Presidente
periférico
Folha
de S. Paulo
Pandemia
escancara despreparo e desconexão institucional da aventura Bolsonaro
Jair
Bolsonaro era um deputado periférico que em circunstância excepcional sagrou-se
presidente. A imagem que se firma dele a cada desdobramento da política é a do
presidente que se torna periférico.
Como
se viu no sábado (1º), ele arrasta para as ruas um séquito assemelhado aos
que acompanham os charlatães religiosos. São pessoas ressentidas com os limites
que a Constituição de 1988 impõe à tirania, a expor pautas e retalhos de ideias
exóticos, cuja inviabilidade num país complexo como o Brasil do século 21 vai
ficando evidente.
Compelidos
a camuflar os lemas escancaradamente golpistas de outrora, os bolsonaristas de
parada agora destampam um “Eu autorizo”. A psicanálise poderá explicar que
essas figuras liliputianas estão expressando a mensagem contrária: não podem
nada; não autorizam nada fora das regras do jogo.
Em
paralelo, a administração Bolsonaro vai se despedaçando, o que atrai
excêntricos e oportunistas para seus escombros. Desfaz-se em bravatas,
comentários demófobos, fracassos e inoperância a ambiciosa agenda reformista do
ministro Paulo Guedes (Economia).
Sentindo cheiro da presa encurralada, enquanto se reduz a expectativa de poder em torno do presidente além de 2022, os partidos do centrão avançam sobre cargos e verbas com a voracidade dos visigodos no último assalto a Roma.
Começa
para efeito prático nesta terça (4) a CPI da catástrofe sanitária, que o
governo não logrou evitar nem conseguirá controlar.
A
comissão de senadores não tratará de tema abstrato, diante das mais de 400 mil
mortes, cifra ainda em forte expansão. Tampouco terá dificuldade para assentar
a irresponsabilidade da gestão federal, e do presidente da República em
particular, no combate à pandemia.
Bolsonaro
mostrou-se incapaz de recomendar cautelas à população cuja vida corria risco e
de compadecer-se com enlutados. Foi vetor de aglomerações e atitudes lesivas à
saúde. Sua incompetência —direta e derivada de auxiliares ineptos que nomeou—
privou o país de dezenas de milhões de doses tempestivas de vacina, de drogas e
oxigênio para doentes que sufocavam.
A
pandemia, com seus desafios prementes e ubíquos, concorreu para escancarar
todas as fraquezas políticas e gerenciais constitutivas da aventura Bolsonaro.
O potencial danoso do despreparo técnico, aliado à desconexão orgânica com
partidos e agentes institucionais, tornou-se indisfarçável sob o crivo da
emergência sanitária.
Não
surpreende que Jair Bolsonaro vá retornando às margens do sistema, agora
trajando a faixa presidencial. Decisões importantes para o país contornam o
Palácio do Planalto —anomalia que se tenta arrastar penosamente até 2022.
Democracia
aviltada
Folha
de S. Paulo
Elogiada
por Eduardo Bolsonaro, manobra afronta o Judiciário em El Salvador
Em
mais um avanço do autoritarismo em El Salvador, a nova Assembleia Legislativa,
de ampla maioria governista, destituiu
cinco membros da Suprema Corte do país, assim como o procurador-geral.
Os
magistrados expulsos integravam a Câmara Constitucional do tribunal
—responsável por julgar ações de inconstitucionalidade e habeas corpus, além de
disputas entre os demais Poderes— e vinham tomando decisões contrárias aos
interesses do controverso presidente Nayib Bukele.
Eleito
em 2019 com um discurso populista e messiânico, Bukele vem desde então provando
seu pouco apreço pelos ritos e instrumentos da democracia.
No
início do ano passado protagonizou uma grotesca invasão do Congresso,
acompanhado de policiais e militares com roupas camufladas e armados com fuzis,
para pressionar os parlamentares a aprovar um empréstimo para a compra de
equipamentos às forças de segurança nacionais.
Meses
depois, já durante a pandemia, seu governo foi acusado por organismos de
direitos humanos de promover abusos por meio das medidas de isolamento.
