Mundo
da irresponsabilidade generalizada gestou a catastrófica presidência de Jair
Bolsonaro e a eleição do prefeito Marcelo Crivella
E eis que mais um governante do Rio de Janeiro foi preso. Muito ainda se falará sobre o rumoroso caso do prefeito Marcelo Crivella, detido a nove dias do final de seu desastroso mandato, sob acusação de chefiar organização criminosa movida a propinas. Mas nem é preciso esperar o desfecho do caso para que se constate a incrível frequência com que o eleitor fluminense escolhe mal seus dirigentes.
Recorde-se
que o agora fichado Crivella conseguiu a proeza de ir para o segundo turno na
eleição passada mesmo tendo legado à cidade que governava a pior administração
de que se tem notícia. Ou seja: não contentes em terem jogado fora seu voto há
quatro anos, quando Crivella foi eleito a despeito de ser quem é, muitos
eleitores do Rio de Janeiro tornaram a fazê-lo quando já deveria estar clara
para todos a sua inépcia.
Se
a prisão do prefeito do Rio de Janeiro ainda no exercício do cargo, por
incrível que pareça, já não tem tanta importância, pois se trata de evento
tristemente corriqueiro na vida política fluminense, a notícia deve servir para
que os eleitores brasileiros reflitam sobre como têm exercido seu direito de voto.
A escolha de governantes e representantes no Legislativo por meio do voto livre e direto não é algo trivial. Ao exercer esse direito, o eleitor assume a corresponsabilidade pelos destinos de sua cidade, de seu Estado e do País, razão pela qual deve fazê-lo de maneira consciente e ponderada.
Sabe-se,
contudo, que isso nem sempre acontece, por uma série de razões – a começar pela
desinformação e pela falta de educação cívica de parte considerável dos
eleitores, que ou tomam seus desejos particulares como se fossem os interesses
da coletividade na hora de decidir o voto ou fazem sua opção sem qualquer
reflexão. Esse processo medíocre de escolha, quando generalizado, raramente
deixa de resultar em desastre.
É
evidente que o eleitor pode ser induzido a tomar decisões equivocadas por uma
propaganda eleitoral eficiente ou pelo carisma do candidato, que com isso
consegue esconder seus defeitos de caráter ou de formação. Mas é difícil
entender como o mesmo eleitor que se queixa da corrupção e da inaptidão dos políticos
é capaz de eleger, sem pestanejar e em sequência, candidatos tão flagrantemente
desonestos e despreparados para a administração pública.
Era
preciso uma dose cavalar de ingenuidade para acreditar, por exemplo, que Jair
Bolsonaro, cujo único feito relevante até se tornar presidente foi ter
transformado sua família numa holding parlamentar, seria mesmo o líder que
moralizaria a política. Ou então que esse mesmo Jair Bolsonaro seria capaz de
governar o País tendo se notabilizado em toda a sua vida política por sua
gritaria reacionária, e não pelo par de projetos irrelevantes que apresentou no
Congresso. No entanto, Bolsonaro venceu – e, mesmo sendo o pior presidente da
história nacional, ainda vai razoavelmente bem nas pesquisas de opinião.
Diz-se
que demagogos ganham eleições e mantêm alguma popularidade como consequência do
cansaço dos cidadãos, desencantados com a política em geral. Por essa
perspectiva, pode-se argumentar que o voto representa uma forma de protesto,
mas também, e isso é mais grave, pode ser uma maneira de sabotar o processo
eleitoral em si mesmo, desmoralizando a democracia – regime que, para muitos
eleitores, infelizmente nada diz.
É
como se os eleitores estivessem a declarar que o desfecho da eleição, qualquer
que seja, não lhes diz respeito, renunciando liminarmente à responsabilidade
que cabe a cada um dos cidadãos. E o eleito, nesse espírito, também assume
pronto a repelir qualquer responsabilidade, que é sempre dos outros – sejam
aqueles que lhe deixaram uma “herança maldita”, sejam aqueles que, segundo diz,
não o deixam governar.
