O Congresso é assim: reage como os ruminantes. E a reação,
que trará uma fricção entre os dois poderes, ainda que não uma crise, será
pautada pela questão da cassação dos mandatos dos deputados condenados pelo
Supremo
Um quase silêncio nas tribunas do Congresso nos últimos dois dias, sobre as
condenações, pelo STF, de José Dirceu e José Genoino, que já foram membros
ilustres da Câmara, indicaram o quanto anda intimidado o parlamento diante da
ofensiva do Judiciário e do Ministério Público sobre a arena política.
Ilustrativo é o que disse um deputado da elite parlamentar sobre a resignação
da Casa: “Quem reagir pode levar uma mandiocada do Gurgel ou do Supremo”. Ainda
ontem pairava a perplexidade, embora o desfecho fosse óbvio, há algumas
semanas. O Congresso é assim: reage como os ruminantes. E a reação, que trará
uma fricção entre os dois poderes, ainda que não uma crise, será pautada pela
questão da cassação dos mandatos dos deputados condenados, que quase encontrou
abruptamento em pauta na sessão de ontem do Supremo.
O tempo consumido pelos discursos de homenagem ao ministro Carlos Ayres Britto,
que amanhã deixará, por força da idade, o STF e sua presidência, acabou
inviabilizando a outra homenagem que lhe queria prestar o relator da ação
penal, ministro Joaquim Barbosa. Já perto das 18h, Barbosa avisou que proporia
a apreciação de um tema “da maior importância”, a questão do mandatos, para que
Britto pudesse votar. Barbosa, na segunda-feira, já havia antecipado
repentinamente o tópico da fixação das penas do chamado núcleo político, o que
resultou em nova contenda com o revisor, Ricardo Lewandowski. O objetivo era
garantir a participação de Britto, que, ao longo do julgamento, foi-lhe
extremamente concessivo, até abdicando de prerrogativas da presidência em favor
da relatoria. Havia deferência, mas também cálculo na inversão de pauta
proposta pelo relator. Sem Britto, um fiel seguidor de seu voto, o placar
poderia propiciar recursos dos condenados, o que acabou de todo modo
acontecendo. À proposta de ontem, objeções variadas foram apresentadas por
diversos ministros, não apenas pelo revisor. Barbosa ainda tentou meia-solução:
ele emitiria seu voto, não gastaria três minutos, e Britto, o dele. O debate
continuaria na próxima semana, mas como o próprio Britto acolheu os argumentos
contrários, de que o tema exigiria mais debate, Barbosa capitulou, contrariado:
“Eu pensei que Vossa Excelência gostaria de votar, mas se não faz questão…”.
Então, o tema será apreciado em breve. Talvez não na quarta-feira, pois ainda
devem fixar as penas de políticos de outros partidos e, na quinta-feira, haverá
a grande festa da posse de Barbosa na presidência. O presidente da Câmara,
Marco Maia, há algum tempo vem dizendo que fará valer o artigo 55 da
Constituição, que é claro: mesmo em caso de perda de mandato por condenação
transitada em julgado (vale dizer, depois do exame dos recursos de defesa), a
cassação é uma prerrogativa da Câmara, pela maioria de seus membros. Em outras
palavras, como disse um dos ministros ontem, terão que decidir entre a
supremacia do Código Penal e a da Constituição. Ao STF cabe garantir a
observância da Constituição, mas, em tempo de tanta inovação, poderá
surpreender também nisso.
Na Câmara, o assunto passará pela Comissão de Constituição e Justiça, a CCJ,
que tem como presidente o deputado e ex-presidente do PT Ricardo Berzoini (SP)
e como primeiro vice-presidente o também petista Alessandro Molon (RJ). O
terceiro e o quarto vices são do PMDB. A base governista tem maioria na
comissão, que um dia, em 1968, enfrentou a ditadura e negou a licença pedida
pelo governo para processar o deputado Marcio Moreira Alves. O deputado Djalma
Marinho renunciou à presidência do colegiado com um discurso para a História:
“Ao rei tudo, menos a honra”. Sobreveio o AI-5 e a noite da ditadura caiu sobre
nós. A Câmara retraída de hoje não chegará a tanto, mas haverá ruído.
Contenda cearense. A colônia mineira é a maior entre os moradores de
Brasília, mas a colônia cearense é a mais organizada politicamente. Neste
momento, um caso reúne muita gente influente do Ceará. Desde maio, o Congresso
está às voltas com a indicação do cearense Luiz Moreira para um segundo mandato
no Conselho Nacional do Ministério Público. Outro cearense muito poderoso, o
procurador-geral, Roberto Gurgel, não engole essa recondução. O conselheiro o
incomodou no primeiro mandato. O nome de Moreira foi aprovado em sabatina da
Comissão de Constituição e Justiça, presidida por outro nome importante do
Ceará, o senador Eunício Oliveira (PMDB). O senador Pedro Taques (PDT) e outros
aprovaram requerimento em plenário para que sejam ouvidos procuradores que
apresentaram denúncias contra Moreira. Na CCJ, Eunício despachou o requerimento
para o relator da matéria, que, mais uma vez, é do Ceará: o senador Mozarildo
Cavalcanti (PTB). Ontem, tentei lhe perguntar sobre quando ouvirá os tais
procuradores. Mandou dizer-me, pelo assessor, que não fixou data. Está
examinando cuidadosamente o assunto. Enquanto isso, o CNMP segue incompleto.
Passarinhos. José Dirceu, em seu
blog, contesta o STF, embora assegurando a aceitação da sentença. José Genoino
é mais recolhido, mas a sua casa têm chegado pessoas, cartas e telefonemas de
solidariedade em profusão. Amigas de sua mulher, Rioko, revezam-se bordando
passarinhos numa grande bandeira vermelha, que tem no centro o poeminha de
Mario Quintana: “Todos estes que aí estão, atravancando meu caminho, eles
passarão, eu passarinho”. “A obediência civil não se confunde com a humilhação.
Por minha honra, correrei o risco do combate”, diz ele, com surpreendente
tranquilidade diante do que está por vir.
Fonte:
Correio Braziliense
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