Pessoas
suspeitas de estarem infectadas com o vírus passaram a ser encerradas, por
tempo indeterminado e sem receber os devidos cuidados, em centro de confinamento;
quarentenas localizadas foram aplicadas a fim de abafar protestos contra o
governo, com o Exército sendo colocado nas ruas para fazer cumprir as regras
draconianas.
Nos
últimos meses, o presidente travou uma batalha com a Câmara Constitucional por
causa dessas e de outras medidas referentes à pandemia, consideradas
inconstitucionais pelos magistrados.
Com
a vitória acachapante de seu partido nas eleições legislativas de fevereiro,
Bukele ganhou terreno livre para dar o troco, substituindo os membros
recalcitrantes da Corte por juízes alinhados a ele.
Embora
prevista na Constituição, a exoneração dos magistrados, que não haviam cumprido
nem metade do mandato de nove anos, carrega uma indisfarçável disposição do
presidente de aparelhar o Judiciário e minar o sistema de freios e contrapesos,
numa concentração de poder inédita desde o fim da guerra civil do país, em
1992.
A
manobra foi condenada por entidades internacionais, como a ONG Human Rights
Watch, e pelo governo americano. Recebeu elogios reveladores, porém, do
deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Demonstração de fraqueza
O
Estado de S. Paulo
Mais
uma vez, o presidente Jair Bolsonaro associou-se a manifestações de caráter
claramente golpista. O mote dos protestos, realizados no sábado em diversas
capitais, foi resumido na palavra de ordem “Eu autorizo” – referência a uma
recente declaração de Bolsonaro segundo a qual ele estava apenas esperando um
“sinal” do “povo” para “tomar providências”, pois “o Brasil está no limite”. Os
manifestantes, portanto, deram sua “autorização” para Bolsonaro agir.
É
ocioso especular sobre a representatividade das manifestações a partir de seu
tamanho – que, ademais, não foi mensurado. Mas pode-se afirmar que, ao
contrário de demonstrar força, os protestos revelaram a fraqueza crescente do
governo.
As
manifestações antecederam a semana em que estão previstos os depoimentos de
todos os ex-ministros da Saúde do governo Bolsonaro e do atual, Marcelo
Queiroga, na CPI da Pandemia. Ou seja, foram programadas com o claro objetivo
de intimidar os senadores que vão começar a levantar questões potencialmente
embaraçosas para o governo.
Sem
articulação política decente no Senado, o governo vem sofrendo sucessivas
derrotas. Foi incapaz de impedir que a CPI ganhasse assinaturas suficientes
para sua instalação, não conseguiu influenciar a indicação dos integrantes da
comissão e ainda fez o papelão de tentar impedir na Justiça, sem sucesso, a
indicação do desafeto Renan Calheiros para a relatoria.
A
Bolsonaro restou, portanto, contar com a truculência de suas falanges para
transformar a política em briga de rua. É o recurso de quem perdeu quase toda a
sua já escassa capacidade de interlocução nas instituições democráticas,
reduzindo de forma drástica seu poder de influenciar o debate nacional. Cada
vez menos brasileiros levam o presidente a sério.
É
por isso que Bolsonaro tornou a ameaçar com “providências” caso o “povo” lhe
desse uma “sinalização”. Como costuma acontecer, o presidente não disse com
todas as letras quais seriam essas “providências”, mas, nas outras
oportunidades em que fez as mesmas ameaças, mencionou sua condição de “chefe
supremo das Forças Armadas” e chegou a falar do Exército como se fosse sua
guarda pretoriana.
Ou
seja, Bolsonaro deixa no ar a possibilidade de articular um golpe – tal como
defenderam explicitamente seus simpatizantes nas manifestações de sábado – com
o argumento de que as instituições democráticas não o deixam governar, situação
que, segundo a versão bolsonarista, levou o País à beira do caos.
No
momento, o único caos está no Palácio do Planalto. O resto do País enfrenta com
bravura e serenidade a enorme crise que o bolsonarismo agravou. A despeito da
fome, do desemprego, da escassez de vacinas e da falta de perspectivas, não se
vê entre os brasileiros o nível de inquietação que Bolsonaro aponta. Na
verdade, o presidente parece ávido por um pretexto para exercitar sua vocação
autoritária.
