Conselho
de Sarney a Renan: menos discurso, mais ação
A
política muda como as nuvens, diz o bordão atribuído ao ex-governador mineiro
Magalhães Pinto. Em 2018, o vendaval da antipolítica, puxado por Jair
Bolsonaro, varreu o MDB das urnas, mandando para casa caciques da estirpe de
Romero Jucá, Eunício Oliveira, Roberto Requião e Garibaldi Alves.
Em
uma releitura desse clássico, o relator da CPI da Pandemia, Renan Calheiros
(MDB-AL), declarou recentemente que na política “nada é irreversível”. Sem
dúvida, um exemplo é a debacle emedebista. Três anos depois, o partido se
reposionou no jogo político, com dois ex-presidentes da República cortejados
por Bolsonaro, e com assento na direção da CPI da Pandemia, que assombra o
Planalto.
Depois de alçar Michel Temer ao patamar de conselheiro político, Bolsonaro bateu na porta do ex-presidente José Sarney na semana passada para se aconselhar sobre a turbulenta relação com Renan Calheiros.
Sarney
é o vulto da República mais longevo e prestigiado da vida pública, com quase 70
anos de carreira. No livro “Tchau, querida!”, de Eduardo Cunha, leitura de
cabeceira de nove entre dez políticos, o nome de Sarney aparece 68 vezes.
Logo
Sarney, que em entrevista ao biógrafo de Tancredo Neves, Plínio Fraga,
confidenciou que sua percepção inicial, após a vitória no Colégio Eleitoral,
era de que “seria um vice fraco de um presidente forte”. Ele deixou a
presidência em 1990 com a pecha da “hiperinflação” e alta rejeição. Entretanto,
até hoje é reverenciado entre seus pares pela gentileza e habilidade política,
atributos que o credenciaram para conduzir a transição democrática.
Sarney
recebeu Bolsonaro em sua casa no Lago Sul três dias após completar 91 anos,
tendo passado o último ano em angustiado isolamento pelo temor da covid-19.
Depois de se vacinar, o ex-presidente voltou a receber amigos mais próximos,
mantendo a distância protocolar e a máscara.
Bolsonaro
havia procurado outras lideranças do MDB como intermediários em tentativa de
diálogo com Renan, como o próprio Temer, e o governador de Alagoas, Renan
Filho, além do senador Fernando Bezerra (MDB-PE), que é líder do governo. Mas
se alguém exerceria alguma influência efetiva sobre Renan, seria Sarney, que se
revezou na presidência do Senado com o alagoano.
Segundo
relatos de interlocutores de Sarney à coluna, Bolsonaro teria feito um apelo
para que o ex-presidente interviesse para afastar Renan da relatoria da
comissão de inquérito. Ou então, ao menos que o persuadisse a moderar o tom, já
que o relator entrou em campo com a faca nos dentes. “Há responsáveis [pelas
mortes na pandemia], evidentemente. Há culpados, por ação, omissão, desídia ou
incompetência. E eles, em se comprovando, serão responsabilizados”, discursou.
De
acordo com estes interlocutores, Sarney reuniu-se depois com Renan e com o
senador Jáder Barbalho (MDB-PA), que é suplente na CPI. Leal aos velhos amigos,
o ex-presidente não atuaria para atrapalhar Renan. Contudo, num gesto a
Bolsonaro, e pelo estilo conciliador, recomendou ao alagoano que poupasse o
alarde e investisse na ação. Observou que quem quer, faz, não avisa que irá
fazer.
O
aniversário no último dia 24 de abril estimulou uma romaria de autoridades de
todas as esferas de poder na última semana à residência de Sarney. Segundo uma
fonte do MDB que cumprimentou pessoalmente o ex-presidente pela data, Sarney
estava entretido com a visita de quatro ministros do Supremo Tribunal Federal
(STF), e de outro do Tribunal de Contas da União (TCU).
Para
esta quinta-feira, está sendo agendada uma visita a Sarney do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, que desembarcou ontem em Brasília. Lula e Sarney se
aproximaram a partir da eleição de 2002, quando o ex-presidente tomou para si a
mágoa da filha, Roseana Sarney, abatida em pleno voo eleitoral em uma operação
da Polícia Federal, pela qual a família responsabilizou os tucanos Fernando
Henrique e José Serra.
Mesmo
quando Sarney saiu chamuscado do escândalo das nomeações secretas, Lula o
apoiou para o comando do Senado. Em um depoimento para as comemorações dos 90
anos de Sarney em uma publicação do Senado, Lula declarou que ele e Sarney se
tornaram “bons amigos”.
Lula
recordou que ao deixar a Presidência, após transmitir a faixa para Dilma
Rousseff, Sarney o pegou pelo braço e disse: “Agora eu vou te levar em casa”. E
Sarney acompanhou Lula até São Bernardo do Campo. No comício de recepção
organizado pelos militantes petistas, Sarney aparece na foto ao lado de Lula.
O
que se diz nos bastidores da cúpula do MDB neste momento de cerco ao governo
pela CPI da Pandemia, é que Bolsonaro cometeu erros primários de articulação. O
MDB se ressentiu com o Planalto, que não cumpriu o acordado com o partido.
Havia
o compromisso de que se o Supremo barrasse a recondução de Davi Alcolumbre
(DEM-AP) à presidência do Senado, o palácio apoiaria um nome do MDB, que como
titular da maior bancada, com 15 senadores, teria a prerrogativa de indicar o
sucessor.
Mas
Bolsonaro preferiu apoiar Rodrigo Pacheco (MG), do DEM, bancada com seis
integrantes, que agora não tem poder de fogo para blindar o governo na CPI.
Segundo
uma fonte do MDB, Bolsonaro foi advertido ao fazer a escolha de que “Minas tem
histórico de traição”. Foi lembrado da deslealdade de Pacheco, então no MDB,
com Michel Temer, quando estava na presidência da Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ) da Câmara. Na ocasião, ele nomeou um adversário de Temer para
relatar a denúncia encaminhada à Casa pelo procurador-geral Rodrigo Janot.
O
cálculo dos mais experientes é de que com uma boa articulação política, o
Planalto poderia ter mantido o apoio a Arthur Lira (PP-AL) na Câmara, mas
honrado o compromisso com o MDB.
Talvez a CPI da Pandemia não fosse evitada, mas aborrecimentos, sim. O governo poderia fazer maioria na comissão, ou na pior hipótese, garantir um diálogo cordial com Renan Calheiros. Hoje as nuvens que envolvem o Planalto são de tempestade.
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