EDITORIAIS
O perigoso afastamento da política
O Estado de S. Paulo
Um estudo realizado pelo Ibope e pela Rede
Nossa São Paulo mostrou uma situação preocupante para o regime democrático e o
exercício da cidadania. Segundo o levantamento, 67% das pessoas entre 16 e 24
anos na cidade de São Paulo não têm nenhuma vontade de participar da vida
política do Município. Dois terços de uma parcela especialmente relevante da
população – a nova geração, que se aproxima da vida adulta – querem distância
da política. Apenas 19% disseram ter alguma vontade de participar da vida
política e 15%, muita vontade.
Realizada no mês de janeiro com 800 pessoas
na cidade de São Paulo, a pesquisa apresentou aos entrevistados uma série de
possibilidades de atuação na vida política, que iam desde o compartilhamento de
notícias sobre política na internet e trabalho voluntário até a participação em
atos de rua e atuação em conselhos municipais. Quase a metade (42%) respondeu
que não pratica nenhuma das ações listadas.
Segundo o público pesquisado, a forma mais
frequente de fazer política é a assinatura de abaixo-assinados (22%), seguida
do compartilhamento de notícias em redes sociais e em aplicativos de mensagens
(18%) e atuação no movimento estudantil (15%).
O quadro é especialmente grave tendo em
vista que as pessoas reconhecem a importância da participação política, mas
mesmo assim não veem sentido nessa atuação. “Sei que é importante acompanhar,
mas não me vejo refletida na política”, disse Giovanna Paulo, de 20 anos, que
trabalha numa fábrica de automóveis.
Não é, portanto, apenas uma carência de
informação. Pode-se dizer que há uma resistência consciente a participar da
vida política, por entender que essa atuação seria inútil ou mesmo
contraproducente. É a desilusão motivando um desejo de distância da política.
Outro ponto que desperta especial
preocupação refere-se ao voto. Questionados se a proximidade das eleições
levava a um maior interesse pela política, 43% discordaram totalmente dessa
afirmação.
Ou seja, mesmo nesse momento único da democracia, em que o cidadão tem nas mãos o poder de direcionar os rumos da cidade, do Estado e do País, boa parte da juventude sente-se desinteressada da política. É um grave sintoma do desapreço pelo voto. Para parte da população, nem na hora de escolher seus representantes a política adquire algum interesse.
Mais do que simplesmente condenar a
juventude pelo distanciamento da política, os resultados da pesquisa devem
levar a uma reflexão. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer a existência de
um problema grave. O regime democrático não funciona bem quando parcela
importante da população está distante da política.
Tal problema tem uma dimensão ainda maior
quando são os jovens os que querem distância da política. Já não se trata de
uma questão apenas do presente, mas também do futuro. Quem zelará pelo regime
democrático nos próximos dez, vinte, trinta anos?
Em segundo lugar, é preciso investigar e,
na medida do possível, sanar a causa da desilusão dos jovens com a política.
Não basta repetir a importância da participação de todos. Tal consciência, como
diz a própria pesquisa, é bem difundida. Trata-se de melhorar a funcionalidade
do sistema político, de forma a que as pessoas se sintam estimuladas a
participar.
A atuação política não pode ser vista como
uma perda de tempo ou uma atividade para quem não tem outros compromissos. É
justamente o oposto. Uma democracia pujante deve ser capaz de atrair jovens e
adultos ocupados, com carreiras profissionais entusiasmantes, genuinamente
comprometidos com o desenvolvimento social e econômico do País.
Como se vê, um sistema político
disfuncional não causa apenas danos no curto prazo. Ao desestimular a
participação política, ele prolonga seus nefastos efeitos ao longo do tempo,
gerando um autêntico círculo vicioso.
É imprescindível, portanto, melhorar
continuamente as regras e o funcionamento do sistema político. Um regime
democrático saudável deve atrair e promover a participação de todos,
especialmente das novas gerações. Não há democracia com distância ou alheamento.
