Estratégia
de governar mediante a pressão popular não dá resultados
É
virtualmente impossível, hoje, ser bolsonarista sem ser golpista. Todo o
movimento de apoio a Bolsonaro se sustenta na esperança de que o presidente
usará da força para solapar seus adversários, governadores, Congresso, Supremo.
Foi
para isso que seus apoiadores foram às ruas no 1º de maio. No mix
insólito de protesto e micareta que ocorreu na avenida Paulista, o cantor
Netinho, logo antes de entoar seu sucesso “Milla”, também pedia que o público
levantasse as mãos para dar uma “carta branca” para Bolsonaro fazer o que bem
quiser.
Classicamente,
o pré-requisito para uma democracia republicana funcional sempre foi a virtude
cívica. Um povo livre, que tem a prerrogativa de escolher seus representantes e
influir nos rumos do Estado, precisa ser também um povo responsável e com senso
crítico. Hoje, vivemos o exato oposto: aqueles que berram histéricos a
obediência à “vontade do povo” são os mesmos que se oferecem prostrados,
abjetos, ao arbítrio do poder total.
Ainda na campanha eleitoral, Bolsonaro dizia querer governar sem fazer política no Congresso; sem formar base, sem distribuir verbas e cargos. Sua ferramenta para governar seria apenas o povo; o povo nas ruas pressionando o Congresso para implementar as medidas do projeto vencedor de Bolsonaro.
Passamos
o ano de 2019 inteiro e o início de 2020 com manifestações periódicas
pró-Bolsonaro. Em todas elas, o povo bolsonarista hostilizava Congresso e
STF na esperança de pressioná-los a ceder ao presidente. Uma vez começada a
quarentena em diversos estados, os protestos ficaram mais radicais —embora
menores— e adicionaram os governadores à lista de alvos.
E
o que aconteceu, do início do mandato para cá? A estratégia de governar
mediante a pressão popular tem dado quais resultados? Em uma palavra: nenhum.
Congresso
e Supremo têm muito mais poder hoje do que tinham no início do governo. Bolsonaro
come nas mãos do centrão; já fez tudo aquilo que jurava que não faria:
distribuição de cargos e emendas, colocando inclusive as contas públicas em
risco.
Já
o Supremo só avançou, chegando mesmo a prender deputado, militante e
“jornalista” bolsonaristas. Derruba, sem cerimônia, decretos do governo, como o
recente decreto das armas. O povo sedento pede o golpe, mas Bolsonaro, malvado,
não dá.
Mesmo
os apoiadores mais alucinados começam a abrir os olhos. Esses dias, o
ex-chanceler (que prazer sinto ao digitar isso!) Ernesto
Araújo lamentou, decepcionado, que o governo se transformou numa “administração
tecnocrática sem alma nem ideal”. Poucas horas depois, voltou ao Twitter,
reafirmando seu apoio ao governo: “Com o apoio popular estou certo de que ele
terá a força necessária para vencer”.
Os
apoiadores foram à rua. O rebanho dócil do presidente lá estava, “autorizando”
todo e qualquer arbítrio do líder, dando o “sinal” que ele pedira para agir,
basicamente implorando para serem tangidos. E, no entanto, nada. O deputado
fiel é preso por atacar o Supremo. Não se ouve um pio do presidente.
*Economista,
mestre em filosofia pela USP.
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