Pode-se
esperar que eles não se metam nas confusões que vêm por aí, nem que sejam
instrumentalizados para agravá-las
Salvo
a vacina, o que é muita coisa, pouco se pode esperar de 2021. Bolsonaro não vai
mudar, as investigações das rachadinhas e das notícias falsas continuarão a
assombrá-lo. As reformas de Paulo Guedes continuarão como promessas de
campanha. O ministro da Educação continuará sem saber de onde saiu o edital do
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação que pretendia torrar R$ 3 bilhões
comprando computadores para escolas públicas, inclusive 230 mil laptops para os
255 alunos de um colégio mineiro. Pode-se contudo esperar que os militares não
se metam nas confusões que vêm por aí, nem que sejam instrumentalizados para
agravá-las.
Felizmente,
os oficiais da ativa estão calados. Uns poucos, da reserva, fazem-se ouvir,
sempre com alguma estridência. Há dois tipos de oficiais da reserva falando.
Alguns, como o general Santos Cruz, foram para o governo de Jair Bolsonaro e
viram-se excluídos. Suas falas são o jogo jogado. Outros, simplesmente estão na
reserva, e falam como cidadãos. Quase todos achavam que o capitão no Planalto
era uma boa ideia.
Militares falantes são heróis para as vivandeiras que rondam os bivaques dos granadeiros. Quem definiu esses personagens, há tempo, foi o marechal Castello Branco. Existem vivandeiras de todos os matizes políticos. Acabam todas mal. Em alguns casos, vão para a cadeia, como sucedeu à maior delas, Carlos Lacerda. O general De Gaulle chamou-o de “demolidor de presidentes”. Acabou proscrito pelos generais e preso no jirau de um quartel da Polícia Militar.
Bolsonaro
e seu pelotão de palacianos já fizeram um estrago na imagem das Forças Armadas,
mas não conseguiram envolvê-las em aventuras. Sempre existirão civis querendo
levar a política para os quartéis em nome de uma purpurina da notoriedade.
Os
oficiais que se sentem atraídos pelo ativismo político por alguma questão de
coerência deveriam olhar para trás. Lá está o coronel Francisco Boaventura, que
poderia ser o patrono dessa arma invisível.
Nos
anos 50 do século passado, era um capitão e estava na diretoria do Clube
Militar quando sua revista publicou um artigo meio de esquerda. Demitiu-se,
junto com o major Euler Bentes. Treze anos depois o pelotão de palacianos do
governo de João Goulart teve a ideia de usá-lo num sequestro de Carlos Lacerda,
então governador do Rio. Quando veio a ordem, verbal, recusou-se a cumpri-la.
Pouco
depois, com Jango no exílio e o pelotão palaciano fora das fardas, estava no
Gabinete Militar, no palácio do Planalto. Escreveu um texto criticando o
presidente da República e foi defenestrado. Era visto como um dos coronéis da
linha dura.
Em
1968, percebeu que o pelotão palaciano do marechal Costa e Silva tramava um
golpe e ficou contra. Veio o Ato Institucional nº 5 e o general-comandante do
pelotão fabricou sua cassação com justificativas desabonadoras. O irmão de
Boaventura era ministro do Interior. Fora da farda, ele nunca vestiu o uniforme
de coitadinho profissional. Falando dos bastidores desse episódio, o general
Sylvio Frota, ex-ministro do Exército, demitido em 1977, escreveu: “sempre tive
náuseas ao ouvir falar desse caso”.
O
coronel Francisco Boaventura teria sido um destacado general se não tivesse se
metido com as vivandeiras.
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