A pandemia e a queda de aprendizagem
O Estado de S. Paulo
O fechamento das escolas em 2020, por causa da pandemia, custará caro para as novas gerações. Como muitos adolescentes e jovens não se adaptaram ao ensino remoto, o déficit de aprendizagem que tiveram os levará a perder cerca de R$ 700 bilhões em renda, quando se tornarem adultos. E se, em 2021, não houver um retorno ao menos para o ensino híbrido no segundo semestre, a perda poderá chegar a R$ 1,5 trilhão.
A estimativa é do Instituto Unibanco que,
em parceria com o Insper, analisou o impacto econômico da substituição das
aulas presenciais pelas aulas virtuais na formação dos estudantes da rede
pública de ensino médio. Coordenada pelo economista Ricardo Paes de Barros, a
pesquisa mostrou que, além de terem aprendido menos em 2020, esses estudantes
entraram em 2021 com uma perda de 9 pontos em português e 10 pontos em
matemática na escala do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
O Saeb é uma prova aplicada pelo Ministério
da Educação (MEC) com o objetivo de avaliar a qualidade do ensino. Sua escala
indica o nível de proficiência desenvolvido em determinadas competências e
habilidades. Ao longo do ensino médio, um estudante aprende o equivalente a 20
pontos em português e 15 em matemática. No caso dos alunos da segunda série
desse ciclo, por exemplo, a perda de pontos revelou que, no ano passado, eles
absorveram apenas 25% do que era esperado. Assim, entraram despreparados na
terceira série, em 2021, correndo o risco de chegar em dezembro com uma perda
de 20 pontos em português e matemática.
Se isso ocorrer, os três anos em que esses
estudantes frequentaram o ensino médio terão sido perdidos. Isto porque eles
terminarão esse ciclo, o último antes do ensino superior, com um volume de informações
pouco acima do que já sabiam quando concluíram o ensino fundamental. Além
disso, como a aprendizagem é um processo sequencial, muitos conhecimentos que
eles haviam aprendido no ensino fundamental foram esquecidos em 2021, por não
terem sido exercitados pelo sistema de aulas virtuais.
O futuro dessas gerações é sombrio, uma vez
que, diante da velocidade das transformações tecnológicas, que estão
reconfigurando o mundo do trabalho, só terão vez os jovens com formação
especializada e capacidade técnica. Quem não atender a esses requisitos terá
remuneração baixa, e, se encontrar algum emprego, certamente será na economia
informal, gerando assim menos benefícios para a sociedade.
Por isso, se o MEC não tomar urgentemente
medidas de curto, médio e longo prazos, os estudantes com déficit de
aprendizagem por causa da pandemia tenderão a “ser menos produtivos e o Brasil
vai produzir menos durante décadas. Isso afeta o estoque de capital humano e a
capacidade criativa do País”, diz Paes de Barros. “Vamos pagar um preço alto
por uma gestão profundamente inadequada tanto sanitária como educacional. Ela
aconteceu quando o Brasil estava entrando na quarta revolução industrial.
Significa assim perda de uma chance de desenvolvimento”, afirma a diretora do
Centro de Políticas Educacionais da FGV, Cláudia Costin.
Apesar da advertência, os responsáveis pelo
estudo “não escondem seu pessimismo. Após a eclosão da pandemia, enquanto os
Estados e municípios criaram plataformas online, ofereceram chips aos alunos e
distribuíram materiais impressos para suprir a falta das aulas presenciais, o
MEC se omitiu, negando-se a articular as ações das autoridades educacionais dos
Estados e municípios. Além disso, afirmam os responsáveis pela pesquisa, como o
País não tem experiência no desenvolvimento de programas de aceleração de
aprendizagem no ensino médio, há a necessidade de colaboração de todas as
instâncias governamentais para formular projetos que reduzam os problemas
causados pelo fechamento das escolas durante a pandemia. Mas como “fazer bem
feito algo que nunca fizemos”, ainda mais quando o MEC não faz o que dele se
espera? – indagam. Não por acaso, o superintendente do Instituto Unibanco,
Ricardo Henriques, classificou as constatações da pesquisa como “catastróficas
e trágicas”.
O déficit de moradias dignas
O Estado de S. Paulo
O déficit habitacional do Brasil já apresentava tendência de alta antes da pandemia e deve aumentar com ela. Segundo levantamento da Fundação João Pinheiro, entre 2016 e 2019 o déficit cresceu 4%, de 5,66 milhões para 5,88 milhões do total de 73,2 milhões de domicílios.