Tem-se
então o mundo da irresponsabilidade generalizada, que gestou a catastrófica
Presidência de Jair Bolsonaro, bem como a eleição do prefeito Crivella e de
outros tantos picaretas – todos empenhados em alimentar a avacalhação da
democracia, pois disso depende sua manutenção no poder.
O Supremo e a Lei da Ficha Limpa – Opinião | O Estado de S. Paulo
O
ministro Nunes Marques não tem poder para alterar a legislação vigente
Por decisão liminar, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Nunes Marques suspendeu um trecho da Lei Complementar (LC) 135/2010, a chamada Lei da Ficha Limpa. Numa ação proposta pelo PDT, o ministro indicado pelo presidente Jair Bolsonaro determinou que a expressão “após o cumprimento da pena”, relativa ao período da inelegibilidade, não seja aplicada aos processos de registro de candidatura das eleições de 2020 que ainda estão pendentes de apreciação.
A
Lei da Ficha Limpa completou em junho de 2020 uma década de vigência. Não há
nenhum motivo para que um ministro do STF, às vésperas do recesso do Poder
Judiciário, modifique sua redação, facilitando a vida de políticos condenados
criminalmente. Num Estado Democrático de Direito, quem redige as leis é o Poder
Legislativo. Eventual discordância de um magistrado a respeito do conteúdo
aprovado pelo Congresso não lhe dá direito a modificar as disposições legais.
Segundo
a Lei da Ficha Limpa, “são inelegíveis para qualquer cargo os que forem
condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial
colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o
cumprimento da pena” por determinados crimes, como lavagem de dinheiro, tráfico
de entorpecentes e racismo. Como apontado várias vezes nesse espaço, a redação da
Lei da Ficha Limpa não é um primor técnico, tendo sido ao longo do tempo objeto
de discussões jurídicas.
De
toda forma, a jurisprudência do STF consolidou-se no sentido de garantir a
aplicação da Lei da Ficha Limpa. Além das razões jurídicas, era o reconhecimento
da grande mobilização popular em torno da aprovação da lei no Congresso. Foram
mais de 1,6 milhão de assinaturas de apoio ao projeto. Além disso, a Lei da
Ficha Limpa vinha regulamentar a própria Constituição, cuja defesa compete ao
Supremo.
No
capítulo dos direitos políticos, logo depois de tratar das restrições
aplicáveis aos militares, a Constituição estabeleceu que “lei complementar
estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim
de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato,
considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das
eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de
função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.
Ainda
que não tenha, em muitos momentos, o necessário rigor jurídico, a Lei da Ficha
Limpa deu importante contribuição para o regime democrático, ao fixar
requisitos mínimos de probidade e moralidade. E esses requisitos são
prejudicados quando uma decisão singular de membro do Judiciário atenua o rigor
da LC 135/2010.
Evidentemente,
o ministro Nunes Marques não tem poder para alterar a legislação vigente. Sua
decisão tem, ainda, uma agravante. A Constituição dispõe expressamente que cabe
à lei complementar – isto é, ao Congresso – estabelecer “outros casos de
inelegibilidade e os prazos de sua cessação”. Quando o mais novo ministro do
STF suspende a aplicação da expressão “após o cumprimento da pena”, ele está
alterando precisamente o prazo em que cessa a inelegibilidade.
Desde
que a Lei da Ficha Limpa foi aprovada pelo Congresso, houve muita pressão para
limitar os seus efeitos. Não era para menos. Ela complicou a carreira política
de muita gente que nunca quis ver incompatibilidade entre exercício de cargo
público e condenação criminal. A oposição à Lei da Ficha Limpa cresceu
significativamente depois da condenação em segunda instância do ex-presidente
Lula da Silva. Para alguns, a lei deixou de ser boa no momento em que tornou
inelegível o líder petista.
A
decisão do ministro Nunes Marques não tem nenhum efeito sobre o caso do
ex-presidente Lula. De toda forma, é prejudicial que o Judiciário, nas atuais
circunstâncias de afronta à Lei da Ficha Limpa, contribua para diminuir, em
alguma medida, o seu rigor. O papel da Justiça não é aumentar a insegurança ou
abrir espaço para a impunidade, e sim fazer valer a sujeição de todos à lei,
também os poderosos.
