Num país continental como o Brasil, uma crise sanitária
dessa envergadura desorganiza a economia e deixa ao relento e com fome milhões
de pessoas.
A
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado começa suas oitivas
hoje, com os depoimentos dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e
Nelson Teich. O primeiro foi defenestrado pelo presidente Jair Bolsonaro, que
ficou enciumado da popularidade do médico ao liderar o Sistema Único de Saúde
(SUS) na pandemia. O segundo pediu demissão rapidinho e se recusou a endossar
as teses negacionistas do presidente da República. O cenário de atuação da
pandemia é emoldurado por 400 mil cruzes, que podem chegar a 500 mil, antes de
a comissão concluir seu trabalho, no prazo de 90 dias.
Mais
de 300 requerimentos de informações já foram aprovados na CPI, mas esses dois
depoimentos têm o poder de dar o rumo de suas investigações. Os dois
ex-ministros são médicos e têm plena dimensão das razões que nos levaram à
tragédia sanitária atual. Os passos seguintes serão ouvir o general Eduardo
Pazuello, amanhã, e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, na quinta-feira.
Ambos terão que dar respostas convincentes aos integrantes da CPI.
Pazuello é um caso perdido, coleciona decisões e atitudes equivocadas. Se mantiver a costumeira soberba, estará no sal. Queiroga é médico, porém, ainda está enrolando o paraquedas. Manteve a maioria dos militares que assessoravam Pazuello. Sem confrontar o negacionismo do general, está se atrapalhando com a campanha de vacinação, sobretudo devido aos erros do antecessor. Pode complicar a vida de Pazuello ou se complicar, se fizer o contrário.
Ontem,
Queiroga anabolizou o número de vacinados no Brasil, durante encontro na
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp): “Hoje já temos
imunizados com as duas doses cerca de 18% da população brasileira. Isso é um
dado importante, e vamos avançar mais”. Mais fake news, impossível: a segunda
dose foi aplicada em 15.869.985 pessoas, ou seja, 7,49% da população do país. Com
a primeira dose, são 31.875.681 de imunizados, o que equivale a 15% da
população.
Criar
falsas expectativas é uma especialidade do Ministério da Saúde, que corre atrás
dos atrasos na vacinação desde o início do ano. Nesta semana, oito capitais
interromperam a imunização por falta de vacinas: Aracaju, Belo Horizonte,
Belém, Campo Grande, Porto Alegre, Porto Velho e Recife. Entretanto, apesar do
ritmo lento, a vacinação vem reduzindo o número de mortos na população de
risco. As medidas de distanciamento social nos estados e municípios
contribuíram para reduzir a taxa de transmissão do vírus para menos de 1, o que
está se refletindo na queda do número de casos e de mortos.
O
que acontece é o contrário, o presidente Bolsonaro estimula aglomerações, como
as que ocorreram no domingo, e se recusa a tomar a vacina, bem como a usar
máscaras. Sabota sistematicamente os esforços das autoridades de saúde para
conter a pandemia. Do ponto de vista estratégico, essa atitude foi um erro que
pode lhe ser fatal nas eleições de 2022. Num país continental como o Brasil,
uma crise sanitária dessa envergadura desorganiza a economia e destrói
atividades produtivas, deixando ao relento e com fome milhões de pessoas. São
os frutos envenenados da “necropolítica”. Esse conceito do filósofo negro e
historiador camaronense Achille Mbembe define a política de governo que escolhe
quem deve viver e quem deve morrer. Infelizmente, traduz a situação em que
vivemos.
Até breve. Em férias, deixarei de assinar a coluna por quatro semanas.
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