quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Democracia desmoralizada – Opinião | O Estado de S. Paulo

Mundo da irresponsabilidade generalizada gestou a catastrófica presidência de Jair Bolsonaro e a eleição do prefeito Marcelo Crivella

E eis que mais um governante do Rio de Janeiro foi preso. Muito ainda se falará sobre o rumoroso caso do prefeito Marcelo Crivella, detido a nove dias do final de seu desastroso mandato, sob acusação de chefiar organização criminosa movida a propinas. Mas nem é preciso esperar o desfecho do caso para que se constate a incrível frequência com que o eleitor fluminense escolhe mal seus dirigentes.

Recorde-se que o agora fichado Crivella conseguiu a proeza de ir para o segundo turno na eleição passada mesmo tendo legado à cidade que governava a pior administração de que se tem notícia. Ou seja: não contentes em terem jogado fora seu voto há quatro anos, quando Crivella foi eleito a despeito de ser quem é, muitos eleitores do Rio de Janeiro tornaram a fazê-lo quando já deveria estar clara para todos a sua inépcia.

Se a prisão do prefeito do Rio de Janeiro ainda no exercício do cargo, por incrível que pareça, já não tem tanta importância, pois se trata de evento tristemente corriqueiro na vida política fluminense, a notícia deve servir para que os eleitores brasileiros reflitam sobre como têm exercido seu direito de voto.

A escolha de governantes e representantes no Legislativo por meio do voto livre e direto não é algo trivial. Ao exercer esse direito, o eleitor assume a corresponsabilidade pelos destinos de sua cidade, de seu Estado e do País, razão pela qual deve fazê-lo de maneira consciente e ponderada.

Sabe-se, contudo, que isso nem sempre acontece, por uma série de razões – a começar pela desinformação e pela falta de educação cívica de parte considerável dos eleitores, que ou tomam seus desejos particulares como se fossem os interesses da coletividade na hora de decidir o voto ou fazem sua opção sem qualquer reflexão. Esse processo medíocre de escolha, quando generalizado, raramente deixa de resultar em desastre.

É evidente que o eleitor pode ser induzido a tomar decisões equivocadas por uma propaganda eleitoral eficiente ou pelo carisma do candidato, que com isso consegue esconder seus defeitos de caráter ou de formação. Mas é difícil entender como o mesmo eleitor que se queixa da corrupção e da inaptidão dos políticos é capaz de eleger, sem pestanejar e em sequência, candidatos tão flagrantemente desonestos e despreparados para a administração pública.

Era preciso uma dose cavalar de ingenuidade para acreditar, por exemplo, que Jair Bolsonaro, cujo único feito relevante até se tornar presidente foi ter transformado sua família numa holding parlamentar, seria mesmo o líder que moralizaria a política. Ou então que esse mesmo Jair Bolsonaro seria capaz de governar o País tendo se notabilizado em toda a sua vida política por sua gritaria reacionária, e não pelo par de projetos irrelevantes que apresentou no Congresso. No entanto, Bolsonaro venceu – e, mesmo sendo o pior presidente da história nacional, ainda vai razoavelmente bem nas pesquisas de opinião.

Diz-se que demagogos ganham eleições e mantêm alguma popularidade como consequência do cansaço dos cidadãos, desencantados com a política em geral. Por essa perspectiva, pode-se argumentar que o voto representa uma forma de protesto, mas também, e isso é mais grave, pode ser uma maneira de sabotar o processo eleitoral em si mesmo, desmoralizando a democracia – regime que, para muitos eleitores, infelizmente nada diz.

É como se os eleitores estivessem a declarar que o desfecho da eleição, qualquer que seja, não lhes diz respeito, renunciando liminarmente à responsabilidade que cabe a cada um dos cidadãos. E o eleito, nesse espírito, também assume pronto a repelir qualquer responsabilidade, que é sempre dos outros – sejam aqueles que lhe deixaram uma “herança maldita”, sejam aqueles que, segundo diz, não o deixam governar.

