Ministro do STF, que
foi assessor de Dirceu, defende multas mais pesadas no lugar de cadeia para
condenados
Ex-assessor de José
Dirceu na Casa Civil, o ministro do STF José Antonio Dias Toffoli comparou as
penas impostas aos réus do mensalão às punições do período da Inquisição. Ele
afirmou que os crimes não atentaram contra a democracia. O intuito, afirmou, era
somente o "vil metal". Toffoli defendeu penas financeiras, pois a
prisão, enfatizou, é "medieval" e "não tem parâmetros
contemporâneos no Judiciário brasileiro". Para ele, o julgamento teria
como parâmetro a "época de Torquemada". "Da época da condenação fácil
à fogueira", disse, referindo-se ao inquisidor espanhol. Toffoli se baseou
na declaração do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que disse preferir
morrer a permanecer preso no Brasil e voltou a tratar do caso. Na sessão de
ontem, foram aplicadas penas a Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Vinícius
Samarane, ex-dirigentes do Banco Rural. Somadas, elas chegam a 42 anos, 1 mês e
10 dias para os três, que teriam de cumpri-las, inicialmente, em regime
fechado.
Toffoli compara
penas dos condenados no mensalão às da época da Inquisição
Felipe Recondo
BRASÍLIA - O Estado de S.PauloO ministro do Supremo Tribunal Federal José
Antonio Dias Toffoli comparou ontem as penas impostas aos réus do mensalão às
punições aplicadas no período da Inquisição. Ele afirmou que os crimes
cometidos no esquema do mensalão não atentaram contra a democracia ou contra o
estado democrático de direito. O intuito dos crimes, afirmou o ministro, era
somente o "vil metal". Toffoli defendeu a imposição de penas
financeiras, pois a pena de prisão, enfatizou, é "medieval".
Antes de assumir o cargo de ministro do STF, Toffoli comandou a
Advocacia-Geral da União no governo Luiz Inácio Lula da Silva e foi assessor do
ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, condenado pela Corte a 10 anos e 10
meses de prisão mais multa superior a R$ 600 mil por comandar o esquema de
pagamento de parlamentares durante o primeiro mandato de Lula.
"As penas restritivas de liberdade que estão sendo impostas neste
processo não têm parâmetros contemporâneos no Judiciário brasileiro",
disse o ministro na sessão de ontem do Supremo. Para ele, o julgamento da ação
penal do mensalão teria como parâmetro a "época de Torquemada" -
referindo-se a Tomás de Torquemada, o "Grande Inquisidor" espanhol do
século 15, em cujo período foram executados cerca de 2.200 autos de fé,
principalmente contra judeus e muçulmanos na Espanha. As de agora são penas
"da época da condenação fácil à fogueira", afirmou Toffoli.
Ele manteve posição discreta em todas as sessões do mensalão. Porém, na
sessão de ontem, quando eram julgados os ex-dirigentes do Banco Rural, Toffoli
partiu da declaração do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo - que
anteontem disse preferir morrer a ficar preso no sistema carcerário brasileiro
-, para criticar as penas privativas de liberdade. "Já ouvi que o
pedagógico é colocar as pessoas na cadeia. O pedagógico é recuperar os valores
desviados", afirmou. "Estou aqui a justificar em relação às penas uma
visão mais liberal e, vamos dizer, mais contemporânea porque prisão, medida
restritiva de liberdade, combina com o período medieval", disse.
"Temos que repensar o que estamos fazendo para sinalizar para a
sociedade."
"Vil metal". Retomando sua argumentação, Toffoli afirmou não terem
sido cometidos crimes contra a vida, crimes violentos, e observou que o esquema
não atentou contra a democracia, como enfatizaram ministros da Corte,
especialmente Celso de Mello.
"Tudo o que foi colocado aqui era o intuito financeiro, não era violência.
Não era atentar contra a democracia, porque a democracia é mais sólida do que
isso, não era atentar contra o estado democrático de direito, porque o estado
de direito é muito maior do que isso. Era o vil metal. Então que se pague com o
vil metal."
Por isso, Toffoli definiu-se mais liberal na aplicação de penas de prisão e
defendeu que as penas de multa fossem mais severas para que os cofres públicos
fossem ressarcidos. "Sem medo de dizer o que eu penso, tenho visão mais
liberal (em relação à pena de prisão), vamos dizer mais contemporânea, porque
prisão combina com período medieval", argumentou o ministro.
Quem comete crime financeiro, avaliou Toffoli, pode até considerar que vale
a pena o risco de ser preso. Sem penas pecuniárias elevadas, valeria a pena
permanecer preso por certo tempo e depois, em liberdade, aproveitar o dinheiro
que foi desviado.
As penas impostas até agora pelo Supremo foram criticadas especialmente
pelos advogados do mensalão. Isso foi reverberado por integrantes da Corte. Por
isso, adiantam alguns ministros, ao fim do julgamento as penas passarão por um
pente-fino.
O chamado operador do mensalão, o empresário Marcos Valério, está condenado
a penas superiores a 40 anos. Penas que superam 8 anos, como é também o caso de
Dirceu, levarão os réus para a cadeia. A lei penal prevê que penas superiores a
8 anos serão cumpridas inicialmente em regime fechado. Dos principais réus do
mensalão, somente o ex-presidente do PT José Genoino deve cumprir pena em
regime semiaberto.
Cobrança. A menção de Toffoli à fala de anteontem do ministro José Eduardo
Cardozo levou dois outros ministros, em suas intervenções, a cobrar do governo
federal que cuide melhor da política penitenciária.
O primeiro, Celso de Mello, afirmou que "é grande a responsabilidade do
Ministério da Justiça" na implementação de diretrizes para a execução das
penas privativas de liberdade. O poder público, advertiu, tem-se mantido
"absolutamente indiferente" à necessidade de tratamento digno para os
presos nas cadeias".
Em sua vez, Gilmar Mendes disse louvar as palavras de Cardozo. "Mas
lamento que só tenha falado agora, é um problema conhecido desde sempre",
observou. Relembrou que há 70 mil presos em delegacias e 250 mil detidos
provisoriamente e acusou: "Não dá para o Ministério da Justiça dizer que
não tem nada a ver com isso."
Fonte:
O Estado de S. Paulo
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