O déficit habitacional é composto por três
indicadores: domicílios precários (improvisados ou rústicos); coabitação
(unidades compartilhadas e domicílios formados por cômodos); e domicílios com
custos excessivos de aluguel.
O fator que mais pesou no avanço geral é o
ônus excessivo do aluguel, por causa do crescimento da população que ganha até
três salários mínimos e gasta mais de 30% de sua renda com aluguel. Entre 2016
e 2019, esse número de moradias avançou de 2,8 milhões (49,7% do déficit) para
mais de 3 milhões (51,7%). A habitação precária também aumentou, de cerca de
1,3 milhão para quase 1,5 milhão, respondendo por 25,2% do déficit. A
coabitação responde por 23,1% do déficit, mas teve uma redução, de mais 1,5
milhão para pouco menos de 1,4 milhão de domicílios.
Norte e Nordeste enfrentam
proporcionalmente as maiores mazelas. Nessas regiões, o pior problema é a
habitação precária, respondendo por quase 63% do total no Brasil – 42% para o
Nordeste; 21% para o Norte. Já o déficit por ônus excessivo do aluguel é um
problema generalizado no Sudeste: dos 3 milhões de domicílios brasileiros nessa
condição, quase metade está na região.
No período avaliado, as mulheres foram as
principais responsáveis por moradias deficitárias: cerca de 62% dos
responsáveis por domicílios com ônus excessivo de aluguel eram mulheres,
enquanto no componente coabitação, esse índice é de 56%.
O ônus excessivo do aluguel e a evolução do
número de mulheres responsáveis pelos domicílios deficitários foram destacados
como as duas tendências mais marcantes nos últimos anos. “Esses dados exigem
sensibilidade na elaboração de políticas e entendimento das necessidades das
famílias que compõem o déficit habitacional”, afirmou, no lançamento do
relatório, o secretário nacional de Habitação, Alfredo dos Santos.
O Casa Verde e Amarela, criado pelo governo
Bolsonaro para substituir o Minha Casa Minha Vida, é o principal programa para
combater essas carências. O programa atende as famílias mais pobres, concedendo
subsídios de até 90% do valor do imóvel para famílias com renda mensal de até
R$ 2 mil.
Mas o aumento do custo dos materiais de
construção tem dificultado a contratação de novas casas para a população de
baixa renda, de modo que o novo programa tem investido na regularização e
melhoria das residências existentes.
A elaboração de mecanismos para financiar
melhorias também é importante em vista da quantidade de domicílios que
apresentaram alguma inadequação (de infraestrutura, edilícia ou de inadequação
fundiária). “Ao contrário do déficit, a inadequação não envolve a substituição
de domicílios. Aqui, a gente foca na qualidade das habitações passíveis de
melhoras”, explicou o coordenador da pesquisa, Frederico Poley. Quase 25
milhões de domicílios brasileiros – um terço do total – apresentam algum tipo
de inadequação.
Outro expediente – ainda em estudo, mas
particularmente relevante em vista do crescimento de domicílios com ônus
excessivo do aluguel – é o aluguel social, pelo qual o poder público (União,
Estado ou município) banca uma parcela do aluguel das famílias pobres.
Uma das ideias é implementar essa política
por meio de parcerias público-privadas que estabeleceriam uma espécie de
condomínio: o poder público pode ceder o terreno, no qual a empresa consorciada
constrói residências destinadas ao aluguel social, por sua vez pago em parte
pelos moradores e em parte pelo poder público. O governo estuda ainda destinar
prédios já existentes para esse fim.
Ante o impacto da pandemia, as carências de
moradias devem se agravar. É fundamental que a sociedade civil e as autoridades
se envolvam na revisão do Plano Nacional de Habitação que vem sendo conduzido
pelo Ministério das Cidades.