Tem-se então o mundo da irresponsabilidade generalizada, que gestou a catastrófica Presidência de Jair Bolsonaro, bem como a eleição do prefeito Crivella e de outros tantos picaretas – todos empenhados em alimentar a avacalhação da democracia, pois disso depende sua manutenção no poder.

O Supremo e a Lei da Ficha Limpa – Opinião | O Estado de S. Paulo

O ministro Nunes Marques não tem poder para alterar a legislação vigente

Por decisão liminar, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Nunes Marques suspendeu um trecho da Lei Complementar (LC) 135/2010, a chamada Lei da Ficha Limpa. Numa ação proposta pelo PDT, o ministro indicado pelo presidente Jair Bolsonaro determinou que a expressão “após o cumprimento da pena”, relativa ao período da inelegibilidade, não seja aplicada aos processos de registro de candidatura das eleições de 2020 que ainda estão pendentes de apreciação.

A Lei da Ficha Limpa completou em junho de 2020 uma década de vigência. Não há nenhum motivo para que um ministro do STF, às vésperas do recesso do Poder Judiciário, modifique sua redação, facilitando a vida de políticos condenados criminalmente. Num Estado Democrático de Direito, quem redige as leis é o Poder Legislativo. Eventual discordância de um magistrado a respeito do conteúdo aprovado pelo Congresso não lhe dá direito a modificar as disposições legais.

Segundo a Lei da Ficha Limpa, “são inelegíveis para qualquer cargo os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena” por determinados crimes, como lavagem de dinheiro, tráfico de entorpecentes e racismo. Como apontado várias vezes nesse espaço, a redação da Lei da Ficha Limpa não é um primor técnico, tendo sido ao longo do tempo objeto de discussões jurídicas.

De toda forma, a jurisprudência do STF consolidou-se no sentido de garantir a aplicação da Lei da Ficha Limpa. Além das razões jurídicas, era o reconhecimento da grande mobilização popular em torno da aprovação da lei no Congresso. Foram mais de 1,6 milhão de assinaturas de apoio ao projeto. Além disso, a Lei da Ficha Limpa vinha regulamentar a própria Constituição, cuja defesa compete ao Supremo.

No capítulo dos direitos políticos, logo depois de tratar das restrições aplicáveis aos militares, a Constituição estabeleceu que “lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato, considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.

Ainda que não tenha, em muitos momentos, o necessário rigor jurídico, a Lei da Ficha Limpa deu importante contribuição para o regime democrático, ao fixar requisitos mínimos de probidade e moralidade. E esses requisitos são prejudicados quando uma decisão singular de membro do Judiciário atenua o rigor da LC 135/2010.

Evidentemente, o ministro Nunes Marques não tem poder para alterar a legislação vigente. Sua decisão tem, ainda, uma agravante. A Constituição dispõe expressamente que cabe à lei complementar – isto é, ao Congresso – estabelecer “outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação”. Quando o mais novo ministro do STF suspende a aplicação da expressão “após o cumprimento da pena”, ele está alterando precisamente o prazo em que cessa a inelegibilidade.

Desde que a Lei da Ficha Limpa foi aprovada pelo Congresso, houve muita pressão para limitar os seus efeitos. Não era para menos. Ela complicou a carreira política de muita gente que nunca quis ver incompatibilidade entre exercício de cargo público e condenação criminal. A oposição à Lei da Ficha Limpa cresceu significativamente depois da condenação em segunda instância do ex-presidente Lula da Silva. Para alguns, a lei deixou de ser boa no momento em que tornou inelegível o líder petista.

A decisão do ministro Nunes Marques não tem nenhum efeito sobre o caso do ex-presidente Lula. De toda forma, é prejudicial que o Judiciário, nas atuais circunstâncias de afronta à Lei da Ficha Limpa, contribua para diminuir, em alguma medida, o seu rigor. O papel da Justiça não é aumentar a insegurança ou abrir espaço para a impunidade, e sim fazer valer a sujeição de todos à lei, também os poderosos.