Educação e padrão de vida – Opinião | O Estado de S. Paulo
Com
1% a mais do PIB gasto no setor, padrão de vida médio pode crescer 26% em 50
anos
Depois de analisar o impacto dos investimentos no setor educacional entre 1933 e 1985, pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) chegaram à conclusão de que, se o Brasil investir apenas 1% a mais, a cada ano, do seu Produto Interno Bruto (PIB) em ensino básico, o padrão de vida médio da população poderá aumentar até 26% nos próximos 50 anos. E, já em 2050, a população brasileira poderia atingir o mesmo padrão de vida da população portuguesa.
“A
educação é um investimento de longo prazo, cujos efeitos sociais e econômicos
se tornam um patrimônio da sociedade. Basta olhar para os exemplos da Suécia ou
da Coreia do Sul, países que evoluíram apostando no investimento do ensino”,
lembra Samuel Pessoa, pesquisador da FGV e um dos coautores desse estudo.
O
trabalho parte da premissa de que os jovens são o principal ativo que o País
possui. Ao analisar os gastos do País com educação entre as décadas de 1930 e
1980, os pesquisadores do Ibre constataram que a formação de capital humano a
partir da oferta de educação primária não foi incluída nas estratégias de
desenvolvimento. Durante esse período, que foi marcado por sucessivos ciclos de
democracia e de autoritarismo, a educação básica foi negligenciada.
A
universalização do ensino fundamental só foi assegurada na última década do
século 20 e, mesmo assim, com um nível baixo de qualidade, como tem sido
apontado pelos métodos nacionais e internacionais de avaliação de desempenho
escolar. Da década de 1990 para cá, a política educacional foi reformulada
várias vezes. Se de um lado o governo Fernando Henrique Cardoso
institucionalizou a avaliação escolar, com o objetivo de coletar informações
que fundamentassem a formulação de uma política educacional de médio e longo
prazos, de outro os governos Lula e Dilma privilegiaram modismos pedagógicos e
implementaram projetos caros, porém mal costurados, como o programa Ciência sem
Fronteiras. E agora, nestes quase dois anos de governo Bolsonaro, o Ministério
da Educação (MEC) entrou em estado letárgico, deixando de coordenar a
reabertura das escolas de ensino fundamental e médio. Simplesmente eximiu-se de
suas atribuições básicas ao longo de um ano letivo comprometido pela
pandemia.
Nos
últimos anos, a política educacional mais bem-sucedida não foi formulada pela
União, mas por uma unidade da Federação – o Ceará. Independentemente das trocas
de governo, o Estado nordestino adotou a chamada política de alfabetização
contínua e a manteve intocada ao longo do tempo. Não apenas investiu mais, como
também se preocupou com a qualidade dos gastos no setor educacional. Desde
então, o nível de desempenho em Língua Portuguesa dos alunos cearenses cresceu
significativamente. E, em Matemática, são os que têm obtido as melhores notas
nas avaliações nacionais. “Exemplos como o do Ceará devem ser aplicados em todo
o País. Dá para imaginar que, nos próximos anos, os cearenses terão um surto de
desenvolvimento resultante da educação, o que poderia estar ocorrendo também em
outros Estados”, afirma Samuel Pessoa.
Como
ele, outros economistas da FGV apontam que investir na educação 2% do que o
País produz a cada ano poderia elevar em quase 32% o aumento da produtividade.
Apesar dos altos níveis de desemprego no País, as empresas alegam que, por
causa da baixa qualificação média da população brasileira, não estão
conseguindo preencher vagas que exigem qualificação profissional e competências
específicas. Essa é a razão pela qual o Brasil até hoje não igualou a proeza da
Coreia do Sul, que investiu em ensino básico e profissionalizante com o
objetivo de dar um salto de desenvolvimento e, por consequência, de melhora do
padrão de vida médio de sua população.
Estudos
como o da FGV são fundamentais para apontar os rumos que o País deve seguir
para promover a revolução educacional. Mas é preciso que os governos saibam
interpretar suas conclusões e agir com coerência e determinação, o que não é o
caso, infelizmente, do governo Bolsonaro.