É
aí que entram os manifestantes que foram às ruas para “autorizar” Bolsonaro a
tomar “providências”. Esses seriam o “povo” de que fala o presidente, razão
pela qual Bolsonaro os prestigiou sobrevoando um dos protestos a bordo de um
helicóptero da Força Aérea. Não lhe pareceu imprudente vincular-se a um ato que
chamou o Supremo Tribunal Federal de “organização criminosa”, entre outras
barbaridades.
Um
dos filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, foi mais longe e, com a
máscara no queixo, discursou num carro de som. Outro filho, o senador Flávio
Bolsonaro, que criticou a instalação da CPI da Pandemia sob o argumento de que
promoveria aglomeração e colocaria a vida dos senadores em risco, elogiou em
suas redes as “ruas lotadas em todo o Brasil” – ocupadas por gente aglomerada e
sem máscara.
O
envolvimento dos Bolsonaros em irresponsáveis manifestações golpistas em plena
pandemia mostra que o clã presidencial, acuado, está decidido a dobrar a aposta
tanto no desafio à democracia como no menosprezo pela vida de seus
compatriotas. Cabe à CPI, bem como às instituições de Estado, impedir,
serenamente, que esse repto prospere.
O
leilão da Cedae
O
Estado de S. Paulo
É
um marco no saneamento básico e no programa de privatizações
O êxito do megaleilão de concessões da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), realizado no dia 30 de abril na B3, marca uma mudança drástica no panorama do saneamento básico no País. Não é o primeiro leilão sob as regras do novo marco do saneamento básico (o da empresa responsável pelos serviços de Maceió iniciou a série), mas é o maior projeto de infraestrutura que o setor público transfere para ser operado por empresas particulares. Só por esse motivo a concessão da Cedae pode ser chamada de simbólica.
Mas
há outros aspectos que reforçam esse simbolismo. Trata-se de uma empresa que
era controlada pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, cuja longa crise –
provocada por administrações corruptas ou apenas incompetentes que o ocupam há
muitos anos – comprometia sua gestão, impedia a realização dos investimentos
indispensáveis numa área crítica para a qualidade de vida e condenava milhões
de brasileiros a conviver com más condições de saúde. Nesse sentido, o êxito do
megaleilão marca o início de uma nova etapa da Cedae, que deve ser, como se
espera, comprometida com o atendimento eficaz das necessidades das regiões sob
sua responsabilidade.
Mais
ainda, o leilão marca o encerramento de um mês em que o setor público
transferiu para a iniciativa privada diversos projetos de infraestrutura – em
operação, em construção ou em planejamento – que preveem investimentos de quase
R$ 50 bilhões nos próximos 30 ou 35 anos. É um grande estímulo para o
desenvolvimento, sobretudo quando se observa que, na atual administração
federal, muito pouco ou quase nada que dependa de decisões do governo tem sido
feito com algum êxito nessa direção.
Os
números envolvidos no caso das concessões da Cedae são, por si sós,
impressionantes. Elas propiciarão a arrecadação total de R$ 22,7 bilhões em
outorga de três dos quatro lotes oferecidos (o quarto não teve oferta final).
Os vencedores comprometem-se a investir R$ 27 bilhões ao longo dos 35 anos de
contrato de concessão. Estima-se que cerca de 11 milhões de pessoas passarão a
ser atendidas por uma empresa agora administrada por gestores privados. Isso
representa aumento de mais de 30% na população com disponibilidade de serviços
de saneamento básico oferecidos por operadores privados.
O
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem programados
cinco outros leilões na área de saneamento básico para serem realizados até o
primeiro semestre de 2022. Cada projeto terá uma formatação própria, dependendo
de suas características. Podem ser de concessão plena, o que inclui produção e
distribuição de água e coleta e disposição final de esgoto. Outros podem ser
por meio de Parcerias Público-Privadas. Os investimentos previstos são de R$ 17
bilhões, para o atendimento de 10,4 milhões de pessoas.