Educação e padrão de vida – Opinião | O Estado de S. Paulo

Com 1% a mais do PIB gasto no setor, padrão de vida médio pode crescer 26% em 50 anos

Depois de analisar o impacto dos investimentos no setor educacional entre 1933 e 1985, pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) chegaram à conclusão de que, se o Brasil investir apenas 1% a mais, a cada ano, do seu Produto Interno Bruto (PIB) em ensino básico, o padrão de vida médio da população poderá aumentar até 26% nos próximos 50 anos. E, já em 2050, a população brasileira poderia atingir o mesmo padrão de vida da população portuguesa.

“A educação é um investimento de longo prazo, cujos efeitos sociais e econômicos se tornam um patrimônio da sociedade. Basta olhar para os exemplos da Suécia ou da Coreia do Sul, países que evoluíram apostando no investimento do ensino”, lembra Samuel Pessoa, pesquisador da FGV e um dos coautores desse estudo.

O trabalho parte da premissa de que os jovens são o principal ativo que o País possui. Ao analisar os gastos do País com educação entre as décadas de 1930 e 1980, os pesquisadores do Ibre constataram que a formação de capital humano a partir da oferta de educação primária não foi incluída nas estratégias de desenvolvimento. Durante esse período, que foi marcado por sucessivos ciclos de democracia e de autoritarismo, a educação básica foi negligenciada.

A universalização do ensino fundamental só foi assegurada na última década do século 20 e, mesmo assim, com um nível baixo de qualidade, como tem sido apontado pelos métodos nacionais e internacionais de avaliação de desempenho escolar. Da década de 1990 para cá, a política educacional foi reformulada várias vezes. Se de um lado o governo Fernando Henrique Cardoso institucionalizou a avaliação escolar, com o objetivo de coletar informações que fundamentassem a formulação de uma política educacional de médio e longo prazos, de outro os governos Lula e Dilma privilegiaram modismos pedagógicos e implementaram projetos caros, porém mal costurados, como o programa Ciência sem Fronteiras. E agora, nestes quase dois anos de governo Bolsonaro, o Ministério da Educação (MEC) entrou em estado letárgico, deixando de coordenar a reabertura das escolas de ensino fundamental e médio. Simplesmente eximiu-se de suas atribuições básicas ao longo de um ano letivo comprometido pela pandemia. 

Nos últimos anos, a política educacional mais bem-sucedida não foi formulada pela União, mas por uma unidade da Federação – o Ceará. Independentemente das trocas de governo, o Estado nordestino adotou a chamada política de alfabetização contínua e a manteve intocada ao longo do tempo. Não apenas investiu mais, como também se preocupou com a qualidade dos gastos no setor educacional. Desde então, o nível de desempenho em Língua Portuguesa dos alunos cearenses cresceu significativamente. E, em Matemática, são os que têm obtido as melhores notas nas avaliações nacionais. “Exemplos como o do Ceará devem ser aplicados em todo o País. Dá para imaginar que, nos próximos anos, os cearenses terão um surto de desenvolvimento resultante da educação, o que poderia estar ocorrendo também em outros Estados”, afirma Samuel Pessoa. 

Como ele, outros economistas da FGV apontam que investir na educação 2% do que o País produz a cada ano poderia elevar em quase 32% o aumento da produtividade. Apesar dos altos níveis de desemprego no País, as empresas alegam que, por causa da baixa qualificação média da população brasileira, não estão conseguindo preencher vagas que exigem qualificação profissional e competências específicas. Essa é a razão pela qual o Brasil até hoje não igualou a proeza da Coreia do Sul, que investiu em ensino básico e profissionalizante com o objetivo de dar um salto de desenvolvimento e, por consequência, de melhora do padrão de vida médio de sua população. 

Estudos como o da FGV são fundamentais para apontar os rumos que o País deve seguir para promover a revolução educacional. Mas é preciso que os governos saibam interpretar suas conclusões e agir com coerência e determinação, o que não é o caso, infelizmente, do governo Bolsonaro.

