terça-feira, 4 de maio de 2021

Luiz Schymura* - Mais Estado

- Valor Econômico

Próximas políticas devem seguir uma lógica diferente de quando o vírus aterrissou em nosso país

Em um passado não muito distante, não havia no Brasil muita preocupação com a questão fiscal. Desde a segunda metade dos anos 90, os ventos começaram a mudar e as contas públicas passaram a receber atenção crescente dos formadores de opinião e do sistema político.

Em especial, nas últimas duas décadas, grandes avanços foram feitos em termos de consolidação fiscal: a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a renegociação da dívida dos Estados, a realização de superávits primários por anos a fio, o teto dos gastos e três reformas da Previdência. Diga-se de passagem, a última restruturação do modelo de aposentadorias e pensões foi bastante profunda e realizada num período - o ano de 2019 - no qual iniciativas desse tipo eram rejeitadas pelo eleitorado em diversos países mundo afora.

A recente guerra para a aprovação do Orçamento também trouxe novidades. Com todas as dificuldades oriundas da crise sanitária, Executivo e Legislativo trabalharam com afinco para convencer os agentes econômicos do comprometimento dos Poderes com a disciplina fiscal, algo impensável no Brasil de algum tempo atrás.

Mas, a despeito dos progressos, o receio de insolvência pública persiste. O desafio agora é caminhar da disposição em arrumar as finanças públicas para a conquista da percepção de um Estado estruturalmente solvente.

É verdade que a onda fiscalista, que vem tomando o imaginário de um número crescente de formadores de opinião, foi sensível ao momento crítico da crise da covid-19. Houve o entendimento de que a liberação de recursos públicos seria fundamental para mitigar o impacto sanitário e humanitário da pandemia. Com isso, foi possível excetuar as despesas relativas à covid-19 das “âncoras” fiscais ora em vigor, sem que o mercado “punisse” a elevação do déficit primário. É importante notar que essa tolerância está baseada na crença de que o esforço de consolidação fiscal deve continuar, e os gastos excepcionais são, portanto, acidentes de percurso.

No entanto, já se pode enxergar no radar nova necessidade de aportes extras de recursos públicos, mesmo em um hipotético cenário de término rápido da famigerada pandemia. É a segunda onda de atuação do Estado! Não resta dúvida sobre as marcas consideráveis que a covid-19 deixará na atividade econômica e no mercado de trabalho. Lembremos que, em 2019, após a aprovação de uma reforma da Previdência ousada em termos de redução de despesas públicas, a resposta da economia foi pífia. Depois da recessão de 2015/16, e de um crescimento trôpego de 2017 a 2019, as projeções eram de crescimento não muito superior a 2% para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2020. A taxa de desemprego iria melhorar lentamente no decorrer dos meses, fechando o ano ainda elevada, em duas casas decimais. E esse cenário pouco animador da atividade e do emprego ocorria com a dívida bruta estabilizada e inferior a 80% do PIB.

Com o infortúnio do novo coronavírus, tudo piorou, claro. Diante disso, é de se esperar que o setor privado precise de um tempo para se reorganizar. Porém, se os empregos não voltarem rápido, assistiremos ao caos social. Hoje, é inconcebível aceitar um cenário de lenta melhora do mercado de trabalho sem nenhuma ação efetiva. Por isso, parece inevitável a atuação do Estado para aliviar o desespero dos desafortunados.

Contudo, na nova rodada, os aportes de recursos devem seguir uma lógica diferente de quando o vírus aterrissou em nosso país. Nesta circunstância, que ainda perdura, foram necessárias verbas para proteger os vulneráveis e as empresas em uma situação de economia “desligada”. Já as próximas políticas devem impulsionar a atividade, gerando empregos e permitindo que a economia “religue” enquanto o setor privado está combalido.

Para ser o agente catalisador da retomada, o Estado deve priorizar projetos bem focados, cujo retorno seja elevado, o que remete a uma realidade que foi exposta no debate do Orçamento de 2021: a seriedade na esfera macroeconômica e a “bagunça” microeconômica.

No conflituoso processo de aprovação do Orçamento de 2021, que dominou o noticiário econômico recente, tudo foi prometido, alegado e acordado tendo em vista respeitar o teto de gastos. Por outro lado, o espaço fiscal foi pulverizado em emendas parlamentares que, independentemente do mérito individual de cada uma, não constituem um plano de investimento público consistente, com poder de impulsionar a economia, orientar e estimular o investimento privado. Pouco ou quase nada se debateu sobre a natureza específica e a qualidade dos gastos que se programaram ou se cortaram para chegar ao acordo final e à subsequente sanção presidencial da peça orçamentária.

Em face desse quadro, os Poderes Executivo e Legislativo terão que ser extremamente cuidadosos e transparentes quando da proposição das políticas públicas que ajudarão na retomada da economia, bem diferente do que foi feito na aprovação do Orçamento de 2021. A saída não será fácil!

Portanto, é desejado um reposicionamento do governo para ajudar na construção de uma solução, pois, como aponta Nelson Barbosa, meu colega do FGV Ibre, “a deficiência do orçamento público deriva em boa parte da omissão do Executivo em dar as cartas”.

Em suma, os momentos da pandemia e pós-pandemia exigem inevitavelmente um desequilíbrio momentâneo das contas públicas. As políticas de apoio aos vulneráveis e às empresas deram respostas satisfatórias. O próximo teste se dará no momento pós-pandemia. Nesse novo contexto, as políticas terão que focar na retomada do emprego e da economia. O objetivo deve ser o de criar condições para que o setor privado retome seu protagonismo assim que possível, mas não deixando o dinamismo econômico se apagar enquanto as empresas se reestruturam. Infelizmente, a negociação do Orçamento não nos deu um sinal muito positivo quanto ao foco dos recursos públicos e, por conseguinte, em relação ao papel a ser exercido pelo Estado no pós-pandemia. A microeconomia deixou muito a desejar.

*Luiz Schymura é pesquisador do FGV Ibre 

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