A
CPI da Covid já está contribuindo com o país. É a primeira vez em um ano e dois
meses que o governo Bolsonaro recua e começa a tomar decisões na direção oposta
a que tomava antes, como os anúncios feitos ontem pelo ministro Marcelo
Queiroga sobre a vacina, testagem e quarentena. Enquanto acontecem os
depoimentos e a investigação, o governo tentará todo o tipo de manobra
diversionista, claro, mas pela primeira vez procura o tom mais adequado, mesmo
que isso signifique tentar apagar o que fez e desdizer o que disse. Como é da
natureza deste governo, ele continua revelando sua face autoritária. O próprio
Queiroga mostrou quem é, quando atacou a imprensa.
O problema da CPI será organizar o volume excessivo de provas de que o presidente Jair Bolsonaro liderou uma política criminosa nesta pandemia. Ele promoveu tanta aglomeração, estimulou tanto as pessoas a desrespeitarem as normas sanitárias, inclusive a mais óbvia delas, que é o uso de máscara, combateu tanto as vacinas, que o conjunto da obra revela mais do que incompetência. É crime mesmo. Bolsonaro acredita na tese da “imunidade de rebanho” e por isso estimulou a exposição máxima ao vírus, achando que assim rapidamente se livraria do vírus. Isso independentemente do número de mortes.
A
CPI não vai mudar Bolsonaro. Ele continuará sendo o governante irresponsável de
sempre, mas vai reduzir seu espaço de manobra. O governo estava expondo os
brasileiros à morte sem sofrer qualquer ameaça por isso. O presidente que falou
das cláusulas dracronianas da Pfizer, que disse certa vez que a coronavac
provocava “deformações”, entre outros absurdos, e mandou comprarem vacina “na
casa da mãe”, está agora fechando acordos com a Pfizer e tentando capitalizar
os números de imunizados. O governo que gastou milhões produzindo e estimulando
o uso de cloroquina agora tenta levar médicos à CPI que defendam o remédio
comprovadamente ineficaz. Prova do medo da CPI é o cursinho de fim de semana no
Planalto feito pelo general Pazuello e os requerimentos dos governistas que
foram redigidos na própria presidência.
Enquanto
se mostra acuado e organiza sua estratégia, o governo tenta criar focos de
atenção em outras áreas. Uma delas é atacar a democracia. Quando os bolsonaros
e seu séquito querem criar outra área de atenção, eles ameaçam as instituições.
Foi o que fez neste fim de semana o deputado Eduardo Bolsonaro ao ir para a
manifestação no sábado e no domingo tuitar em defesa da dissolução da Suprema
Corte em El Salvador. E também o que levou Bolsonaro a requisitar helicóptero
da Força Aérea para sobrevoar a manifestação de Brasília. Quando os bolsonaros
ameaçam as instituições é isso mesmo que eles querem dizer, mas ao mesmo tempo
ajudam a criar mais um foco de atenção. Já fizeram isso tantas vezes que é um
truque manjado.
Investigar
o que foi feito pelo governo, principalmente na gestão do general Eduardo
Pazuello, pode ser o caminho para que criminosos paguem pelo crime, mas pode
ser também uma forma de salvar vidas, porque o governo não cometerá os mesmos
erros com igual desenvoltura. Hoje, já é mais difícil ver uma cena em que um
humilhado general diz “ele manda e eu obedeço”, ou de retirar a assinatura em
contrato de compra de vacina como ocorreu com o Instituto Butantan no ano
passado.
O
governo agora jogará na defensiva. Tentará provar que não fez o que fez, não
disse o que disse. Vai usar os órgãos públicos, como a Polícia Federal, para
seus objetivos. E fazendo isso estará de novo produzido provas contra si mesmo.
A tropa de choque vai criar as confusões que já produziu, sem sucesso, na
semana passada. O governo argumentará que os números de mortos não são tantos
assim, fazendo comparações esdrúxulas. É mais fácil comunicar que o número de
mais de 400 mil mortos é inaceitável, do que tentar fugir dessa verdade com
relativismos que só exibem a insensibilidade dos governistas. Com que cara
ficará um senador que disser que 400 mil não são tantos assim?
A tese do ministro Paulo Guedes é também absurda. Ele disse que a CPI era “subir em cadáveres para fazer política”. Não. Foi o governo, ao jogar com a vida humana, estimulando o contágio, que foi responsável por tantos mortos. Esse é o fato determinado, os nossos mortos por ação ou omissão do governo federal.
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