Próximas
políticas devem seguir uma lógica diferente de quando o vírus aterrissou em
nosso país
Em
um passado não muito distante, não havia no Brasil muita preocupação com a
questão fiscal. Desde a segunda metade dos anos 90, os ventos começaram a mudar
e as contas públicas passaram a receber atenção crescente dos formadores de
opinião e do sistema político.
Em
especial, nas últimas duas décadas, grandes avanços foram feitos em termos de
consolidação fiscal: a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a renegociação da
dívida dos Estados, a realização de superávits primários por anos a fio, o teto
dos gastos e três reformas da Previdência. Diga-se de passagem, a última restruturação
do modelo de aposentadorias e pensões foi bastante profunda e realizada num
período - o ano de 2019 - no qual iniciativas desse tipo eram rejeitadas pelo
eleitorado em diversos países mundo afora.
A
recente guerra para a aprovação do Orçamento também trouxe novidades. Com todas
as dificuldades oriundas da crise sanitária, Executivo e Legislativo
trabalharam com afinco para convencer os agentes econômicos do comprometimento
dos Poderes com a disciplina fiscal, algo impensável no Brasil de algum tempo
atrás.
Mas, a despeito dos progressos, o receio de insolvência pública persiste. O desafio agora é caminhar da disposição em arrumar as finanças públicas para a conquista da percepção de um Estado estruturalmente solvente.
É
verdade que a onda fiscalista, que vem tomando o imaginário de um número
crescente de formadores de opinião, foi sensível ao momento crítico da crise da
covid-19. Houve o entendimento de que a liberação de recursos públicos seria
fundamental para mitigar o impacto sanitário e humanitário da pandemia. Com
isso, foi possível excetuar as despesas relativas à covid-19 das “âncoras”
fiscais ora em vigor, sem que o mercado “punisse” a elevação do déficit
primário. É importante notar que essa tolerância está baseada na crença de que
o esforço de consolidação fiscal deve continuar, e os gastos excepcionais são,
portanto, acidentes de percurso.
No
entanto, já se pode enxergar no radar nova necessidade de aportes extras de
recursos públicos, mesmo em um hipotético cenário de término rápido da
famigerada pandemia. É a segunda onda de atuação do Estado! Não resta dúvida
sobre as marcas consideráveis que a covid-19 deixará na atividade econômica e
no mercado de trabalho. Lembremos que, em 2019, após a aprovação de uma reforma
da Previdência ousada em termos de redução de despesas públicas, a resposta da
economia foi pífia. Depois da recessão de 2015/16, e de um crescimento trôpego
de 2017 a 2019, as projeções eram de crescimento não muito superior a 2% para o
Produto Interno Bruto (PIB) em 2020. A taxa de desemprego iria melhorar
lentamente no decorrer dos meses, fechando o ano ainda elevada, em duas casas
decimais. E esse cenário pouco animador da atividade e do emprego ocorria com a
dívida bruta estabilizada e inferior a 80% do PIB.
Com
o infortúnio do novo coronavírus, tudo piorou, claro. Diante disso, é de se
esperar que o setor privado precise de um tempo para se reorganizar. Porém, se
os empregos não voltarem rápido, assistiremos ao caos social. Hoje, é
inconcebível aceitar um cenário de lenta melhora do mercado de trabalho sem
nenhuma ação efetiva. Por isso, parece inevitável a atuação do Estado para
aliviar o desespero dos desafortunados.
Contudo,
na nova rodada, os aportes de recursos devem seguir uma lógica diferente de
quando o vírus aterrissou em nosso país. Nesta circunstância, que ainda
perdura, foram necessárias verbas para proteger os vulneráveis e as empresas em
uma situação de economia “desligada”. Já as próximas políticas devem
impulsionar a atividade, gerando empregos e permitindo que a economia “religue”
enquanto o setor privado está combalido.
Para
ser o agente catalisador da retomada, o Estado deve priorizar projetos bem
focados, cujo retorno seja elevado, o que remete a uma realidade que foi
exposta no debate do Orçamento de 2021: a seriedade na esfera macroeconômica e
a “bagunça” microeconômica.
No
conflituoso processo de aprovação do Orçamento de 2021, que dominou o
noticiário econômico recente, tudo foi prometido, alegado e acordado tendo em
vista respeitar o teto de gastos. Por outro lado, o espaço fiscal foi
pulverizado em emendas parlamentares que, independentemente do mérito
individual de cada uma, não constituem um plano de investimento público
consistente, com poder de impulsionar a economia, orientar e estimular o
investimento privado. Pouco ou quase nada se debateu sobre a natureza
específica e a qualidade dos gastos que se programaram ou se cortaram para
chegar ao acordo final e à subsequente sanção presidencial da peça
orçamentária.
Em
face desse quadro, os Poderes Executivo e Legislativo terão que ser
extremamente cuidadosos e transparentes quando da proposição das políticas
públicas que ajudarão na retomada da economia, bem diferente do que foi feito
na aprovação do Orçamento de 2021. A saída não será fácil!
Portanto,
é desejado um reposicionamento do governo para ajudar na construção de uma
solução, pois, como aponta Nelson Barbosa, meu colega do FGV Ibre, “a
deficiência do orçamento público deriva em boa parte da omissão do Executivo em
dar as cartas”.
Em
suma, os momentos da pandemia e pós-pandemia exigem inevitavelmente um
desequilíbrio momentâneo das contas públicas. As políticas de apoio aos
vulneráveis e às empresas deram respostas satisfatórias. O próximo teste se
dará no momento pós-pandemia. Nesse novo contexto, as políticas terão que focar
na retomada do emprego e da economia. O objetivo deve ser o de criar condições
para que o setor privado retome seu protagonismo assim que possível, mas não
deixando o dinamismo econômico se apagar enquanto as empresas se reestruturam. Infelizmente,
a negociação do Orçamento não nos deu um sinal muito positivo quanto ao foco
dos recursos públicos e, por conseguinte, em relação ao papel a ser exercido
pelo Estado no pós-pandemia. A microeconomia deixou muito a desejar.
*Luiz Schymura é pesquisador do FGV Ibre
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