quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Nilson Teixeira* - O que não acontecerá em 2021

- Valor Econômico

Privilégios fiscais e renúncias tributárias que beneficiam os principais grupos de interesse não serão cortados ou reduzidos de forma expressiva

Uma das tradições da indústria financeira é a de publicar no fim do ano cenários prospectivos. Esse trabalho está sujeito a incertezas e choques, o que reduz o grau de acerto das projeções econômicas. Este ano foi um triste exemplo dessa dificuldade.

Após algumas décadas, já não me dedico diretamente à essa tarefa. O vício da profissão, no entanto, me faz apresentar previsões do que não ocorrerá no Brasil em 2021. Ao contrário do passado, em que a torcida era sempre a de acertar, torço para estar errado, senão em todas, ao menos em algumas dessas projeções.

O Congresso não aprovará uma Reforma Administrativa abrangente. Caso a discussão evolua, seus efeitos nos próximos anos serão pouco significativos. Assim como na proposta do governo encaminhada ao Congresso, a maioria dos parlamentares não parece interessada em fazer essas medidas alcançarem o atual corpo funcional. O risco é de as medidas só tratarem dos servidores civis do Executivo e ampliarem o número de carreiras que não estarão sujeitas à modernização das regras.

Uma Reforma Tributária ampla não será aprovada, apesar do consenso generalizado de que é necessário revisar por completo o código tributário. Uma reforma parcial já seria uma conquista, mas dificilmente eliminaria grande parte das exceções existentes nem teria prazo de transição reduzido.

Os privilégios fiscais e as renúncias tributárias que beneficiam os principais grupos de interesse não serão cortados ou reduzidos de forma expressiva. Apesar do empenho de vários parlamentares, o Congresso provavelmente não diminuirá sequer os subsídios que não ofereceram nenhuma contrapartida nas últimas décadas em termos de aumento da produtividade, de melhoria da distribuição de renda ou de redução da pobreza.

O Brasil não implementará nenhuma medida estrutural para sair do grupo de países com os piores indicadores de qualidade da educação. Os principais representantes do Ministério da Educação tampouco atuarão para reduzir a enorme perda em termos de aprendizado que a pandemia tem trazido aos jovens e às crianças nas escolas públicas. Continuará faltando treinamento de qualidade para professores e administradores escolares. No caso da evolução no Congresso de propostas como a compra de tablets com acesso à internet, por exemplo, o governo não proverá treinamento para uso eficiente desses equipamentos por professores e alunos.

Não haverá avanço significativo nas políticas de saúde pública. O Ministério da Saúde não implementará um plano de vacinação contra a covid-19 de forma célere e eficiente. O presidente não liderará nenhuma iniciativa mais sólida para convencimento da população a se vacinar.

A rigidez do orçamento federal não diminuirá, dificultando a redução da incerteza fiscal e a gestão mais eficiente das contas públicas. O risco de não cumprimento da regra do Teto dos Gastos nos próximos anos, portanto, não será afastado.

O montante relativo de despesas obrigatórias com a folha de pagamentos nos orçamentos públicos não diminuirá de forma permanente. As remunerações e as aposentadorias dos funcionários públicos não serão controladas, com muitos servidores continuando a receber quantias superiores ao teto constitucional.

O número de desestatizações e o volume de recursos obtido em 2021 serão inferiores às expectativas sempre exageradas de autoridades do governo.

O Executivo não fechará nem proporá fusão de órgãos públicos que não foram capazes de cumprir seus objetivos após muitas décadas. O governo não incorporará, por exemplo, o BNB à Caixa e ao BNDES nem a Finep ao BNDES, de forma a reduzir duplicidades na atuação e a tornar a operação de suas instituições mais eficiente.

As negociações multilaterais não evoluirão de forma satisfatória, com o Brasil se afastando cada vez mais dos fóruns de representatividade. O país também não avançará nas negociações comerciais e muito menos abrirá novas frentes para buscar uma maior integração às cadeias globais de comércio.

O Brasil não adotará uma política responsável para diminuir as diversas formas de violência e tampouco reduzirá de forma expressiva o número de homicídios, em particular entre os mais jovens.

O governo não adotará uma política ambientalista responsável nem trabalhará de maneira efetiva para reduzir o desmatamento da Amazônia. Argumentos técnicos continuarão desprezados, com a manutenção dos surrados discursos de soberania nacional e de rejeição à intervenção estrangeira.

O Executivo não adotará uma política de respeito aos povos indígenas e não aumentará a proteção às áreas ocupadas por esses brasileiros. O governo tampouco desistirá da construção de rodovias nessas regiões que, na maior parte das vezes, beneficia a extração clandestina de madeira e de minerais preciosos, com claros danos ao meio ambiente e às populações locais.

O governo não aprimorará as políticas de longo prazo de redução da pobreza. Os obstáculos e a falta de interesse na focalização de uma maior parcela dos recursos públicos para os mais necessitados tornam essa missão muito difícil, ainda mais com o fim indiscriminado do auxílio emergencial.

O presidente não deixará de criar celeumas e atritos desnecessários, em particular com a imprensa. Do mesmo modo, os principais representantes do governo continuarão a repetir à exaustão promessas que sabidamente não se confirmarão ao fim do próximo ano. Ao contrário do dizer popular, não será repetindo-as indefinidamente que as promessas se tornarão realidade.

A limitação de espaço impede que eu publique mais projeções dessa natureza. Apesar da minha torcida para estar errado em pelo menos parte delas, a probabilidade é enorme de a grande maioria dessas previsões se confirmar ao fim do próximo ano.

Termino saudando a chegada de 2021 e apostando que o novo ano será muito melhor para a economia global e para todos nós. Boas Festas!

*Nilson Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia

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