Segundo ministro, declaração foi resposta a pergunta sobre pena de morte
Chico de Gois
BRASÍLIA - O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, negou, ontem, que
tenha havido conotação política em sua declaração de que alguns presídios vivem
em condições medievais. De Lima, no Peru, por vídeo, Cardozo disse que sua
afirmação não é uma referência à condenação de petistas no julgamento do
mensalão. Ele voltou a insistir que a resposta se deu por conta de uma pergunta
sobre pena de morte, à qual é contrário:
- Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Essa afirmação, faço há muito
tempo. E voltei a fazê-la ontem (anteontem) porque justamente falávamos de
segurança pública. Às vezes, as pessoas esquecem que um dos responsáveis
diretos pela violência que vivemos hoje no Brasil tem a ver com nossos
presídios.
Na terça-feira, após participar de evento sobre segurança, em São Paulo, o
ministro disse:
- Infelizmente, os presídios no Brasil ainda são medievais. E as condições
dentro dos presídios ainda precisam ser muito melhoradas. Entre passar anos num
presídio do Brasil e perder a vida, talvez eu preferisse perder a vida, porque
não há nada mais degradante para um ser humano do que ser violado em seus
direitos humanos.
Ontem, o ministro vinculou a violência nas grandes cidades às condições dos
presídios.
- Algumas das organizações criminosas que atuam hoje têm comando e origem
nas penitenciárias. São fato notório as péssimas condições de alguns presídios.
Quando usei a expressão de que cumprir pena em alguns presídios é pena mais
dura do que de morte, eu respondia à pergunta sobre pena de morte. Eu falava
que não é o rigor da pena que efetivamente leva ao combate da criminalidade. É
preferível um sistema penal eficaz à elevação pura e simples da pena.
O ministro lembrou que ano passado o governo federal lançou um programa para
desafogar o sistema. Está previsto R$ 1,1 bilhão para a criação de 60 mil vagas
até 2014 - 20 mil delas já em andamento. Mas, para Cardozo, embora não faltem
recursos, há problemas administrativos para que o plano seja levado adiante.
Pelos dados de 2011, a população carcerária é de 514.582, para 306.497 vagas
(um déficit de 208.085 vagas).
A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, saiu em
defesa de Cardozo. Disse que a afirmação dele é "contundente" e que o
ministro foi sincero:
- Não queremos tapar o sol com a peneira. Queremos enfrentar a dura
realidade das cadeias trabalhando de forma firme para mudar essa realidade.
Rosário cobrou ações dos governos dos estados para melhorar as prisões.
Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB),
desembargador Nelson Calandra, a fala de Cardozo foi inadequada:
- Acho que é uma declaração de desabafo. Ele é submetido a uma pressão em
que qualquer um de nós já estaria morto no lugar dele, pelo volume de trabalho
que ele tem. Não é adequado o ministro da Justiça desprestigiar o sistema
carcerário.
O presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, Fernando Fragoso,
lamentou que só quando há condenados com prestígio social ou político -
referência ao mensalão - as condições carcerárias sejam debatidas.
- Todos estão cansados de saber que um animal em qualquer zoológico tem mais
conforto do que qualquer pessoa presa no Brasil - disse Fragoso, ao ressaltar que
um condenado na Alemanha que tenha passado um tempo da pena em cadeia
brasileira recebe um crédito de três dias de prisão cumprida para cada dia
preso no Brasil.
Pedro Abramovay, professor da FGV Direito Rio, afirmou que a fala de Cardozo
reflete a gravidade da situação. Ele diz que é preciso ter mais investimentos e
o "ministério tem que agir". E sugere uma reflexão sobre o sistema
prisional, já que o total de presos dobrou desde 2006:
- Há pessoas encarceradas não por crimes violentos, mas por furtos. Usuários
de drogas confundidos com traficantes.
Fonte:
O Globo
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