Privilégios
fiscais e renúncias tributárias que beneficiam os principais grupos de
interesse não serão cortados ou reduzidos de forma expressiva
Uma
das tradições da indústria financeira é a de publicar no fim do ano cenários
prospectivos. Esse trabalho está sujeito a incertezas e choques, o que reduz o
grau de acerto das projeções econômicas. Este ano foi um triste exemplo dessa
dificuldade.
Após
algumas décadas, já não me dedico diretamente à essa tarefa. O vício da profissão,
no entanto, me faz apresentar previsões do que não ocorrerá no Brasil em 2021.
Ao contrário do passado, em que a torcida era sempre a de acertar, torço para
estar errado, senão em todas, ao menos em algumas dessas projeções.
O
Congresso não aprovará uma Reforma Administrativa abrangente. Caso a discussão
evolua, seus efeitos nos próximos anos serão pouco significativos. Assim como
na proposta do governo encaminhada ao Congresso, a maioria dos parlamentares
não parece interessada em fazer essas medidas alcançarem o atual corpo
funcional. O risco é de as medidas só tratarem dos servidores civis do
Executivo e ampliarem o número de carreiras que não estarão sujeitas à
modernização das regras.
Uma
Reforma Tributária ampla não será aprovada, apesar do consenso generalizado de
que é necessário revisar por completo o código tributário. Uma reforma parcial
já seria uma conquista, mas dificilmente eliminaria grande parte das exceções
existentes nem teria prazo de transição reduzido.
Os privilégios fiscais e as renúncias tributárias que beneficiam os principais grupos de interesse não serão cortados ou reduzidos de forma expressiva. Apesar do empenho de vários parlamentares, o Congresso provavelmente não diminuirá sequer os subsídios que não ofereceram nenhuma contrapartida nas últimas décadas em termos de aumento da produtividade, de melhoria da distribuição de renda ou de redução da pobreza.
O
Brasil não implementará nenhuma medida estrutural para sair do grupo de países
com os piores indicadores de qualidade da educação. Os principais
representantes do Ministério da Educação tampouco atuarão para reduzir a enorme
perda em termos de aprendizado que a pandemia tem trazido aos jovens e às
crianças nas escolas públicas. Continuará faltando treinamento de qualidade
para professores e administradores escolares. No caso da evolução no Congresso
de propostas como a compra de tablets com acesso à internet, por exemplo, o
governo não proverá treinamento para uso eficiente desses equipamentos por
professores e alunos.
Não
haverá avanço significativo nas políticas de saúde pública. O Ministério da
Saúde não implementará um plano de vacinação contra a covid-19 de forma célere
e eficiente. O presidente não liderará nenhuma iniciativa mais sólida para
convencimento da população a se vacinar.
A
rigidez do orçamento federal não diminuirá, dificultando a redução da incerteza
fiscal e a gestão mais eficiente das contas públicas. O risco de não
cumprimento da regra do Teto dos Gastos nos próximos anos, portanto, não será
afastado.
O
montante relativo de despesas obrigatórias com a folha de pagamentos nos
orçamentos públicos não diminuirá de forma permanente. As remunerações e as
aposentadorias dos funcionários públicos não serão controladas, com muitos
servidores continuando a receber quantias superiores ao teto constitucional.
O
número de desestatizações e o volume de recursos obtido em 2021 serão
inferiores às expectativas sempre exageradas de autoridades do governo.
O
Executivo não fechará nem proporá fusão de órgãos públicos que não foram
capazes de cumprir seus objetivos após muitas décadas. O governo não
incorporará, por exemplo, o BNB à Caixa e ao BNDES nem a Finep ao BNDES, de
forma a reduzir duplicidades na atuação e a tornar a operação de suas
instituições mais eficiente.
As
negociações multilaterais não evoluirão de forma satisfatória, com o Brasil se
afastando cada vez mais dos fóruns de representatividade. O país também não
avançará nas negociações comerciais e muito menos abrirá novas frentes para
buscar uma maior integração às cadeias globais de comércio.
O
Brasil não adotará uma política responsável para diminuir as diversas formas de
violência e tampouco reduzirá de forma expressiva o número de homicídios, em
particular entre os mais jovens.
O
governo não adotará uma política ambientalista responsável nem trabalhará de
maneira efetiva para reduzir o desmatamento da Amazônia. Argumentos técnicos
continuarão desprezados, com a manutenção dos surrados discursos de soberania
nacional e de rejeição à intervenção estrangeira.
O
Executivo não adotará uma política de respeito aos povos indígenas e não
aumentará a proteção às áreas ocupadas por esses brasileiros. O governo
tampouco desistirá da construção de rodovias nessas regiões que, na maior parte
das vezes, beneficia a extração clandestina de madeira e de minerais preciosos,
com claros danos ao meio ambiente e às populações locais.
O
governo não aprimorará as políticas de longo prazo de redução da pobreza. Os
obstáculos e a falta de interesse na focalização de uma maior parcela dos
recursos públicos para os mais necessitados tornam essa missão muito difícil,
ainda mais com o fim indiscriminado do auxílio emergencial.
O
presidente não deixará de criar celeumas e atritos desnecessários, em
particular com a imprensa. Do mesmo modo, os principais representantes do
governo continuarão a repetir à exaustão promessas que sabidamente não se
confirmarão ao fim do próximo ano. Ao contrário do dizer popular, não será
repetindo-as indefinidamente que as promessas se tornarão realidade.
A
limitação de espaço impede que eu publique mais projeções dessa natureza.
Apesar da minha torcida para estar errado em pelo menos parte delas, a
probabilidade é enorme de a grande maioria dessas previsões se confirmar ao fim
do próximo ano.
Termino
saudando a chegada de 2021 e apostando que o novo ano será muito melhor para a
economia global e para todos nós. Boas Festas!
*Nilson Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia
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