O fim melancólico de uma gestão desastrosa – Opinião | O Globo
Prefeito
Marcelo Crivella é preso em decorrência de acusações de que liderava um ‘QG da
propina’
A
nove dias de deixar o governo, o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos)
amanheceu ontem com a polícia em sua porta. Foi preso em decorrência de
acusações de que liderava o “QG da propina”, nome dado pela polícia ao que
definiu como um esquema de corrupção dentro da própria prefeitura, operado pelo
empresário Rafael Alves. As evidências mostram que, apesar de não ocupar cargo
na administração municipal, Alves — também detido na operação — mandava e
desmandava no governo.
O
poder dele era tanto que, em 2018, chegou a conseguir o improvável: que
Crivella, conhecido por detestar o carnaval, apelasse à Liga das Escolas de
Samba contra o rebaixamento da Grande Rio e do Império Serrano. “Assim, todos
viram que quem manda sou eu e ponto. A caneta é minha, não de A ou B, e sim só
minha”, escreveu Alves sobre o assunto em mensagem ao doleiro Sérgio Mizrahy,
cuja deleção premiada deu origem às investigações.
“Os
crimes foram cometidos de forma permanente ao longo dos quatro anos de mandato,
verificando-se contratações fraudulentas e recebimento de propinas nos mais
variados setores da administração”, disse a desembargadora Rosa Helena Guita,
que decretou a prisão. “As tratativas espúrias, na verdade, tiveram início
ainda durante a campanha eleitoral e miravam as futuras contratações do
governo.”
Apoiado
por Bolsonaro na última eleição, Crivella escapou de cinco pedidos de
impeachment na Câmara, onde tinha maioria. Não se livrou da Polícia Civil e do
MP. A prisão dá um fim melancólico a uma gestão desastrosa. Eleito em 2016, com
o discurso de que chegara ao fim a era das grandes obras — marca da gestão Paes
entre 2009 e 2016 — , disse que era o momento de “cuidar das pessoas”. Quatro
anos depois, não fez nem uma coisa nem outra. A saúde sempre foi um descalabro.
Em vez de melhorá-la, contratou tropas de choque, os Guardiões do Crivella,
para dar plantão em hospitais e tumultuar entrevistas em que cidadãos
denunciavam a precariedade.
São
fartas as evidências de uma cidade abandonada por quatro anos. Nenhuma mais
eloquente do que o modo como o Rio lidou com pandemia. Já são mais de 14 mil
mortos, número próximo da capital paulista (15 mil), embora a população seja
pouco mais da metade (6,7 milhões, ante 12,3 milhões). Neste fim de ano, os
casos explodem, e a prefeitura promete abrir leitos. Promete, promete... e
nada. Pessoas morrem na fila, à espera de UTIs. Inaceitável.
Mais
uma vez, o Rio se revela uma fonte inesgotável de governantes ou ex-governantes
encarcerados: os ex-governadores Anthony e Rosinha Garotinho, Sérgio Cabral,
Luiz Fernando Pezão, Moreira Franco e agora o prefeito Marcelo Crivella. Wilson
Witzel está afastado, acusado de corrupção. Sinal de que muita coisa está fora
da ordem.
Espera-se
que a prisão de Crivella, ao fim de uma administração sofrível, vire uma página
na história do Rio. A cidade precisa de um choque de gestão urgente. E de um
choque de ética. Fim de ano, fim de governo, fim da hipocrisia. Momento
propício a um recomeço.
É
insensato o Congresso entrar em recesso com tanto trabalho a fazer – Opinião |
O Globo
Além
de ainda faltar o Orçamento de 2021, a crise da Covid exige que o Legislativo
fique de prontidão
Manter
o recesso de fim de ano do Congresso, previsto para começar hoje e se estender
até fevereiro, é um contrassenso. O Orçamento de 2021 nem foi votado, apenas a
Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A retomada da expansão da Covid-19, com
mais infectados e mortos, que se torna a grande crise sanitária mundial em um
século, também não permite qualquer desmobilização no poder público.