Apesar
de sua importância na melhora das condições de vida da população e, sobretudo,
na proteção da saúde das crianças, o saneamento básico tem recebido muito pouco
investimento público. O governo já admite que a meta de universalização dos
serviços em 2033 não será alcançada. Hoje, cerca de um terço da população não
dispõe de serviços de coleta de esgotos e cerca de 15% não têm água encanada. A
privatização acelerará a expansão desses serviços.
Com
projetos formatados de maneira adequada, equilibrando a oferta de serviços à
população e a remuneração dos investimentos, o capital privado tem interesse em
participar do programa de privatizações. Esta é uma forma produtiva de retirar
o Estado de atividades nas quais demonstrou incompetência gerencial e
incapacidade financeira – e as quais não poucas vezes permitiu que se
transformassem em focos de corrupção.
Só
em abril foram realizados com êxito leilões de aeroportos, trechos
ferroviários, rodovias e terminais portuários, que, além de propiciar receitas
ao governo, resultarão em investimentos de R$ 48 bilhões nas próximas décadas.
Lições
de uma aventura
-
O Estado de S. Paulo
Cassação
do ex-governador Witzel expôs o risco de dar poder a aventureiros
O sonho de Wilson Witzel era entrar para a história como um dos grandes expoentes da chamada “nova política”, como se convencionou chamar uma espécie de movimento que, na verdade, se revelou nada mais do que uma mixórdia de candidatos que ganharam projeção eleitoral ao explorarem as insatisfações da sociedade com o exercício da chamada política tradicional. Candidatos desta cepa obtiveram significativo êxito nas eleições de 2018.
Em
março daquele ano, Witzel deixou uma carreira de 17 anos na magistratura
federal para se filiar ao PSC e concorrer ao governo do Rio de Janeiro. Numa
ascensão meteórica, o então desconhecido ex-juiz foi eleito governador do
Estado com o segundo maior PIB do País, obtendo 59,87% dos votos válidos no
segundo turno contra o experiente Eduardo Paes (40,13%), hoje prefeito da
capital fluminense. O Palácio Guanabara era apenas um local de passagem nos
planos mais arrojados de Witzel, como ficou claro pouco tempo depois de seu
triunfo eleitoral. Seu objetivo final era chegar ao Palácio do Planalto.
Mas,
se numa noite de 2018 Witzel foi dormir sonhando com o governo do Estado e,
depois, com a Presidência da República, na manhã de sábado passado ele acordou
para uma dura realidade. De fato, havia entrado para a história, mas de uma
forma bem distinta da que planejara. Wilson Witzel se tornou o primeiro
governador eleito a ter seu mandato cassado definitivamente em um processo de
impeachment.
Em
que pese a gravíssima acusação de corrupção no curso da pandemia que,
formalmente, ensejou a abertura do processo de impeachment contra o
ex-governador – em grande medida embasada na delação premiada de um
ex-secretário de Saúde que ainda haverá de ser devidamente escrutinada pela
Justiça –, a cassação de Witzel decorre de um erro primário para alguém como
ele, com pretensões políticas grandiloquentes: o desprezo pela atividade
política.
Esta
visão perniciosa sobre a política e os políticos em geral, que está longe de
acometer apenas o ex-governador do Rio, é fruto da crença de que basta capturar
corações e mentes de determinada parcela da sociedade e amplificar seus anseios
como se estes fossem a representação inequívoca da vontade de todos os
“justos”, dos chamados “cidadãos de bem”. Como Witzel, muitos foram eleitos em
2018 apregoando um projeto de purgação do País. O presidente Jair Bolsonaro foi
o maior beneficiário desta falácia.
Os
placares que selaram o destino de Wilson Witzel, que está inelegível pelos
próximos cinco anos, dão a dimensão de seu isolamento político. A abertura do
processo de impeachment contra o agora ex-governador foi autorizada pela
Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) por 69 votos a zero. Na
comissão especial que analisou o pedido, Witzel foi derrotado por 24 votos a
zero. Já o Tribunal Misto encarregado de julgá-lo, composto por cinco deputados
e cinco desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), o
condenou por 10 votos a zero. Witzel caiu sozinho, e não houve quem erguesse a
voz em seu auxílio, fosse no Parlamento, fosse na sociedade mesma que o elegeu.