Bolsonaro aposta em PIB, vacina e auxílio aos pobres
O Globo
O panelaço durante o pronunciamento televisivo do presidente Jair Bolsonaro na quarta-feira foi a segunda manifestação de vulto contra o governo nos últimos dias, depois dos protestos de rua em dezenas de cidades no sábado 29 de maio. É até esperado que, num momento em que a pandemia já matou quase 500 mil brasileiros — e a aprovação do presidente está no vale histórico, embora ainda ao redor de 24% —, a indignação se transforme em revolta, e a revolta, em protesto. A dúvida pertinente, na atual circunstância, é o que representa esse sentimento para as perspectivas de reeleição em 2022.
Bolsonaro aposta em três trunfos
eleitorais. O primeiro, a que tentou de todas as formas associar seu nome no
discurso televisivo, é o avanço da vacinação. É verdade que a situação
brasileira nesse campo não é exatamente aquela que ele apresentou na TV. Em
termos proporcionais, com 10,7% da população vacinada com duas doses, estávamos
ontem na 79ª posição entre 180 países. Mas estamos acima da média mundial
(5,7%) e latino-americana (9,3%). A quantidade de doses prevista para o segundo
semestre dá esperanças de que, até o início do ano eleitoral, a questão esteja
superada.
O segundo trunfo, decorrente da confiança
trazida pelo primeiro, é a recuperação da economia, que surpreendeu no primeiro
trimestre. Nem que por um mero efeito estatístico resultante da recessão brutal
do ano passado, o crescimento do PIB deverá fechar 2021 acima de 4%. O
desemprego que hoje atinge 15 milhões deverá começar a recuar e entrará 2022
numa trajetória de queda. O humor do país tende a mudar com a reabertura
progressiva do comércio e dos serviços. Bolsonaro tentará reivindicar para si
qualquer recuperação, já que sempre se colocou contra as medidas restritivas.
O terceiro trunfo é a provável criação de
algum programa social para reconquistar o eleitorado de baixa renda,
decepcionado com o auxílio emergencial deste ano. Entre políticos governistas e
aliados do Centrão, não se fala noutra coisa. Cogita-se um benefício de R$ 600,
concedido de forma tão ampla quanto possível, sem nenhum cuidado com as contas
públicas. Se bem-sucedido, tal programa representará uma tragédia fiscal, mas
poderá lhe trazer de volta os eleitores que, segundo as pesquisas, ele voltou a
perder para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Há, por fim, a indefinição da oposição.
Embora Lula tenha despertado como favorito nas últimas sondagens, ainda existem
articulações para projetar algum nome capaz de desafiar a polarização
PT-Bolsonaro. Para parcela significativa do eleitorado, a insatisfação com o
governo não significa necessariamente que a volta de Lula seja desejável. A
oportunidade para a terceira via ainda existe, pois metade dos eleitores diz
não saber ainda em quem votar.
Até o momento, nenhum nome se projetou para
aproveitá-la. Escolher um candidato comum e construir uma coalizão capaz de
derrotar Bolsonaro poderá exigir da oposição desprendimento semelhante ao dos
políticos israelenses que fecharam um acordo de governo reunindo projetos
antagônicos, apenas para se livrar do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
Mesmo para Lula, o cenário é desafiador. Se tudo der certo para Bolsonaro, ele
se manterá competitivo. As centenas de milhares de mortes, as suas mentiras e o
barulho das panelas mostram, porém, que não terá vida fácil.
Governo precisa se organizar para acelerar
vacinação no 2º semestre
O Globo
Em seu discurso na quarta-feira, o presidente Jair Bolsonaro pintou um quadro sobre a vacinação que distorce a realidade. Começou dizendo que o Brasil atingiu a marca de 100 milhões de vacinas distribuídas. Só que o número de doses aplicadas — o que interessa — está longe disso: cerca de 70 milhões. Não só porque parte do estoque tem que ser reservada para a segunda dose, mas também por equívocos nos critérios de imunização que atrasam a campanha. Afirmou ainda que o Brasil é o quarto país que mais vacinou. É uma dessas meias verdades típicas de quem manipula estatísticas, por considerar apenas números absolutos, e não a população. Imunizamos 22,5% com a primeira dose e 10,7% com as duas, percentuais distantes de conferir proteção suficiente à população.