Além
da inconcebível falta do Orçamento, tramitam no Parlamento medidas essenciais
para trazer algum fôlego fiscal a um Estado esgotado pelo combate à pandemia. É
o caso da PEC Emergencial ou da PEC dos fundos públicos. Em dois anos, o
governo pouco fez nesse campo, e não pode transmitir um sinal de inércia. Ao
mesmo tempo, o recrudescimento da pandemia e o fim do auxílio emergencial
poderão exigir recursos ágeis dos governantes.
O
que acontece na Europa e nos Estados Unidos precisa servir de exemplo a
Brasília. Antes do período de festas de final de ano, o Congresso americano
apressou-se em liberar novo pacote bilionário de ajuda a pessoas físicas e
jurídicas, enquanto avança a vacinação. As autoridades europeias endureceram as
medidas de contenção diante da expansão de uma nova linhagem do vírus, mais
infecciosa, a partir do Reino Unido. A mesma presteza, o mesmo senso de
urgência se fazem necessários no Brasil, em parte semianestesiado pelo discurso
de um presidente que nega a gravidade da Covid-19, mesmo com quase 190 mil
brasileiros mortos.
É
evidente a necessidade de o Congresso continuar trabalhando, também para
compensar os meses de letargia antes das eleições municipais. Entre os que
defendem a suspensão do recesso estão tanto Rodrigo Maia (DEM-RJ), distante de
Bolsonaro, quanto o senador Renan Calheiros (MDB-AL), próximo ao Planalto. O
vice Hamilton Mourão afirmou que o país precisa começar o ano com Orçamento e
PEC Emergencial aprovados.
Se
essa PEC for aprovada, já haverá alguma melhora na área fiscal, a mais atingida
pela crise. O relator da medida no Senado, Marcio Bittar (MDB-AC), incluiu no
mesmo parecer duas outras propostas de emendas à Constituição que também
trariam algum alívio fiscal, a da extinção de fundos infraconstitucionais e a
do Pacto Federativo. Parece impossível tratar agora das propostas de uma só
vez. Mas, como se vê, trabalho não falta.
Se
entrar em recesso, o Legislativo será espectador da evolução do drama econômico
e social acelerado pelo agravamento da pandemia. É insensato deixar o Executivo
enfrentar dificuldades que tendem a crescer sem que haja a mediação do
Congresso.
Natal recolhido – Opinião | Folha de S. Paulo
Governo
paulista restringe atividades nas festas, mas interpõe 4 dias de risco
À
primeira vista se afigura acertada a decisão do governo paulista de restringir
atividades no período festivo deste final de ano no Brasil da
Covid-19. Todo o estado salta direto da fase amarela para a vermelha no feriado
e no fim de semana do Natal (25 a 27), com repetição no Ano Novo (1º a 3 de
janeiro).
Nesse
estágio, mais restritivo, admite-se a abertura só de setores essenciais, como
serviços de saúde, postos de combustível e supermercados. Presidente Prudente é
a única região do estado a entrar na fase vermelha de pronto, porque na cidade
a ocupação de UTIs já marca alarmantes 83%.
Em
quatro semanas, subiram 54% os casos e 34% as mortes em São Paulo. O nível de
isolamento social para impedir o contágio caiu para 40%, quando o ideal seria
50%. Chamar a alta de segunda onda ou de repique da epidemia resvala para a
inocuidade semântica; importa, isso sim, reconhecer o agravamento da situação.
Tal
é o sentido geral da medida de recolhimento pela administração João Doria
(PSDB), redobrar a precaução. Não fica de todo claro, contudo, por que o
intervalo de quatro dias com volta à fase amarela —não haveria risco de
incentivar nesse período justamente as aglomerações que se busca evitar?
A
restrição de atividades econômicas não impede festividades com dezenas de
pessoas em residências. E as que tinham planos de comemorar em algum desses
dias, em bares ou restaurantes ora interditados, poderão tentar fazê-lo no
interregno amarelo.
A
população já se mostra em boa medida refratária a manter medidas de prevenção.
Até diante da perspectiva de vacinas recrudesce o ceticismo, como revelou
pesquisa Datafolha: despencou de 89% para 73% a parcela de brasileiros
dispostos a imunizar-se.
