Aos
18 dias de novembro de 2016, o Presidente da República, Michel Temer, enviou ao
Congresso Nacional a Política e a Estratégia Nacionais de Defesa e o Livro
Branco da Defesa Nacional, que nós, à época, tínhamos coordenado na qualidade
de Ministro da Defesa que éramos. Dois anos depois, em 18 de dezembro de 2018,
o Presidente do Senado e do Congresso, Senador Eunício Oliveira, enviou à
Presidência da República os textos, para sanção.
Considerando
que seu governo estava praticamente findo, o Presidente Temer deixou para seu
sucessor a assinatura presidencial que sancionaria os referidos textos.
O
Presidente Jair Messias Bolsonaro, entretanto, entendeu que a Política,
Estratégia e o Livro Branco eram projetos do governo anterior (e não de Estado,
o que eles verdadeiramente são), e não os sancionou. Resultado, até hoje vigem
os textos de 2012, até que os projetos em tramitação, referentes ao quadriênio
de 2020 a 2024, sejam aprovados.
Nós
fomos o relator do que hoje é a Lei Complementar 136, que no seu bojo trazia
uma novidade histórica. Pela primeira vez, o Congresso Nacional passaria a
apreciar e, portanto, decidir sobre as diretrizes, objetivos e rumos da defesa
nacional – algo que não consta da nossa Constituição Federal.
Ao
negociar as emendas à proposta original com o Ministro Nélson Jobim,
imaginávamos o potencial que teria a análise das mais elevadas decisões quanto
à nossa defesa e segurança por parte do parlamento e o diálogo histórico que se
travaria entre o poder político e os militares, num claro avanço do diálogo
democrático. Em vão.
Ao longo de dois anos de tramitação, os textos de 2016 não foram objeto de nenhuma audiência pública. Seu parecer, emitido pela Comissão Mista de Inteligência, e não pelas Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional das duas casas do Congresso, era, claramente, uma colagem das propostas, sem críticas ou aprimoramentos dignos de nota.
Já
sua votação, nas duas casas, foi simbólica e não nominal, sem debates ou
pronunciamento dos líderes. O “histórico diálogo” e o consequente “avanço
democrático” fracassaram melancolicamente…Por quê? São três os motivos
principais.
Por
fim, as intervenções militares ao longo da nossa história, sendo a última em
1964, e o fato que parte dos quadros dirigentes da política fizeram oposição ao
regime militar, não estimulam pontes e diálogos. Em consequência, hoje existe
um distanciamento entre poder político, elites civis e Forças Armadas, que nos
leva a uma dupla disfunção.
De
um lado, o poder político se aliena das suas responsabilidades quanto à defesa
da nação, não a levando a sério. De outro, os militares, cuja “raison d’être” é
justamente a defesa nacional, diante do alheamento do poder político sobre a
nossa soberania, integridade e independência, passam a assumir a tutela da
existência da nação.
A
segunda das consequências é que a defesa e as Forças Armadas necessitam da
liderança civil por bons motivos. Um, que cabe privativamente aos
representantes políticos da nação, definir qual defesa necessitamos, seu rumo,
estrutura e organização, em face de nossos objetivos nacionais e projeto de desenvolvimento.
A
segunda é que, sem que líderes civis em diálogo com os militares proponham
mudanças, as Forças Armadas, como toda grande corporação, tendem à manutenção
do status quo. Exemplo disso é o Ministério da Defesa. Sua elaboração
levou cinco anos para ser concluída, sendo iniciada no primeiro e finda no
segundo governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso.
À
época, havia forte resistência no meio militar à sua criação. Dentre outros
motivos, porque os quatro ministérios militares existente passariam a se tornar
comandos militares das Forças, sob a direção superior de um único ministro, que
seria um civil.
Mas
a criação do Ministério da Defesa é uma exigência da guerra moderna, onde as
forças singulares devem estar sob um comando único e superior a elas, como
também em razão da complexidade, logística e dimensões adquiridas pelos
conflitos bélicos, sobretudo após as duas guerras mundiais. Tanto é fato que a
maioria dos países desenvolvidos instituíram ministérios da defesa há décadas,
inclusive os sul-americanos, a exemplo da Argentina e Chile.
Cabe
notar o que afirmamos: não fora a persistente liderança do poder político, a
criação do Ministério da Defesa, uma necessidade militar, ressalve-se, não
teria se tornado realidade.
Cabe
também recordar um outro exemplo. Declarada nossa independência em 1822, as
elites Imperiais viram-se a braços com questões estratégicas para a
constituição e o futuro do Estado nacional. Elas eram: a manutenção da unidade
e integridade do território, a definição das fronteiras e o impedimento que
Argentina, Bolívia e Paraguai viessem a formar um polo de poder ao sul, que nos
contrastasse e fizesse sombra.
Em
todas essas complexas tarefas, a elite imperial saiu-se a contento e, em todas
elas, fez uso das nossas Forças Armadas. Isto porque, além de ter um
projeto de país a construir, elas tinham clareza quanto ao papel e orientação
dar aos militares – algo que nossas elites atuais não possuem.
Findo
o regime militar, as Forças Armadas recolheram-se aos quartéis e, durante um
quarto de século, viveram num vazio estratégico, sem que lhes fossem atribuídas
competências e rumos na nossa renascente democracia e num projeto nacional de
desenvolvimento, o que só começa a mudar em 2008 com a Primeira Estratégia
Nacional de Defesa.
Já
o vazio de interlocução e de diálogo persiste. Na academia, mídia, sociedade,
empresariado e no Congresso, raros são os que conhecem o tema defesa, dele
entendem e têm diálogo com as Forças e militares. Os partidos políticos lhes
dedicam rarefeitas e precárias linhas “de ofício”, meramente declaratórias. Não
possuem especialistas, tão pouco unidades de estudo e proposição de políticas
públicas.
Nas
eleições e debates nacionais, a defesa e as Forças Armadas primam pela
ausência. Democratas de vários matizes delas guardam distância, com também
raríssimas exceções.
Dialogar
e liderar as nossas Forças Armadas na definição de uma defesa nacional adequada
ao Brasil, é um imperativo da nossa existência enquanto nação soberana.
Construir essa relação, levar a sério nossa defesa e as Forças Armadas, assumir
as responsabilidades que cabem ao poder político e as nossas elites, é também
uma questão nacional-democrática, incontornável e premente.
*Raul Jungmann - ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.
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