E não é
que, ontem à tarde, já havia virado meme, nas redes sociais, uma marchinha
sobre a prisão do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos)
Refrão:
“Cidade maravilhosa,/ Cheia de encantos mil!/ Cidade maravilhosa,/ Coração do
meu Brasil! (Bis)”. Primeira parte: “Berço do samba e das lindas canções/ Que
vivem n’alma da gente,/ És o altar dos nossos corações/ Que cantam
alegremente”. Segunda parte: “Jardim florido de amor e saudade,/ Terra que a
todos seduz, /Que Deus te cubra de felicidade, /Ninho de sonho e de luz”. O
velho Sérgio Cabral, pai, foi quem me chamou a atenção para o fato de que o
famoso hino carioca Cidade Maravilhosa, de autoria de André Filho, começa como
se a orquestra fosse tocar uma sinfonia e logo vira marchinha de carnaval.
Coube
ao maranhense Coelho Neto — que hoje empresta o nome a um dos subúrbios
cariocas da antiga Central do Brasil —, cunhar a expressão “cidade
maravilhosa”, num artigo publicado no jornal A Notícia, em 1908. Mais tarde, em
1928, publicaria um livro de contos com esse título. Era época em que a antiga
capital da República fervilhava, em todos os sentidos, aspirando à condição de
Paris dos trópicos, ambição criada após a reforma urbana do prefeito Pereira
Passos, no começo do século. O jornalista Ruy Castro relata essa época no livro
Metrópole à beira mar (Companhia das Letras).
A marchinha surgiu logo depois, em 1934, mas somente fez sucesso no carnaval do ano seguinte. A primeira parte da música é realmente sinfônica, plagiada de Mimi é una civetta, o terceiro ato da ópera La Bohème, de Puccini. André Filho era amigo de Noel Rosa, com quem divide a autoria do samba “Filosofia”, gravado por Mário Reis, em 1933. A amizade entre ambos, porém, gerou controvérsias sobre a autoria do hino carioca, que alguns atribuem ao poeta de Vila Isabel, como registrou Jacy Pacheco, em Noel Rosa e sua época: “Aqui nos lembramos de composições que ele deu e que vendeu. Que foram divulgadas com outros nomes… dentro da cidade maravilhosa, cheia de encantos mil…” Pode ser pura maldade.
André
Filho morou na casa da mãe do músico Oscar Bolão entre o final dos anos
1950 até início dos 1960. Como sofria de problemas psiquiátricos, acabou
internado no hospital da Ordem do Carmo. Ali, quando soube, tempos depois, por
meio de um repórter do Diário da Noite, que “Cidade maravilhosa” tinha sido
reconhecida como marcha oficial da cidade do Rio de Janeiro — por meio da Lei
no5, de5 de maio de 1960—, segundo Bolão, enfiou a cabeça dentro do vaso
sanitário e, dando descarga, gritava: “Tô rico, tô rico”. Multiinstrumentista
(piano, violão, bandolim, violino, banjo, percussão), compositor, cantor e
radialista, ficou órfão muito cedo, sendo, por isso, criado pela avó. Começou a
estudar música erudita aos 8 anos, com Pascoale Gambardella, e formou-se em
ciências e letras no Colégio Salesiano de Niterói, RJ, onde foi colega de
Henrique Foréis Domingues, o radialista Almirante.
Voltando
ao prefeito Crivella, havia sérias dúvidas sobre a necessidade de sua prisão, a
10 dias de passar o cargo para o prefeito eleito, Eduardo Paes (DEM). Era
preciso comprovar que estava obstruindo a Justiça e tentando eliminar provas.
Horas depois, o Superior Tribunal de Justiça acabou por revogar a detenção
preventiva, mandando-o para a prisão domiciliar.
A prisão do prefeito carioca abre um novo ciclo de investigações criminais no Rio de Janeiro, envolvendo o partido Republicanos e a Igreja Universal do Reino de Deus. A prisão de Crivella deve ter deixado o presidente Jair Bolsonaro bastante cabreiro, devido às investigações que envolvem seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), e o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos), muito próximos de Crivella, também no âmbito do Ministério Público e da Justiça fluminenses. A postagem bolada de Bolsonaro no Twitter, ontem à tarde, alusiva à Síndrome de Sísifo, tem tudo a ver com a cidade maravilhosa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário