Se
depender dos senadores governistas que integram a CPI da Covid, o ex-ministro
da Saúde Luiz Henrique Mandetta será confrontado com questões pendentes de
sua gestão na pasta durante o depoimento desta terça-feira.
O
objetivo é tentar tirar Jair Bolsonaro do foco da discussão, fazendo com
que Mandetta passe mais tempo se explicando do que apontando as divergências
entre eles e as ocasiões em que ações do presidente possam ter prejudicado o
combate à pandemia.
Os
grandes contratos de compras fechados por Mandetta são as principais armas na
artilharia preparada pelo grupo que defende o governo na comissão.
Esses
contratos foram alvo de vários dossiês enviados nas últimas semanas a senadores
da CPI por funcionários do ministério, empresários que tiveram interesses
contrariados e adversários políticos do ex-ministro.
No material há documentos sugerindo direcionamento em favor de fornecedores na compra de equipamentos de proteção individual (EPI) e na contratação de duas empresas, uma delas especializada em telemedicina, para o TeleSUS.
Os
contratos são investigados pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
As possíveis irregularidades foram detalhadas em despachos do ministro
Benjamin Zymler, responsável pela fiscalização dos processos relacionados à
Covid.
O
ex-ministro foi demitido em abril de 2020 por divergências com o
presidente da República sobre a condução do trabalho de combate à pandemia de
coronavírus.
Em
setembro de 2020, Mandetta publicou um livro em que afirmou que Bolsonaro era contra
o isolamento social, minou políticas do Ministério da Saúde e ignorou alertas
sobre a gravidade da doença no contexto brasileiro.
Na
CPI, o depoimento de Mandetta é tido como crucial. Senadores do bloco de
oposição e independentes querem que ele aponte os momentos em que considera que
Bolsonaro sabotou o combate eficaz à contaminação pelo vírus e a compra de
vacinas e insumos.
Os
roteiros de perguntas preparados pela oposição se concentram em pedir que
Mandetta detalhe as iniciativas que tomou e os obstáculos que encontrou.
Os
governistas, de seu lado, têm dito que Mandetta terá que primeiro explicar os
"passivos" de sua gestão. Um desses passivos é o contrato de quase R$
1 bilhão para a compra de aventais, que acabou cancelado no fim de abril de
2020 e questionado em seguida pelo TCU.
Segundo
Zymler, a gestão Mandetta adquiriu 80 milhões de unidades do produto em abril
de 2020 por R$ 912 milhões, sem licitação e sem a observância de alguns
critérios determinados por lei. Entre essas exigências estava que o ministério
justificasse como chegou ao valor básico por unidade (R$ 11,40) e detalhar como
eles seriam distribuídos pelo país.
Na
ocasião, o governo alegou que, embora a compra de EPIs seja uma atribuição de
estados e municípios, a escassez de produtos de uso hospitalar no mercado
internacional justificava que o ministério usasse seu poder de compra para
garantir o abastecimento.
A
dispensa de licitação na compra de itens para o combate a Covid foi permitida
por uma Medida Provisória apresentada em março do ano passado, a MP 926.
Mas, depois dos questionamentos do TCU, a compra foi cancelada já na gestão
Teich. O processo ainda corre no TCU. Movimentações têm sido
frequentemente notificadas no sistema do tribunal. Só na última terça-feira,
foram registradas 31, a maior parte sobre inclusão de documentos e ofícios no
caso.
Ao
explorar esse caso, os governistas pretendem imprimir à gestão Mandetta uma
imagem de despreparo e desorganização. Até o cancelamento da compra, no
auge da crise sanitária, deve ser ressaltado.
A
ideia é passar a impressão de que os erros da gestão Mandetta são só dele, e
não teriam nada a ver com Bolsonaro ou com a própria situação de emergência
decorrente da pandemia.
Na
mira dos governistas também estão contratos com duas empresas para conduzir o
teleatendimento do SUS voltado para a Covid. Uma das principais apostas de
Mandetta, o serviço foi apresentado na época como uma forma de orientar
pacientes com quadro leve da Covid sem sobrecarregar o sistema de saúde.
Esses
contratos, que somam R$ 190,8 milhões, também foram realizados por meio de
dispensa de licitação e também foram contestados pelo TCU. Acabaram suspensos
pelo próprio Ministério da Saúde na gestão de Eduardo Pazuello.
Quando
isso ocorreu, eles já estavam sendo analisados pelo tribunal e investigados
pelo Ministério Público Federal. Na ocasião, o ministério alegou que a
empresa não estava prestando o serviço contratado.
As
empresas contratadas foram a Topmed Assistência à Saúde e a Talkcommunications
do Brasil. A primeira faria o atendimento individualizado dos brasileiros que
procurassem orientações de tratamento por meio da telemedicina e a
segunda, pela automatização do atendimento da telemedicina, bem como o
gerenciamento dos dados obtidos pelas ligações com o objetivo de monitorar
casos ativos da Covid-19 no país. Nos dois casos, o pagamento seria feito por
ligação.
E
foi justamente o valor por ligação que chamou atenção do TCU: estipulado em R$
5,80 no início das tratativas, ele foi fixado em R$ 21 no caso da Topmed,
diferença que os técnicos da corte consideravam injustificada.
O
TCU considerou ainda que a justificativa do ministério da Saúde para não mapear
possíveis concorrentes ao serviço – a de que a Topmed seria a única do
setor capaz de atender à demanda exigida – não se sustenta. O caso ainda
tramita no tribunal. O Ministério Público Federal também não concluiu as
investigações.
O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta foi procurado ontem pela reportagem por telefone e por mensagem, mas não respondeu aos contatos para comentar os contratos de sua gestão.
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