Sem
emprego, nem oportunidades de trabalho disponíveis, esses imigrantes continuam,
em grande número, a viver por aqui em
abrigos, nas periferias e nas ruas ignorados e, praticamente, abandonados com
suas crianças, sobrevivendo de esmolas.
São ex-professores, professoras, comerciantes, agricultores,
engenheiros, enfermeiras, dentistas e até médicos refugiados, fugindo de uma
suposta ação revolucionária capitaneada, na Venezuela, por um grupo político
instalado no Poder.
“Socorro!
Sou venezuelana. Tenho um filho menor, e não temos o que comer” : é a mensagem,
escrita a carvão em uma folha de papelão, por uma jovem dos seus 28 a 30 anos,
enfermeira, pedindo ajuda no sinal de trânsito. Sob uma chuva fina e intermitente,
disputa, perigosamente, em frente a um shopping, os espaços entre os carros ali
parados.
O quadro em Brasília repete-se em São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Vitória, etc.. Os venezuelanos foram espalhados pelas grandes cidades do País, e todos estão órfãos, precisando do apoio das populações locais. Continuam concentrados em Pacaraima, cidade fronteiriça, e em Boa Vista. Mais de 30 mil venezuelanos passaram a residir em Roraima desde o início da fuga em massa, em 2016. Muitos não conseguiram sair do estado. Outro tanto, sem abrigos, vive ao relento.
Continuam
a ser discriminados, xingados e mal recebidos pelas sociedades locais,
incomodadas com suas presença em praças públicas, como vendedores ambulantes ou
pedindo esmolas. Há muitos indígenas entre eles. Já se chegou a relacionar,
injuriosamente, o aumento de índices de criminalidade com a presença dos
venezuelanos. A maioria tenta sobreviver produzindo ou vendendo artesanato, mas
quem vai comprar? Roraima é o estado menos populoso do País (605 mil hab) com a
renda individual das mais baixas também (R$ 1.204,00). Na imaginação preconceituosa
do brasileiro, a palavra venezuelano virou sinônimo de imigrante: “Esses
venezuelanos que andam por aí!”
Em 2017,
aprovou-se a Lei nº 13.445, dispondo sobre a entrada e estada de imigrantes no
País. Ampliou-se a política de vistos humanitários que se aplicava apenas para
sírios e haitianos. Os venezuelanos passaram a ter direito a documentos
brasileiros, número de seguridade social, passaporte e carteira de trabalho.
Mas, a regulamentação (Decreto nº 9.199, de 20 de novembro de 2017) criou
outras dificuldades e limitações, sobretudo a pessoas com histórico de
associação com organizações criminosas ou tráfico de drogas, cujas
interpretações terminam por afetar quem nada tem a ver com isso. Substituiu-se,
contudo, o tal Estatuto do Estrangeiro, que exigia contrato de trabalho para
ser aceito no Brasil.
As
autoridades da fronteira tem dificuldade de reconhecer a autenticidade de
alguns dos documentos apresentados e para decidir sobre as categorias indígenas
que, em geral, não possuem qualquer tipo de identificação formal, dificultando
o cadastramento até para os serviços de saúde.
O Brasil
não é um país relevante em termos de fluxos migratórios. As estimativas mais
conhecidas apontam 1,5 milhão de migrantes e refugiados no país.
Aproximadamente, 84% das pessoas nessa condição são originárias de países
pobres e procuram, em geral, países em desenvolvimento. Cerca de 2 milhões de migrantes vão para a
Turquia, Jordânia e Irã. A migração para a Europa e os EUA envolvem outras
conotações.
Os
brasileiros precisam entender que não há propriamente uma invasão da vida
cotidiana pelos venezuelanos, nem ameaça à segurança de ninguém. Trata-se de
uma questão de solidariedade identitária de raiz continental e, acima de tudo,
humanitária, que requer um regulamento decente capaz de facilitar o desenho de
políticas migratórias, em particular intrarregional.
É Natal.
A pandemia ignora as festas. Está devorando milhares de vidas. O auxílio do
governo, próximo de ser suspenso, é a única renda de 36% das famílias
beneficiadas. Mas, tem-se aí pela frente um déficit fiscal enorme no orçamento
público, e milhares de venezuelanos vagando como “mortos vivos” pelas ruas, mendigando
sobras de alimentos. Brasília está cheia deles. Impossível ignorar isso.
Enfim, é
o que o capitão coronel Hugo Chávez legou aos vizinhos e para os próprios
venezuelanos, temerosos da sua incontida verborragia, essa mesma praticada, sem
qualquer demonstração de culpa, pelo sucessor Nicolás Maduro. A revolução de
Chávez é fruto de uma retórica vaidosa, fundada no pensamento aristocrático de
Bolívar que ele, Chávez, um rústico militar de carreira, pretensiosamente
queria transformar, a seu modo, em uma teoria revolucionária. Para isso, formou
milícias por todo o país, cooptou as forças armadas, destruindo a nação venezuelana,
e chegando perto também do Mercosul e de outros organismos de integração
regional. Quase destrói a América Latina toda. Apesar disso, o rei Juan Carlos,
da Espanha, não tinha virtudes suficientes para interromper a fala de Chávez. Mas os que estão no Brasil precisam, neste
momento, no mínimo, de uma palavra de estímulo ou de conforto. É Natal.
*Aylê-Salassié F. Quintão, jornalista e professor
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