Para
o bem do País, o triste exemplo vindo do Rio de Janeiro há de servir como
profilaxia contra novas aventuras na seara da política, que, em geral, não
terminam bem quando despreparados são alçados a posições de poder sobre o
destino de milhões de cidadãos. Wilson Witzel atuou muito bem no papel de
sacrossanto defensor da moralidade pública, vendendo aos eleitores a falsa
imagem de impoluto magistrado que, uma vez investido de um cargo no Poder
Executivo, remediaria a política de seus malfeitores. No poder, revelou-se um
engodo.
A
política deve ser exercida por gente vocacionada, por quem a veja como o
principal meio de concertação dos múltiplos interesses coletivos, e não por
aventureiros irresponsáveis. No ano que vem, os brasileiros voltarão às urnas e
terão mais uma oportunidade de escolher bem quem deve exercer em seu nome tão
nobre atividade.
Erro do governo levou à suspensão da segunda dose
O
Globo
Por seguirem a orientação do Ministério da Saúde — usar todo o estoque para a primeira dose, de modo a acelerar o ritmo da campanha de imunização —, prefeituras acabaram ficando sem vacinas para o reforço, ao menos da CoronaVac, que responde por cerca de 70% do total. Cidades de 15 estados, incluindo sete capitais, tiveram de suspender ontem a segunda dose da vacina. A interrupção, mais uma, entrou no radar da CPI da Covid, que pretende ouvir o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o ex Eduardo Pazuello.
Os
contratempos com a segunda dose são mais um exemplo da desorganização e da
falta de planejamento que marcam a campanha de vacinação. Em 19 de fevereiro,
Pazuello tinha dito aos prefeitos que não era necessário reservar vacinas para
a segunda dose, mesmo sem garantia de que não faltariam. Quase duas semanas
depois, o Ministério da Saúde informou o contrário: era preciso guardá-las. Em
20 de março, nos últimos dias de Pazuello na pasta, o ministério voltou atrás e
orientou os municípios a não fazer reservas. No dia 26, já na gestão de Marcelo
Queiroga, o governo mudou de ideia de novo e recomendou que as prefeituras
estocassem vacinas para a segunda dose.
A
escassez de CoronaVac é atribuída ao atraso na chegada do Ingrediente
Farmacêutico Ativo (IFA) da China. Devido às remessas irregulares, o Instituto
Butantan não conseguiu cumprir o cronograma pactuado com o governo para
entregar 46 milhões de doses. Na sexta-feira, enviou ao Programa Nacional de
Imunização (PNI) mais um lote de 420 mil doses, insuficiente para suprir as
necessidades. O governo não deu prazo para regularizar a situação.
A
interrupção da segunda dose acontece justamente no momento em que haveria
motivo para otimismo. O Brasil dispõe da maior quantidade de vacinas desde o
início da campanha — a maioria da Oxford/AstraZeneca. Na sexta-feira, o PNI
recebeu 7 milhões de doses da Fiocruz e do Butantan. No fim de semana, mais 4
milhões do consórcio Covax, capitaneado pela OMS. A esperança é que, com esses
11 milhões, o país possa aumentar o ritmo para 1,5 milhão de vacinados por dia
— hoje, somando primeira e segunda doses, está em torno de 1 milhão. Daria para
imunizar todo o grupo prioritário (80 milhões) até junho, três meses antes do
previsto. A ressalva é que, até agora, nenhuma projeção do tipo foi cumprida.
Os
gargalos são conhecidos. A campanha está amparada basicamente em duas vacinas:
CoronaVac e AstraZeneca, produzidas no Brasil, mas dependentes de importação do
IFA. O Ministério da Saúde já comprou 100 milhões de doses da Pfizer/BioNTech e
40 milhões da Janssen. Foi feita uma entrega da Pfizer, mas o grosso da
encomenda só deverá chegar no último trimestre.