No mundo real, o governo reduziu em quase 4
milhões a previsão de vacinas para junho. A Fiocruz cortou 10 milhões na
estimativa para o segundo semestre da Oxford/AstraZeneca (de 110 milhões para
100 milhões), mesmo considerando que começará a produzir aqui os insumos. Em
maio, o ritmo de vacinação caiu 16% em relação a abril (4,1 milhões de doses a
menos). Em vez de acelerarmos, reduzimos a velocidade. É verdade que o país já
tem quase 600 milhões de doses contratadas. Mas boa parte só chega no terceiro
e quarto trimestres. Tentativas para antecipar as entregas não têm sido bem-sucedidas.
A indústria tem seus gargalos — e o governo deveria saber.
O cenário não é favorável. Após uma
brevíssima trégua, o número de infectados voltou a subir, apontando para uma
nova onda de contágio e estresse no sistema de saúde. Com apenas 10,7% imunizados,
a população continua vulnerável. Enquanto isso, variantes se espalham.
O país deveria começar a se planejar para o
segundo semestre, quando a disponibilidade de vacinas deve ser bem maior. O
epidemiologista Wanderson Oliveira, ex-secretário nacional de Vigilância em
Saúde, acredita que é viável vacinar toda a população brasileira até o fim do
ano. Ele traçou quatro cenários. No mais otimista, seria possível chegar a 31
de outubro com 255 milhões de doses aplicadas, suficientes para imunizar todos
os adultos, público-alvo da campanha (cerca de 160 milhões de pessoas).
Para isso, diz ele, seria preciso aumentar
o ritmo para 1,8 milhão de doses por dia, um desafio — em maio, a média ficou
em 510 mil. Não é impossível, desde que haja grande esforço envolvendo governo
e sociedade para ampliar o número de postos de vacinação além das 37 mil salas.
O pacto precisaria envolver universidades, farmácias, iniciativa privada,
hospitais etc.
Apesar dos muitos erros cometidos até aqui,
como desprezar as ofertas de vacinas no ano passado, ainda é possível corrigir
o rumo. Porém o governo precisará demonstrar uma capacidade de gestão que não
comprovou até agora. Por enquanto, a falta de vacinas ainda serve como pretexto
para o desempenho pífio na imunização. No segundo semestre, provavelmente, não
servirá mais.
Sem tempo a perder
Folha de S. Paulo
No papel, pode-se completar a vacinação
neste ano; fazê-lo exige enorme esforço
Acossado pela queda da popularidade e pela
erosão das chances de reeleição, o presidente Jair Bolsonaro, quem diria, escorou-se
na vacinação para tentar estancar a derrocada, a julgar pelo discurso
em cadeia de rádio e TV desta quarta (2).
Todos os brasileiros —presumem-se os
adultos— que quiserem serão vacinados até o fim deste ano, prometeu o chefe de
Estado.
É o que lhe resta diante da terra arrasada
deixada por seu governo em todos os setores da administração. A imunização, que
estaria bem mais adiantada não fosse a incúria do Planalto, salva vidas e
impulsiona a retomada econômica, o que tende a beneficiar incumbentes.
Por sua vez, o governador João Doria
(PSDB), outro pleiteante à Presidência em 2022, divulgou calendário
prevendo a vacinação de todos os paulistas acima de 18 anos de idade
até o final de outubro.
Embora as credenciais de Doria no campo da
vacinação estejam bem mais lastreadas em fatos do que as de Bolsonaro, o
cumprimento das promessas e expectativas emanadas dos dois governantes depende
de esforços consideráveis, dados o ritmo e as perspectivas atuais do processo
no Brasil.
O Ministério da Saúde projeta a
disponibilização de mais de 560 milhões de doses até o final deste ano, das
quais 100 milhões já foram distribuídas aos estados pelo Programa Nacional de
Imunização. Em tese, haveria portanto vacina bastante para aplicar duas doses
nos mais de 213 milhões de brasileiros de todas as idades.
O principal problema têm sido as
frustrações desse prospecto, sobretudo em razão das incertezas quanto aos
carregamentos oriundos da China. A Fiocruz acaba de reduzir a menos da metade,
para 50 milhões, a estimativa de produção completamente nacional de vacinas
AstraZeneca neste ano.