O fim melancólico de uma gestão desastrosa – Opinião | O Globo

Prefeito Marcelo Crivella é preso em decorrência de acusações de que liderava um ‘QG da propina’

A nove dias de deixar o governo, o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) amanheceu ontem com a polícia em sua porta. Foi preso em decorrência de acusações de que liderava o “QG da propina”, nome dado pela polícia ao que definiu como um esquema de corrupção dentro da própria prefeitura, operado pelo empresário Rafael Alves. As evidências mostram que, apesar de não ocupar cargo na administração municipal, Alves — também detido na operação — mandava e desmandava no governo.

O poder dele era tanto que, em 2018, chegou a conseguir o improvável: que Crivella, conhecido por detestar o carnaval, apelasse à Liga das Escolas de Samba contra o rebaixamento da Grande Rio e do Império Serrano. “Assim, todos viram que quem manda sou eu e ponto. A caneta é minha, não de A ou B, e sim só minha”, escreveu Alves sobre o assunto em mensagem ao doleiro Sérgio Mizrahy, cuja deleção premiada deu origem às investigações.

“Os crimes foram cometidos de forma permanente ao longo dos quatro anos de mandato, verificando-se contratações fraudulentas e recebimento de propinas nos mais variados setores da administração”, disse a desembargadora Rosa Helena Guita, que decretou a prisão. “As tratativas espúrias, na verdade, tiveram início ainda durante a campanha eleitoral e miravam as futuras contratações do governo.”

Apoiado por Bolsonaro na última eleição, Crivella escapou de cinco pedidos de impeachment na Câmara, onde tinha maioria. Não se livrou da Polícia Civil e do MP. A prisão dá um fim melancólico a uma gestão desastrosa. Eleito em 2016, com o discurso de que chegara ao fim a era das grandes obras — marca da gestão Paes entre 2009 e 2016 — , disse que era o momento de “cuidar das pessoas”. Quatro anos depois, não fez nem uma coisa nem outra. A saúde sempre foi um descalabro. Em vez de melhorá-la, contratou tropas de choque, os Guardiões do Crivella, para dar plantão em hospitais e tumultuar entrevistas em que cidadãos denunciavam a precariedade.

São fartas as evidências de uma cidade abandonada por quatro anos. Nenhuma mais eloquente do que o modo como o Rio lidou com pandemia. Já são mais de 14 mil mortos, número próximo da capital paulista (15 mil), embora a população seja pouco mais da metade (6,7 milhões, ante 12,3 milhões). Neste fim de ano, os casos explodem, e a prefeitura promete abrir leitos. Promete, promete... e nada. Pessoas morrem na fila, à espera de UTIs. Inaceitável.

Mais uma vez, o Rio se revela uma fonte inesgotável de governantes ou ex-governantes encarcerados: os ex-governadores Anthony e Rosinha Garotinho, Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão, Moreira Franco e agora o prefeito Marcelo Crivella. Wilson Witzel está afastado, acusado de corrupção. Sinal de que muita coisa está fora da ordem.

Espera-se que a prisão de Crivella, ao fim de uma administração sofrível, vire uma página na história do Rio. A cidade precisa de um choque de gestão urgente. E de um choque de ética. Fim de ano, fim de governo, fim da hipocrisia. Momento propício a um recomeço.

É insensato o Congresso entrar em recesso com tanto trabalho a fazer – Opinião | O Globo

Além de ainda faltar o Orçamento de 2021, a crise da Covid exige que o Legislativo fique de prontidão

Manter o recesso de fim de ano do Congresso, previsto para começar hoje e se estender até fevereiro, é um contrassenso. O Orçamento de 2021 nem foi votado, apenas a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A retomada da expansão da Covid-19, com mais infectados e mortos, que se torna a grande crise sanitária mundial em um século, também não permite qualquer desmobilização no poder público.