Recomenda-se
pecar pelo exagero quando uma situação ameaça sair do controle, tanto mais
quando não se pode contar com coordenação do governo federal. O mesmo vale para
a incerteza adicional imposta por linhagem mutante do coronavírus que parece
ser 70% mais transmissível.
A
nova variedade do Sars-CoV-2 ocasionou retorno de um trancamento rígido no
Reino Unido, e mais de 40 países baniram viajantes provenientes de aeroportos
britânicos. Não está na
lista o Brasil de Jair Bolsonaro, que mais uma vez escolhe errar
pela trilha da leniência e do negacionismo.
Exigir
testes antes do embarque não elimina por completo o perigo de aportar aqui uma
pessoa infectada com a variante mais transmissível. O ocupante do Planalto, de
novo como sempre, não tem pejo de arriscar a vida dos outros para alimentar a
propaganda enganosa de que a Covid-19 está no fim.
Mérito
da PF – Opinião | Folha de S. Paulo
Em
meio ao descalabro ambiental, apreensão recorde de madeira nativa traz alento
Num
ano coalhado de más notícias para o Brasil na seara ambiental, representa sem
dúvida algum alento a apreensão
recorde de madeira nativa desfechada nesta semana pela Polícia
Federal.
Resultado
da operação Handroanthus GLO, a ação da PF reteve impressionantes 131,1 mil
metros cúbicos de madeira na divisa do Pará com o Amazonas. As mais de 43 mil
toras encontravam-se dispersas ao longo dos rios Mamuru e Arapiuns, uma região
de cerca de 20 mil km², área comparável à do estado de Sergipe.
Trata-se
da maior apreensão do tipo em solo nacional. O recorde anterior se dera em
2010, quando foram apresados cerca de 65 mil m³ na Reserva Extrativista
Renascer, também no oeste do Pará.
O
volume agora apreendido, entretanto, pode ser ainda maior. O cálculo,
preliminar, é considerado conservador pela Polícia Federal, e uma perícia mais
acurada deve ocorrer com o apoio do Exército.
Destacam-se
na operação, que se desenrolou ao longo de mais de um mês, as ações de
inteligência e o emprego de meios tecnológicos. A PF chegou ao local a partir
da análise de imagens de satélite de alta resolução e de incursões na floresta
com helicópteros, para filtrar os pontos de maior interesse.
Embora
a região conte com uma miríade de planos de manejo autorizados pela Secretaria
de Meio Ambiente do Pará, que permitem a exploração legal da madeira, não houve
até agora quem reclamasse a carga ou apresentasse documentos que comprovem sua
legitimidade —um indício forte, segundo a PF, da origem ilícita.
Assim,
se não houvessem sido apreendidas, as milhares de toras provavelmente
terminariam “esquentadas” no mercado de madeira ilegal cujos tentáculos vêm
sendo revelados por outra operação, batizada de Arquimedes, em curso na
Amazônia.
As
perquirições da Polícia Federal e do Ministério Público descobriram um vasto
esquema de extração e transporte ilícito de madeira envolvendo agentes
públicos, empresários e laranjas. Ao todo, 63 empresas são investigadas.
São
iniciativas elogiáveis, que felizmente persistem em meio ao cenário de
afrouxamento da fiscalização ambiental promovido pelo governo Jair Bolsonaro.
A
reparação de tamanho estrago depende de sinais fortes por parte da
administração. Um primeiro passo deveria ser a demissão do
antiministro da área, Ricardo Salles.
Votações no Congresso ignoram emergência fiscal – Opinião | Valor Econômico
O
risco de maior desorganização das contas públicas é grande
O
governo de Jair Bolsonaro ignorou a necessidade de articulação política no
Congresso e só acordou para a importância de uma base governista em meados do
ano, quando lançou-se em busca o Centrão, premido também por outras
conveniências não políticas. Mesmo assim, a agenda governista, caótica,
dependeu mais da vontade e das ações dos líderes da Câmara e do Senado, do que
do esforço e habilidade do Planalto. Um dos resultados foram votações
fiscalmente irresponsáveis do fim de ano legislativo.