O laboratório estatal sediado no Rio
pretende compensar o desfalque com a importação ainda não contratada de mais
insumos, o que dependerá de Pequim. À labiríntica burocracia chinesa também
estão sujeitos os suprimentos ao Butantan, que receberá o próximo voo da
potência asiática, com material suficiente para 10 milhões de doses, apenas no
final deste mês.
Portanto, se há algo a que o presidente
Bolsonaro deveria dedicar 24 horas de seu dia é a China e outros fornecedores
que possam garantir e adiantar suprimentos. Os passeios de motocicleta, os
insultos a quem lhe aponta as múltiplas falhas e as asneiras sinofóbicas
deveriam dar lugar a uma imersão concentrada e obsessiva —trabalhar um pouco,
até para variar.
Aos demais atores envolvidos na mais
importante campanha de vacinação da história, também deveria ser incutido o
senso de urgência. Tempo perdido significa morte.
Todos contra Bibi
Folha de S. Paulo
Coalizão heterogênea e precária pode enfim
tirar o premiê israelense do poder
“Todos contra Binyamin Netanyahu”. Esse bem
poderia ser o lema da improvável
coalizão que está prestes a conquistar o poder em Israel e encerrar o
longo poderio do atual primeiro-ministro do país, que ocupa o cargo desde 2009.
Chistes à parte, é difícil encontrar pontos
de contato nas oito siglas que compõem a aliança, cujo pacto foi firmado na
quarta-feira (2), além da aversão a Bibi, como é conhecido o mais duradouro
líder político israelense.
O grupo abrange um amplo arco ideológico,
que vai da ultraesquerda à direita nacionalista, passando pelo centro. Inclui
ainda um partido islâmico, o Ra’am, que pode vir a se tornar a primeira legenda
árabe a integrar o governo israelense.
Tamanha heterogeneidade representa, numa
visão otimista, a amplitude e a complexidade da sociedade israelense
contemporânea; numa pessimista, apenas a atual disfunção da política de Israel.
Seja qual for a interpretação mais
fidedigna, o fato é que essa solução acabou se mostrando a única capaz de
romper um impasse político que resistiu a quatro eleições.
Nos últimos dois anos, nem o grupo do
primeiro-ministro nem o bloco opositor conseguiram a maioria dos 120 assentos
do Parlamento, o que manteve Bibi no poder, ainda que de forma interina.
Desta vez, porém, falou mais alto o desejo
de impedir que um Netanyahu com problemas na Justiça seguisse no comando do
país por mais um interregno eleitoral. O premiê responde a acusações de
corrupção, suborno e fraude, que ameaçam levá-lo para a cadeia.
A insistência de Bibi em se manter no
cargo, e usá-lo para desmerecer as investigações e atacar os juízes do caso,
acabou gerando rachas dentro da própria base —e partiu justamente de um antigo
aliado, Naftali Bennett, o apoio decisivo para a aliança oposicionista.
Caso venha a ser aprovada no Knesset, numa
votação que só deve ocorrer na semana que vem, a coalizão será liderada até
2023 por Bennett, um nacionalista religioso que se opõe à criação de um Estado
palestino e defende a anexação de áreas da Cisjordânia. Depois, ele seria
substituído pelo centrista e ex-apresentador de TV Yair Lapid.
Até lá, contudo, muita água pode rolar.
Bibi faz o possível para solapar o bloco que conta com a frágil maioria de
apenas uma cadeira. Por menores que sejam as chances, não convém duvidar de
quem já provou tantas vezes a capacidade de sobreviver politicamente.
Banco Central deve rever o balanço de riscos da inflação
Valor Econômico
Se as expectativas inflacionárias se
desencorarem, mesmo com desemprego alto, o BC adicionará mais alguns pontos à
Selic
O crescimento acima do esperado do PIB
trouxe mais desafios para o Banco Central. Com a atividade mais forte, vários
bancos e gestores de recursos elevaram não só suas projeções de inflação para o
ano corrente, além do teto de 5,25%, como as de 2022, mais distante da meta de
3,5%. Há aposta de que a “normalização parcial” da última ata do Comitê de
Política Monetária será arquivada e a Selic se deslocará no fim do ano para
6,5% - correspondente ao juro real neutro - ou entrará no terreno
contracionista. O BC ainda não pensa dessa maneira, mas pode mudar de ideia.