Com
15% de vacinados em três meses, o Brasil paga o preço de não ter comprado
vacinas quando deveria, no ano passado, e de ter feito apostas equivocadas — a
escassez de vacinas será um dos principais temas das investigações da CPI.
Apesar de expressivo, o estoque recebido no fim de semana dá para cerca de dez
dias. O resto é incerteza. A meta do governo Bolsonaro — vacinar toda a
população até o fim do ano — depende de uma série de condições, e não apenas no
Brasil. A única certeza é que, em muitos municípios, os idosos que forem hoje
aos postos de vacinação tomar a segunda dose da CoronaVac perderão a viagem.
Desentendimento
entre Brasil e Argentina paralisa o Mercosul
O
Globo
As divergências entre os integrantes do Mercosul transformaram a reunião virtual do dia 26 de março, comemorativa dos 30 anos de existência da união aduaneira, numa oportunidade para reclamações. As divergências se ampliaram na semana passada, com outra reunião tensa entre os ministros da Economia de Brasil e Argentina, Paulo Guedes e Martín Guzmán. Eles trocaram farpas em torno da intenção de Brasil e Uruguai de abrir o bloco a maior competição externa.
Irônico,
Guzmán afirmou que a “mão invisível de Adam Smith é invisível porque não
existe”. Guedes contra-atacou dizendo que “mais da metade dos Prêmios Nobel em
economia foi para economistas da Universidade de Chicago”, símbolo do
liberalismo econômico no mundo acadêmico, onde Guedes estudou.
Não
se discute que o bloco formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai ganhou
peso com o tempo. Mesmo setores ainda fora do acordo, como a indústria
automotiva, funcionam de modo integrado. Mas o tratado nunca evoluiu para a
união completa das economias da região, como preconizava a visão original que o
inspirou. A principal razão para isso é o protecionismo que mantém intactos
mercados sabidamente improdutivos (exemplo citado com frequência é a exclusão
do açúcar do acordo, proteção à ineficiente indústria argentina).
Para
expor a economia do bloco a maior competição e ganhar produtividade, o governo
Bolsonaro sugeriu um corte linear de 10% na Tarifa Externa Comum (TEC). O
governo argentino peronista de Alberto Fernández discorda. Protecionista,
admite reduções pontuais, mas não um corte linear para todos os produtos. A
visão brasileira, que conta com o apoio do presidente do Uruguai, Lacalle Pou,
está correta, na medida em que maior abertura comercial seria benéfica para
todos, em particular para o Brasil, uma das economias mais fechadas do mundo.
O
desentendimento da Argentina com o Brasil tem efeito paralisante e amplia ainda
mais o desafio para a sobrevivência do Mercosul como bloco. Depois da desavença
entre Guedes e Guzmán, ficou marcado mais um encontro em 30 dias, com a
participação dos ministros de relações exteriores. Poderá ser decisivo.
A
bandeira defendida pelo governo brasileiro, e também pelo uruguaio, é que,
diante do impasse, haja maior flexibilização para que cada integrante realize
acordos bilaterais de livre comércio. O Brasil considera que agir em bloco
emperra acordos comerciais, como aconteceu no caso do tratado com a União
Europeia.
Ao
mesmo tempo, é difícil acreditar que, sozinho, o Brasil tivesse chegado a um
entendimento nos mesmos termos com os europeus. Sem falar que, se o acordo está
empacado, isso hoje é resultado mais da tolerância brasileira com a devastação
da Amazônia do que de qualquer deficiência argentina. Para o Mercosul se
modernizar, ficar mais flexível e mais aberto ao mundo, os dois países
precisam, primeiro, eles mesmos entrar em acordo.
Efeito da covid 19 na educação vai da evasão à desigualdade
Valor
Econômico
Se
não forem compensadas, as aulas perdidas podem reduzir em cerca de 8% a renda
ao longo da vida dos estudantes
Um
dos temas mais controversos ao longo da pandemia é a efetividade de se fechar
as escolas para conter o contágio pelo novo coronavírus. Não há dúvida, no
entanto, a respeito do impacto negativo da suspensão das aulas para os
estudantes, a educação, o futuro do mercado de trabalho e a própria economia.
Uma série de pesquisas começa a dimensionar o problema.