A
agenda reformista do ministro da Economia, Paulo Guedes ficou no limbo não só
do Congresso, mas também do Planalto, já que Bolsonaro não mostrou nenhum
interesse por ela, quando não desautorizou Guedes em público. PECs básicas,
como a emergencial, ficaram para 2021, após tentativa recente de transformá-la
em pó. A reforma administrativa foi emasculada pelo presidente.
Sem
prioridades evidentes, e sem a liderança do Executivo, até a semana passada não
havia sido votado o projeto de lei de diretrizes do orçamento, sem o qual o
governo pararia em janeiro. Antes, o governo enviara ao Congresso um projeto
sem meta fiscal, pelo qual foi advertido pelo Tribunal de Contas da União sobre
sua impropriedade legal.
O
PLDO foi votado em seis horas pela Câmara e em 14 minutos pelo Senado (em
votação simbólica). O déficit primário previsto foi a R$ 247 bilhões, mas os
congressistas retiraram ainda mais um naco da autoridade do Executivo em sua
execução, ao acrescentarem às emendas individuais (R$ 9,7 bilhões), as de
bancadas (R$ 8 bilhões), e ainda as do relator, que superam R$ 30 bilhões e
serão rediscutidas. O Congresso também consagrou as transferências
orçamentárias direta de deputados para municípios e Estados, sem a necessidade
de justificar sua finalidade. Aumentaram suas possibilidades de expandir
máquinas partidárias país afora e fortalecer aliados, por meios sem nenhuma
transparência, em mais uma avenida aberta para a corrupção.
O
relator do orçamento, senador Irajá (PSD-TO), afirmou em plenário que “devido
ao exíguo tempo de análise e para evitar injustiças, decidimos pelo
acolhimentos de todas as emendas”. Com isto foram acolhidas no orçamento 257
delas, 18 de bancadas estaduais, 58 de senadores e 181 de deputados. O PLDO
manteve o expediente para não ferir a regra de ouro, ao pedir que o Congresso
aprove créditos extras de R$ 265,1 bilhões.
Na
liquidação de votações, foram aprovados R$ 62 bilhões para Estados e
municípios, para compensar perdas com a isenção de impostos sobre exportações.
A compensação, criada pela lei Kandir de 1996, deveria ter terminado, mas vai
se prolongar por pelo menos mais 17 anos. Um projeto aprovado sem discussão,
patrocinado por congressistas donos de empresas de ônibus, tornou mais difícil
a concorrência no setor.
O
Congresso engavetou o Plano Mansueto, que disciplinava as finanças estaduais,
por mais de um ano. No apagar das luzes, foi aprovado um arremedo, concedendo
mais recursos, prazos e abrindo possibilidades de obtenção de crédito mesmo
para Estados e municípios com endividamento excessivo.
Pelo
menos 11 Estados que fizeram um acordo de prorrogação da dívida em 2016
deixaram de cumprir o teto de gastos - uma exigência - em 2018 e 2019 foram
contemplados com dispensa de multas e alocação do montante de dívidas que
deixaram de pagar, no saldo devedor. Abriu-se espaço para Estados que atingiram
o limite de endividamento buscarem crédito com aval do Tesouro com base em
contragarantias. Recentemente, vários Estados obtiveram do STF liminares para
que as contragarantias não fossem executadas, e ganharam o direito de continuar
não pagando dívidas com o Tesouro.
Na
pandemia, Estados e municípios receberam auxílio (e dívidas postergadas) de R$
123 bilhões que foi tão acima das necessidades que vários deles estão com
excesso de caixa, o que não diminui seu apetite por verbas e sua resistência a
medidas de disciplina fiscal. Há uma bomba fiscal de aumento de 1% nos repasses
aos fundos de participação dos municípios, algo como R$ 35 bilhões em 10 anos,
a ser votada ontem.
Essa pode ser só a avant-première de eventual comando do Centrão na Câmara dos Deputados, onde a austeridade deverá ficar em segundo plano diante das pautas de costumes do presidente, até agora rejeitadas pelo Congresso. O risco de maior desorganização das contas públicas é grande.
Nenhum comentário:
Postar um comentário