Diante de um PIB mais forte no primeiro
trimestre, a visão da autoridade monetária sobre o desempenho da economia
estaria defasada, assim como sua insistência na “normalização parcial”, que o
levou a anunciar nova elevação de 0,75 ponto da Selic na próxima reunião. Mas o
BC já tinha uma visão mais acurada que boa parte do mercado antes da divulgação
das contas nacionais na terça-feira.
Sobre uma das afirmações mais controversas
da ata do Copom de maio, o BC retrospectivamente acertou. Primeiro, ao apontar
que “a despeito da intensidade da segunda onda da pandemia ter sido maior que a
esperada, os últimos dados disponíveis de atividade têm surpreendido
positivamente”. Depois, ao avaliar que “os dados de atividade e do mercado de
trabalho formal sugerem que a ociosidade da economia como um todo se reduziu
mais rapidamente que o previsto, apesar do aumento da taxa do desemprego”.
Ou seja, o BC já havia considerado em seu
cenário um desempenho corrente da economia melhor do que muitos analistas
anteviam e que os números do PIB acabaram descortinando. Mesmo assim, o
desempenho foi até um pouco melhor, o que pode mudar a dose de correção dos
juros. O Copom estimava que a ociosidade da economia iria retornar ao nível de
fins de 2019 nos próximos trimestres, quando, de maneira agregada, o PIB do
início do ano mostrou que já se voltou ao nível pré-pandemia.
O balanço de riscos, que define os próximos
passos da política monetária, pode ser alterado. Ainda que as incertezas sobre
o desempenho futuro da economia continuem “acima do usual”, o impulso à
atividade as torna um pouco menos incertas. Poderá modificar o cenário uma
terceira onda ainda mais potente da pandemia, ainda que o BC e agentes do
mercado contem com uma vacinação suficiente para imunização completa de setembro
até o fim do ano. Assim, o enunciado “o processo de recuperação econômica dos
efeitos da pandemia pode ser mais lento do que o estimado, produzindo
trajetória de inflação abaixo do esperado”, pode não ser mais válido, o que
joga a favor de uma dose maior de juros.
Por outro lado, o “risco fiscal elevado”,
que há muito tempo criava uma “assimetria altista” no balanço de riscos foi em
parte mitigado. Ainda que o regime fiscal não tenha ganhos de qualidade, a
relação dívida bruta/PIB caminha mais em direção aos 85% do que aos 100%, como
se previa. Os prêmios de riscos estão caindo, como prova a apreciação do real
diante do dólar. Isso joga a favor de uma dose menor de juros.
Resta saber se “as diversas medidas de
inflação subjacente apresentam-se no topo do intervalo compatível com o
cumprimento da meta para a inflação” ou se, como parece, voltaram a fugir do
limite. Há enorme pressão sobre os preços advinda das commodities. O IC-Br,
divulgado na quarta-feira, mostrou avanços trimestrais fortes das commodities
agrícolas (5,66%), metálicas (12% e de energia (9,7%). No ano, a evolução é bem
pior: 24,2%, 30,6% e 35,14%, respectivamente. Essa pressão se estende a
matérias primas e intermediárias da indústria, aferidas pelo IPA-FGV e aos
preços monitorados, além de tudo majorados pela bandeira vermelha. Uma
recuperação mais vigorosa do setor de serviços, ainda uma possibilidade, traria
mais pressões ao IPCA.
Se as expectativas inflacionárias se desencorarem, mesmo com desemprego alto, como parece ocorrer, o BC adicionará mais alguns pontos à Selic. É plausível não encerrar o ano retirando todo o estímulo monetário (Selic a 6,5%), mas será necessário para isso aferir o que acontece com a inflação depois que passar o efeito estatístico de dois meses de deflação, que sairão do cálculo do IPCA anual em junho. A apreciação do real tem um papel vital nesse cálculo. Se cair abaixo dos R$ 5 por dólar e se mantiver aí por alguns meses, será possível “descontar” o aumento das commodities e conter parte muito relevante do impulso inflacionário.
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