sexta-feira, 4 de junho de 2021

Míriam Leitão - Exército se submete ao bolsonarismo e dá passo para a anarquia

- O Globo

A decisão do Exército de não punir o general Eduardo Pazuello é um daqueles momentos históricos em que uma instituição comete erro que traz consequências graves. Para as Forças Armadas a submissão à hierarquia, aos seus códigos e estatutos é a espinha dorsal da instituição. Se um general pode desrespeitar as normas disciplinares, o capitão também pode e, no fim, o soldado poderá. Abre-se o espaço para que outros sigam esses passos. Esse é o caminho que eles sempre abominaram, o da anarquia militar. O que o Exército fez agora foi dizer que aceita a pressão de Bolsonaro, mesmo que isso signifique desrespeitar suas próprias normas, mesmo que isso aprofunde o perigoso caminho da politização da ForçaA nota diz que acolhe os argumentos apresentados por escrito e oralmente pelo general Pazuello. E o que ele disse foi que aquele não era um ato político, dado que o presidente Bolsonaro não tem partido. Ora, isso não é verdade. Aquela foi uma manifestação política. Desde o desfile de motos pelo Rio, os gritos dos seguidores, até os discursos no palanque. Era um ato de campanha política, mesmo não sendo época oficial de eleições. Pazuello sabe que foi isso que aconteceu naquele domingo. Decidiu fazer o Exército de bobo e o Comando aceitou essa desculpa.

 “O Exército informa que o Comandante do Exército analisou e acolheu argumentos apresentados por escrito e sustentados oralmente pelo referido oficial general”. Ou seja, concordou com uma explicação totalmente distante da realidade. “Desta forma, não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do general Pazuello”, diz a nota.

O presidente Bolsonaro quando foi militar, mais de três décadas atrás, feriu as regras disciplinares, foi preso e processado pela Justiça Militar. Ele saiu do Exército exatamente por indisciplina. Foi um “mau soldado”, como definiu o ex-presidente Ernesto Geisel. Hoje ele é comandante em chefe das Forças Armadas, por ser o presidente, mas isso não significa que as Forças devam aceitar que ele imponha essa mesma visão de indisciplina às tropas.

O episódio Pazuello é uma linha divisória que o Exército não deveria cruzar. Para Bolsonaro é uma vitória. Ele quer que as instituições o sigam e que abram mão da autonomia. Bolsonaro quer acabar com a diferença entre Estado e governo, e transformar a força terrestre no que ele define como “o meu Exército”. Ao ceder à pressão, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira mostra por que foi escolhido para o lugar do general Edson Pujol. Ele aceita a pressão do Planalto.

O vice-presidente Hamilton Mourão foi punido, em 2015, quando fez declarações políticas na época em que estava na ativa. Ele pediu, “o despertar da luta patriótica”, durante o governo Dilma. Perdeu o Comando Militar do Sul, não pode mais falar para as tropas e foi transferido para a Secretaria de Economia e Finanças. Mesmo ele que viveu esse episódio admitiu que Pazuello tinha que ser punido para “evitar que a anarquia se instaure nos quartéis”. Foi o que ele disse logo após os eventos do Rio. Segundo Mourão, aquela era uma manifestação “de cunho político”. E disse que o próprio Pazuello sabia que tinha errado e havia telefonado para por seu “pescoço no cutelo”.

O plano de Bolsonaro sempre foi cooptar as instituições civis e militares da República para o seu projeto político. Ele está seguindo os mesmos passos de Coronel Hugo Chavez que trocou comandos das Forças Armadas e as submeteu ao chamado bolivarianismo. A politização das Forças Armadas, a partidarização das polícias militares, são parte central do projeto de Bolsonaro. O presidente conspira contra a democracia brasileira, enfraquecendo as instituições. E essa quinta-feira foi para ele, “um grande dia”. Para o Brasil foi o passo mais perigoso dado pelas Forças Armadas desde o fim da ditadura militar.

 

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