Além da inconcebível falta do Orçamento, tramitam no Parlamento medidas essenciais para trazer algum fôlego fiscal a um Estado esgotado pelo combate à pandemia. É o caso da PEC Emergencial ou da PEC dos fundos públicos. Em dois anos, o governo pouco fez nesse campo, e não pode transmitir um sinal de inércia. Ao mesmo tempo, o recrudescimento da pandemia e o fim do auxílio emergencial poderão exigir recursos ágeis dos governantes.

O que acontece na Europa e nos Estados Unidos precisa servir de exemplo a Brasília. Antes do período de festas de final de ano, o Congresso americano apressou-se em liberar novo pacote bilionário de ajuda a pessoas físicas e jurídicas, enquanto avança a vacinação. As autoridades europeias endureceram as medidas de contenção diante da expansão de uma nova linhagem do vírus, mais infecciosa, a partir do Reino Unido. A mesma presteza, o mesmo senso de urgência se fazem necessários no Brasil, em parte semianestesiado pelo discurso de um presidente que nega a gravidade da Covid-19, mesmo com quase 190 mil brasileiros mortos.

É evidente a necessidade de o Congresso continuar trabalhando, também para compensar os meses de letargia antes das eleições municipais. Entre os que defendem a suspensão do recesso estão tanto Rodrigo Maia (DEM-RJ), distante de Bolsonaro, quanto o senador Renan Calheiros (MDB-AL), próximo ao Planalto. O vice Hamilton Mourão afirmou que o país precisa começar o ano com Orçamento e PEC Emergencial aprovados.

Se essa PEC for aprovada, já haverá alguma melhora na área fiscal, a mais atingida pela crise. O relator da medida no Senado, Marcio Bittar (MDB-AC), incluiu no mesmo parecer duas outras propostas de emendas à Constituição que também trariam algum alívio fiscal, a da extinção de fundos infraconstitucionais e a do Pacto Federativo. Parece impossível tratar agora das propostas de uma só vez. Mas, como se vê, trabalho não falta.

Se entrar em recesso, o Legislativo será espectador da evolução do drama econômico e social acelerado pelo agravamento da pandemia. É insensato deixar o Executivo enfrentar dificuldades que tendem a crescer sem que haja a mediação do Congresso.

Natal recolhido – Opinião | Folha de S. Paulo

Governo paulista restringe atividades nas festas, mas interpõe 4 dias de risco

À primeira vista se afigura acertada a decisão do governo paulista de restringir atividades no período festivo deste final de ano no Brasil da Covid-19. Todo o estado salta direto da fase amarela para a vermelha no feriado e no fim de semana do Natal (25 a 27), com repetição no Ano Novo (1º a 3 de janeiro).

Nesse estágio, mais restritivo, admite-se a abertura só de setores essenciais, como serviços de saúde, postos de combustível e supermercados. Presidente Prudente é a única região do estado a entrar na fase vermelha de pronto, porque na cidade a ocupação de UTIs já marca alarmantes 83%.

Em quatro semanas, subiram 54% os casos e 34% as mortes em São Paulo. O nível de isolamento social para impedir o contágio caiu para 40%, quando o ideal seria 50%. Chamar a alta de segunda onda ou de repique da epidemia resvala para a inocuidade semântica; importa, isso sim, reconhecer o agravamento da situação.

Tal é o sentido geral da medida de recolhimento pela administração João Doria (PSDB), redobrar a precaução. Não fica de todo claro, contudo, por que o intervalo de quatro dias com volta à fase amarela —não haveria risco de incentivar nesse período justamente as aglomerações que se busca evitar?

A restrição de atividades econômicas não impede festividades com dezenas de pessoas em residências. E as que tinham planos de comemorar em algum desses dias, em bares ou restaurantes ora interditados, poderão tentar fazê-lo no interregno amarelo.

A população já se mostra em boa medida refratária a manter medidas de prevenção. Até diante da perspectiva de vacinas recrudesce o ceticismo, como revelou pesquisa Datafolha: despencou de 89% para 73% a parcela de brasileiros dispostos a imunizar-se.

