Um dia após o ministro
da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmar que os presídios brasileiros são
medievais e degradantes, ministros do Supremo Tribunal Federal defenderam a
aplicação da pena de cadeia imposta, no caso do mensalão, à cúpula do PT
formada por José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares. Celso de Mello e Gilmar
Mendes foram além e cobraram do governo a melhoria do sistema penitenciário. A
discussão foi levantada por Dias Toffoli, que absolvera os acusados. Repetindo
Cardozo, Toffoli disse que cadeia é coisa medieval e, após citar Torquemada e
Foucault, pediu: "Que se pague com o vil metal." Em nota, o PT disse
que o STF se partidarizou
Para STF, é dever
do governo melhorar prisões
Ministros reagem a declaração de Cardozo sobre situação de presídios; Gilmar
ironiza
André de Souza, Carolina Brígido
BRASÍLIA - A declaração do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de que
preferiria morrer a ficar preso no Brasil contaminou a sessão de ontem no
Supremo Tribunal Federal (STF) para julgar o mensalão. Enquanto o ministro Dias
Toffoli aproveitou para reclamar das penas altas impostas aos réus e defender
que é mais eficiente aplicar multas altas em vez de encarcerar os condenados,
outros ministros cobraram do governo que ajude a melhorar o sistema prisional e
até ironizaram a preocupação de Cardozo.
Gilmar Mendes disse concordar com Cardozo, mas estranhou que o comentário do
ministro tenha sido feito justamente durante o julgamento. Gilmar e Celso de
Mello lembraram que o Ministério da Justiça é responsável por garantir a
integridade dos presos.
- Louvo as palavras do ministro da Justiça, preocupado agora com o sistema
prisional. Só lamento que tenha falado só agora, porque esse é um problema
conhecido desde sempre, é uma questão realmente muito séria - disse Gilmar.
Ele reclamou da falta de prioridade do governo federal para o setor. Também
ponderou que, no caso, não há alternativa à prisão, já que o Código Penal prevê
essa sanção.
- É preciso que o governo federal tenha consciência de que tem que participar
desse debate sobre segurança pública, porque ele dispõe de recursos e tem a
missão de coordenar. A toda hora, anuncia-se liberação de recursos para
presídios, em seguida vem o contingenciamento. Isso nunca foi prioridade, por
isso temos esse estado de caos.
Celso de Mello também cobrou:
- Acho importante que o senhor ministro da Justiça tenha feito essa
observação de maneira muito franca. Cabe ao Ministério da Justiça exercer um
papel de liderança de grande importância, sob pena de se frustrar a finalidade
para a qual a pena foi concebida. É importante que o ministro revele
publicamente a sua preocupação com o estado de coisas em que se acha o sistema
penitenciário do país. Mas é grande a responsabilidade do ministério na
implementação das diretrizes que foram contempladas na legislação de execução
penal.
Mello reiterou que, por leniência do Estado, há presos enfrentando situação
de total descaso:
- A prática da Lei de Execução Penal tornou-se entre nós um exercício quase
irresponsável de ficção jurídica, uma vez que o poder público mantém-se
absolutamente indiferente, desinteressado desta fase delicadíssima que consiste
na implementação das sanções penais proclamadas pelo Poder Judiciário.
Dias Toffoli preferiu defender multas aos réus:
- Já ouvi leituras dizendo que o pedagógico é colocar pessoas na cadeia. O
pedagógico é recuperar os valores desviados. Muitas vezes, no cálculo
custo-benefício, o cidadão vai pensar: "Vale a pena passar algum tempo na
cadeia para, depois, usufruir do que foi auferido ilicitamente". Eu tenho,
no que diz respeito à pena restritiva de liberdade, uma visão mais liberal. E,
vamos dizer, mais contemporânea. Porque prisão restritiva de liberdade combina
com o período medieval. Vamos a Foucault, que ele dirá por que foi instituída a
pena restritiva.
Toffoli disse que, embora a sociedade critique as penas de prisão há muito
tempo, o Judiciário tem aplicado pouco as penas alternativas. Ele ainda
reclamou que as penas fixadas para os réus do mensalão estão muito mais altas
que as que o Judiciário normalmente arbitra.
- As penas restritivas de liberdade que estão sendo impostas nesse processo
não têm parâmetros contemporâneos no Judiciário brasileiro. As penas de multa
também não têm, mas acompanho o relator porque é um divisor de águas. Era o vil
metal (o motivo do crime), que se pague com o vil metal - afirmou. - Para mim,
pesam mais os efeitos pecuniários do que os efeitos restritivos de liberdade e
pondero à Corte para refletir sobre isso.
O ministro lembrou que os réus cometeram crimes sem violência física e, por
isso, não deveriam ser apartados do convívio social. Disse que a dona do Banco
Rural, Kátia Rabello, era também bailarina, o que faria dela pessoa inofensiva.
Toffoli comparou a conduta do STF à do inquisidor espanhol Tomás de
Torquemada, que viveu no século XV:
- Este parâmetro de um julgamento no ano de 2012 não é um parâmetro da época
de Torquemada, da época de condenação fácil à fogueira. Eu fico pensando: temos
aqui pessoa que desde 2006 não tem condições de sair à rua. Tivemos ministros
agredidos em razão dos seus votos. Tivemos advogados de defesa que foram
agredidos. Em que época estamos vivendo?
Também rebatendo as declarações de Toffoli, Luiz Fux afirmou que não há, na
lei, uma opção entre o pagamento de multa e a prisão. Portanto, o STF não teria
alternativa, a não ser aplicar a pena privativa de liberdade.
Fonte:
O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário