No último discurso como presidente do STF, ministro também manda recado velado
a Joaquim Barbosa, falando em "serenidade" no cargo
Mariângela Gallucci
BRASÍLIA - Num discurso de despedida
ontem do plenário do Supremo Tribunal Federal, o presidente, Carlos Ayres
Britto, disse que a Corte está mudando a cultura do País. "O Supremo
Tribunal Federal está mudando a cultura do País a partir dessa Constituição,
que quer essa mudança para melhor", afirmou. Ayres Britto citou ainda o
"amigo" Márcio Thomaz Bastos, advogado de um dos condenados no
mensalão, e aproveitou para mandar um recado velado a Joaquim Barbosa, que
ocupará o cargo a partir da próxima semana e tem se desentendido com colegas.
"Entendo que é direito e direito sagrado e inalienável do jurisdicionado
saber que sua causa está aos cuidados de um juiz sereno e equilibrado."
O conselho indireto a Joaquim Barbosa foi dado dois dias após o relator do
processo do mensalão ter se desentendido publicamente no plenário com o
revisor, Ricardo Lewandowski. Barbosa acusou o colega de tentar obstruir o
julgamento. Como reação, Lewandowski abandonou o plenário.
Por causa do desentendimento, ministros do STF e advogados demonstram
reservadamente preocupação com a presidência de Barbosa, que tomará posse no
próximo dia 22. A aposentaria de Ayres Britto deverá ser publicada na
segunda-feira, um dia após ele completar 70 anos, idade que leva à
aposentadoria compulsória. A presidente Dilma Rousseff não indicou ainda quem
será seu substituto na Corte.
Reconhecimento. O presidente da Corte reconheceu que Thomaz Bastos
"muito contribuiu" para a sua nomeação para o STF em 2003. O advogado
do ex-vice-presidente do Banco Rural no processo do mensalão era na época
ministro da Justiça do ex-presidente Lula e recomendou a indicação de Ayres
Britto.
Além de Thomaz Bastos, Britto citou o "notável" advogado Marcelo
Leonardo, que defende o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, acusado
de ter sido o operador do mensalão e já condenado a penas que ultrapassam 40
anos de reclusão.
Os dois advogados assistiram ao discurso porque em seguida o STF retomaria a
fase de dosimetria das penas dos condenados por envolvimento com o esquema.
Ayres Britto disse que os nove anos de STF passaram muito rápido e que o
cargo de ministro do Supremo deve ser exercido com bom humor. "Passou num
piscar de olhos, num estalar de dedos. O tempo só passa veloz, célere, para
quem é feliz. Para quem não é feliz o tempo é penoso, um fardo. A honra de
pertencer ao Supremo Tribunal Federal é, como disse Ophir Cavalcante
(presidente da Ordem dos Advogados do Brasil) citando Fernando Pessoa, arrumar
as malas para o infinito. Não temos nem o direito de ter mau humor."
Com a aposentadoria, Ayres Britto deixará de participar da conclusão de
processos de grande repercussão nos quais ele atuou no tribunal como relator. Um
deles envolve a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol.
Salários. A dois dias de deixar a Corte, o presidente do Supremo
intensificou as negociações com o Congresso para tentar garantir aumento de
salário para os juízes e servidores do Judiciário. Para tentar sensibilizar os
parlamentares sobre a necessidade de aprovação de projetos que propõem
reajustes para magistrados e funcionários, ele recebeu ontem em seu gabinete o
relator-geral do orçamento, senador Romero Jucá (PMDB-RR), líderes do Congresso,
presidentes de tribunais e de associações representativas de magistrados.
O ministro Joaquim Barbosa, que assumirá a presidência do STF na próxima
semana, também participou do encontro.
Atualmente, o salário de ministro do Supremo é de R$ 26.700. Projetos em
tramitação no Congresso propõem que os vencimentos subam para R$ 32.100.
Como a estrutura de remuneração do Judiciário é escalonada, toda vez que o
vencimento do Supremo aumenta ocorrem reajustes em cascata na Justiça. Além
disso, como o salário do Supremo é o teto do funcionalismo, qualquer revisão
repercute no serviço público.
Na reunião, Ayres Britto disse que há uma defasagem salarial para
magistrados de 28% e de 50% para servidores que causa uma desprofissionalização
das carreiras. Ele pediu "compreensão do Legislativo" e alertou para
um "temerário desprestígio" da magistratura.
Fonte:
O Estado de S. Paulo
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