Recomenda-se pecar pelo exagero quando uma situação ameaça sair do controle, tanto mais quando não se pode contar com coordenação do governo federal. O mesmo vale para a incerteza adicional imposta por linhagem mutante do coronavírus que parece ser 70% mais transmissível.

A nova variedade do Sars-CoV-2 ocasionou retorno de um trancamento rígido no Reino Unido, e mais de 40 países baniram viajantes provenientes de aeroportos britânicos. Não está na lista o Brasil de Jair Bolsonaro, que mais uma vez escolhe errar pela trilha da leniência e do negacionismo.

Exigir testes antes do embarque não elimina por completo o perigo de aportar aqui uma pessoa infectada com a variante mais transmissível. O ocupante do Planalto, de novo como sempre, não tem pejo de arriscar a vida dos outros para alimentar a propaganda enganosa de que a Covid-19 está no fim.

Mérito da PF – Opinião | Folha de S. Paulo

Em meio ao descalabro ambiental, apreensão recorde de madeira nativa traz alento

Num ano coalhado de más notícias para o Brasil na seara ambiental, representa sem dúvida algum alento a apreensão recorde de madeira nativa desfechada nesta semana pela Polícia Federal.

Resultado da operação Handroanthus GLO, a ação da PF reteve impressionantes 131,1 mil metros cúbicos de madeira na divisa do Pará com o Amazonas. As mais de 43 mil toras encontravam-se dispersas ao longo dos rios Mamuru e Arapiuns, uma região de cerca de 20 mil km², área comparável à do estado de Sergipe.

Trata-se da maior apreensão do tipo em solo nacional. O recorde anterior se dera em 2010, quando foram apresados cerca de 65 mil m³ na Reserva Extrativista Renascer, também no oeste do Pará.

O volume agora apreendido, entretanto, pode ser ainda maior. O cálculo, preliminar, é considerado conservador pela Polícia Federal, e uma perícia mais acurada deve ocorrer com o apoio do Exército.

Destacam-se na operação, que se desenrolou ao longo de mais de um mês, as ações de inteligência e o emprego de meios tecnológicos. A PF chegou ao local a partir da análise de imagens de satélite de alta resolução e de incursões na floresta com helicópteros, para filtrar os pontos de maior interesse.

Embora a região conte com uma miríade de planos de manejo autorizados pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará, que permitem a exploração legal da madeira, não houve até agora quem reclamasse a carga ou apresentasse documentos que comprovem sua legitimidade —um indício forte, segundo a PF, da origem ilícita.

Assim, se não houvessem sido apreendidas, as milhares de toras provavelmente terminariam “esquentadas” no mercado de madeira ilegal cujos tentáculos vêm sendo revelados por outra operação, batizada de Arquimedes, em curso na Amazônia.

As perquirições da Polícia Federal e do Ministério Público descobriram um vasto esquema de extração e transporte ilícito de madeira envolvendo agentes públicos, empresários e laranjas. Ao todo, 63 empresas são investigadas.

São iniciativas elogiáveis, que felizmente persistem em meio ao cenário de afrouxamento da fiscalização ambiental promovido pelo governo Jair Bolsonaro.

A reparação de tamanho estrago depende de sinais fortes por parte da administração. Um primeiro passo deveria ser a demissão do antiministro da área, Ricardo Salles.

Votações no Congresso ignoram emergência fiscal – Opinião | Valor Econômico

O risco de maior desorganização das contas públicas é grande

O governo de Jair Bolsonaro ignorou a necessidade de articulação política no Congresso e só acordou para a importância de uma base governista em meados do ano, quando lançou-se em busca o Centrão, premido também por outras conveniências não políticas. Mesmo assim, a agenda governista, caótica, dependeu mais da vontade e das ações dos líderes da Câmara e do Senado, do que do esforço e habilidade do Planalto. Um dos resultados foram votações fiscalmente irresponsáveis do fim de ano legislativo.

