parcelas dos orçamentos públicos e privados com a qualidade
do meio ambiente.
Isso ocorre porque, para o pensamento econômico tradicional, o meio ambiente
é simplesmente uma externalidade, onde os efeitos não intencionais da decisão
de produzir ou de consumir de um agente econômico causam perdas ou benefícios
de bem-estar a terceiros, não compensados e usualmente excluídos dos cálculos
econômicos dos agentes. Uma típica falha do mercado que tem de ser corrigida
por intervenções exógenas das políticas públicas.
Numa visão econômica contemporânea, estamos vivendo uma experiência de
capitalismo natural em que o meio ambiente não é apenas um fator de produção
menos importante, mas um envoltório contendo, provisionando e sustentando a
economia. Sistemas empresariais mal concebidos ou mal estruturados, crescimento
demográfico acelerado e padrões de consumo perdulários são apontados como
causas primárias da perda do capital natural. O elemento diferenciador do
capitalismo natural é a hipótese de que se está criando uma nova revolução
industrial a partir dos aumentos radicais na produtividade dos recursos
naturais.
Em tempos de crise e sem compreender os novos processos do progresso
econômico futuro, governos desarticularão políticas públicas ambientais em
andamento; empresas tratarão os impactos ambientais de seus projetos de capital
como peças de enfeite em seus relatórios de marketing social; e os cidadãos
resistirão às atitudes transformadoras de uma nova pedagogia ambientalista.
Professor do IBMEC/MG; foi ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar
Franco
Fonte: o Estado de S. Paulo
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