terça-feira, 4 de maio de 2021

Malu Gaspar - Governistas da CPI da Covid vão confrontar Mandetta com esqueletos de sua gestão

- O Globo

Se depender dos senadores governistas que integram a CPI da Covid, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta será confrontado com questões pendentes de sua gestão na pasta durante o depoimento desta terça-feira.

O objetivo é tentar tirar Jair Bolsonaro do foco da discussão, fazendo com que Mandetta passe mais tempo se explicando do que apontando as divergências entre eles e as ocasiões em que ações do presidente possam ter prejudicado o combate à pandemia.

Os grandes contratos de compras fechados por Mandetta são as principais armas na artilharia preparada pelo grupo que defende o governo na comissão. 

Esses contratos foram alvo de vários dossiês enviados nas últimas semanas a senadores da CPI por funcionários do ministério, empresários que tiveram interesses contrariados e adversários políticos do ex-ministro.  

No material há documentos sugerindo direcionamento em favor de fornecedores na compra de equipamentos de proteção individual (EPI) e na contratação de duas empresas, uma delas especializada em telemedicina, para o TeleSUS.

Os contratos são investigados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). As possíveis  irregularidades foram detalhadas em despachos do ministro Benjamin Zymler, responsável pela fiscalização dos processos relacionados à Covid. 

O ex-ministro foi demitido em abril de 2020 por divergências com o presidente da República sobre a condução do trabalho de combate à pandemia de coronavírus. 

Em setembro de 2020, Mandetta publicou um livro em que afirmou que Bolsonaro era contra o isolamento social, minou políticas do Ministério da Saúde e ignorou alertas sobre a gravidade da doença no contexto brasileiro. 

Na CPI, o depoimento de Mandetta é tido como crucial. Senadores do bloco de oposição e independentes querem que ele aponte os momentos em que considera que Bolsonaro sabotou o combate eficaz à contaminação pelo vírus e a compra de vacinas e insumos.

Os roteiros de perguntas preparados pela oposição se concentram em pedir que Mandetta detalhe as iniciativas que tomou e os obstáculos que encontrou. 

Os governistas, de seu lado, têm dito que Mandetta terá que primeiro explicar os "passivos" de sua gestão. Um desses passivos é o contrato de quase R$ 1 bilhão para a compra de aventais, que acabou cancelado no fim de abril de 2020 e questionado em seguida pelo TCU. 

Segundo Zymler, a gestão Mandetta adquiriu 80 milhões de unidades do produto em abril de 2020 por R$ 912 milhões, sem licitação e sem a observância de alguns critérios determinados por lei. Entre essas exigências estava que o ministério justificasse como chegou ao valor básico por unidade (R$ 11,40) e detalhar como eles seriam distribuídos pelo país. 

Na ocasião, o governo alegou que, embora a compra de EPIs seja uma atribuição de estados e municípios, a escassez de produtos de uso hospitalar no mercado internacional justificava que o ministério usasse seu poder de compra para garantir o abastecimento.

A dispensa de licitação na compra de itens para o combate a Covid foi permitida por uma Medida Provisória apresentada em março do ano passado, a MP 926. Mas, depois dos questionamentos do TCU, a compra foi cancelada já na gestão Teich. O processo ainda corre no TCU. Movimentações têm sido frequentemente notificadas no sistema do tribunal. Só na última terça-feira, foram registradas 31, a maior parte sobre inclusão de documentos e ofícios no caso. 

Ao explorar esse caso, os governistas pretendem imprimir à gestão Mandetta uma imagem de despreparo e desorganização. Até o cancelamento da compra, no auge da crise sanitária, deve ser ressaltado.

A ideia é passar a impressão de que os erros da gestão Mandetta são só dele, e não teriam nada a ver com Bolsonaro ou com a própria situação de emergência decorrente da pandemia. 

Na mira dos governistas também estão contratos com duas empresas para conduzir o teleatendimento do SUS voltado para a Covid. Uma das principais apostas de Mandetta, o serviço foi apresentado na época como uma forma de orientar pacientes com quadro leve da Covid sem sobrecarregar o sistema de saúde. 

Esses contratos, que somam R$ 190,8 milhões, também foram realizados por meio de dispensa de licitação e também foram contestados pelo TCU. Acabaram suspensos pelo próprio Ministério da Saúde na gestão de Eduardo Pazuello.

Quando isso ocorreu, eles já estavam sendo analisados pelo tribunal e investigados pelo Ministério Público Federal. Na ocasião, o ministério alegou que a empresa não estava prestando o serviço contratado. 

As empresas contratadas foram a Topmed Assistência à Saúde e a Talkcommunications do Brasil. A primeira faria o atendimento individualizado dos brasileiros que procurassem orientações de tratamento por meio da telemedicina e a segunda, pela automatização do atendimento da telemedicina, bem como o gerenciamento dos dados obtidos pelas ligações com o objetivo de monitorar casos ativos da Covid-19 no país. Nos dois casos, o pagamento seria feito por ligação. 

E foi justamente o valor por ligação que chamou atenção do TCU: estipulado em R$ 5,80 no início das tratativas, ele foi fixado em R$ 21 no caso da Topmed, diferença que os técnicos da corte consideravam injustificada. 

O TCU considerou ainda que a justificativa do ministério da Saúde para não mapear possíveis concorrentes ao serviço – a de que a Topmed seria a única do setor capaz de atender à demanda exigida – não se sustenta. O caso ainda tramita no tribunal. O Ministério Público Federal também não concluiu as investigações.  

O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta foi procurado ontem pela reportagem por telefone e por mensagem, mas não respondeu aos contatos para comentar os contratos de sua gestão.

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