Estudo
da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em
conjunto com a Unesco, Unicef e o Banco Mundial calcula que, no ano passado,
1,5 bilhão de estudantes ficaram sem aulas por períodos variados em 188 nações,
constituindo um dos grupos mais afetados pelas medidas para conter a pandemia.
A OCDE nota que as taxas de infecção na população não têm correlação com o
número de dias em que escolas estiveram fechadas. Países com taxas de infecção
semelhantes suspenderam as aulas por períodos diferentes.
Mas
o estudo ressalta uma coincidência nefasta: países com o pior resultado no
teste Pisa, que compara globalmente o desempenho de estudantes de 15 anos,
tenderam a fechar as escolas por períodos mais longos em 2020. Mais
especificamente, os que fecharam as escolas secundárias por maior tempo estão
entre os 54% cujos estudantes tiveram pior desempenho nos testes de leitura do
Pisa de 2018. Para piorar, em muitos desses casos, os estudantes não tiveram
acesso ao ensino remoto nem receberam apoio para aprender por conta própria. As
perdas de aprendizagem durante a pandemia vão acentuar a desigualdade no ensino
com consequências sociais negativas não só dentro de cada país como entre as
nações.
A
OCDE endossa pesquisa dos economistas Eric Hanushek e Ludger Woessmann, que
calcularam quanto o fechamento das escolas vai contribuir para a redução do PIB
de 19 países, incluindo o Brasil, até o fim do século. Com as escolas fechadas
por quatro meses em 2020, as perdas variam de US$ 504 bilhões para a África do
Sul a US$ 15,5 trilhões para a China, e foram estimadas em US$ 2,1 trilhões
para o Brasil. Com as escolas fechadas o dobro do tempo, as perdas geralmente dobram,
como no caso do Brasil, onde atinge US$ 4,2 trilhões.
Mas
o ônus recai sobre os indivíduos. Hanushek e Woessmann estimam que os
estudantes podem esperar salários 3% menores ao longo de suas vidas a cada três
meses perdidos de aprendizado, não importa em que estágio está. Com outro
recorte, o Fundo Monetário Internacional (FMI) calcula que, se não forem
compensadas, as aulas perdidas podem reduzir em cerca de 8% a renda ao longo da
vida dos estudantes brasileiros da faixa de 10 a 19 anos - é o dobro da perda
média estimada para a América Latina.
Para
a Unicef, os mais afetados são os estudantes mais novos, que têm nas escolas
fonte de alimentação e não só de aprendizagem. São especialmente prejudicadas
as crianças mais vulneráveis e as que não têm acesso ao ensino à distância. A
suspensão das aulas deve aumentar a evasão na América Latina e Caribe, segundo
o organismo, causando um retrocesso de oito anos na educação na região,
acentuando a pobreza e desigualdade. Já há números da Unicef que medem isso no Brasil,
onde o abandono escolar passou de 1,4 milhão antes da pandemia para 5,5 milhões
de estudantes, o equivalente a 15% da população entre 6 anos e 17 anos. Esse
número representa um retrocesso de 20 anos.
A
situação dos mais velhos não é muito melhor. Sem aulas para frequentar, os
adolescentes também não estão encontrando trabalho. O grupo dos “nem-nem”
chegou a 25,5% dos jovens de 15 a 29 anos que nem estudavam nem trabalhavam no
último trimestre de 2020, o maior percentual em oito anos da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, segundo levantamento da
pesquisadora Thais Barcellos, da consultoria IDados (Valor 29/4).
Ao longo do ano, chegou a atingir 30%. Quando o mercado de trabalho encolhe, os
jovens são geralmente os mais afetados.
A situação vai exigir um esforço extra das autoridades para superar os danos causados pela interrupção das aulas e para reverter a tendência à evasão. Os investimentos em educação são um dos instrumentos mais eficientes na redução da desigualdade, conforme constatou o Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made/USP), diminuindo em quase 10% o índice de Gini. O efeito é louvável, mas não é o único. Investir em educação promove a competitividade do país e deve fazer parte de um necessário plano de recuperação para superar os efeitos danosos da covid-19.
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