A agenda reformista do ministro da Economia, Paulo Guedes ficou no limbo não só do Congresso, mas também do Planalto, já que Bolsonaro não mostrou nenhum interesse por ela, quando não desautorizou Guedes em público. PECs básicas, como a emergencial, ficaram para 2021, após tentativa recente de transformá-la em pó. A reforma administrativa foi emasculada pelo presidente.

Sem prioridades evidentes, e sem a liderança do Executivo, até a semana passada não havia sido votado o projeto de lei de diretrizes do orçamento, sem o qual o governo pararia em janeiro. Antes, o governo enviara ao Congresso um projeto sem meta fiscal, pelo qual foi advertido pelo Tribunal de Contas da União sobre sua impropriedade legal.

O PLDO foi votado em seis horas pela Câmara e em 14 minutos pelo Senado (em votação simbólica). O déficit primário previsto foi a R$ 247 bilhões, mas os congressistas retiraram ainda mais um naco da autoridade do Executivo em sua execução, ao acrescentarem às emendas individuais (R$ 9,7 bilhões), as de bancadas (R$ 8 bilhões), e ainda as do relator, que superam R$ 30 bilhões e serão rediscutidas. O Congresso também consagrou as transferências orçamentárias direta de deputados para municípios e Estados, sem a necessidade de justificar sua finalidade. Aumentaram suas possibilidades de expandir máquinas partidárias país afora e fortalecer aliados, por meios sem nenhuma transparência, em mais uma avenida aberta para a corrupção.

O relator do orçamento, senador Irajá (PSD-TO), afirmou em plenário que “devido ao exíguo tempo de análise e para evitar injustiças, decidimos pelo acolhimentos de todas as emendas”. Com isto foram acolhidas no orçamento 257 delas, 18 de bancadas estaduais, 58 de senadores e 181 de deputados. O PLDO manteve o expediente para não ferir a regra de ouro, ao pedir que o Congresso aprove créditos extras de R$ 265,1 bilhões.

Na liquidação de votações, foram aprovados R$ 62 bilhões para Estados e municípios, para compensar perdas com a isenção de impostos sobre exportações. A compensação, criada pela lei Kandir de 1996, deveria ter terminado, mas vai se prolongar por pelo menos mais 17 anos. Um projeto aprovado sem discussão, patrocinado por congressistas donos de empresas de ônibus, tornou mais difícil a concorrência no setor.

O Congresso engavetou o Plano Mansueto, que disciplinava as finanças estaduais, por mais de um ano. No apagar das luzes, foi aprovado um arremedo, concedendo mais recursos, prazos e abrindo possibilidades de obtenção de crédito mesmo para Estados e municípios com endividamento excessivo.

Pelo menos 11 Estados que fizeram um acordo de prorrogação da dívida em 2016 deixaram de cumprir o teto de gastos - uma exigência - em 2018 e 2019 foram contemplados com dispensa de multas e alocação do montante de dívidas que deixaram de pagar, no saldo devedor. Abriu-se espaço para Estados que atingiram o limite de endividamento buscarem crédito com aval do Tesouro com base em contragarantias. Recentemente, vários Estados obtiveram do STF liminares para que as contragarantias não fossem executadas, e ganharam o direito de continuar não pagando dívidas com o Tesouro.

Na pandemia, Estados e municípios receberam auxílio (e dívidas postergadas) de R$ 123 bilhões que foi tão acima das necessidades que vários deles estão com excesso de caixa, o que não diminui seu apetite por verbas e sua resistência a medidas de disciplina fiscal. Há uma bomba fiscal de aumento de 1% nos repasses aos fundos de participação dos municípios, algo como R$ 35 bilhões em 10 anos, a ser votada ontem.

Essa pode ser só a avant-première de eventual comando do Centrão na Câmara dos Deputados, onde a austeridade deverá ficar em segundo plano diante das pautas de costumes do presidente, até agora rejeitadas pelo Congresso. O risco de maior desorganização das contas públicas é grande.

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